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Passeios em cavernas e de caiaque são atração em Ban Tham Lod, na Tailândia

RUSS JUSKALIAN

New York Times Syndicate

31/12/2011 07h00

Minha mãe me disparou um olhar preocupado. “Não”, eu disse, antecipando a pergunta dela. “Essa não é nossa parada.” Eu sabia o que ela estava pensando: isso era exatamente o que estávamos tentando evitar.

Após centenas de curvas de testar o estômago ao longo da estrada na montanha, o micro-ônibus em que viajávamos parou para trocar passageiros na antes tranquila cidade de Pai, no norte da Tailândia.


Aqui, em abundância, estavam os sinais perturbadores de uma corrida do ouro de mochileiros e de nova era: estúdios de yoga, estúdios de tatuagem, tendas arredondadas, roupas de retalhos e tecidos reciclados, inúmeras pensões e cafés (alguns com TVs de tela plana) vendendo “orgânico” de tudo. Tudo isso acompanhado de Wi-Fi gratuito e trânsito congestionado.

Nosso destino, a 90 minutos e uma montanha de distância, era a aldeia de Ban Tham Lod, uma espécie de anti-Pai, onde eu esperava experimentar o interior tailandês como costumava ser. Meus pais, ambos professores aposentados, decidiram me acompanhar por dois dias antes de seguirem para um trabalho voluntário.

A menos de 16 quilômetros da fronteira de Mianmar, a Cave Lodge, a pensão onde nos hospedaríamos, ficava situada entre as casas simples de teca de Ban Tham Lod. Nenhum estúdio de tatuagem, apenas aldeias montanhesas vizinhas e uma paisagem de relevo cárstico e brumosa onde centenas de cavernas se escondem sob densos vinhedos e matas de teca, paina e sal. O dono da Cave Lodge, um australiano chamado John Spies, vive neste distrito remoto, Pang Mapha, há mais de 30 anos. Ele é o mais próximo possível de ser um morador local que um estrangeiro pode ser.

No primeiro dia, minha mãe e eu arranjamos um passeio de caiaque pelo Rio Nam Lang, que passava pela sacada do meu bangalô simples. Nosso guia, um homem local de 43 anos chamado Ten, tinha quadríceps parecidos com corda e um sorriso enigmático. Ele saltou o declive íngreme da pousada até o rio com seu caiaque em um braço, remo no outro, momentaneamente olhando para trás para nós, levemente achando graça, antes de pular de volta encosta acima, para ajudar seus clientes menos aptos fisicamente. No final da fila de caiaques - eram apenas nós três, cada um em seu barco - eu remava lentamente, escutando o som oco de um sino de búfalo vindo da margem do rio. O calor do sol, que tinha acabado de dispersar a neblina matinal, era ótimo.

Não muito longe de Cave Lodge, o rio seguia para a entrada de Tham Lod, ou “caverna que atravessa”. Em balsas de bambu iluminadas por lanternas, os guias transportavam uma mistura de tailandeses e visitantes estrangeiros para a abertura de cinco andares de altura. Eu passei com meu caiaque pela entrada e, enquanto os últimos raios de luz natural desapareciam atrás de uma curva, eu liguei minha lanterna. O interior de Tham Lod tem mais de 30 metros de largura em alguns pontos, seu teto coberto por longas estalactites matizadas pelos reflexos da água abaixo.

No meio da caverna, nos desembarcamos em uma praia de cascalho e prosseguimos a pé. Ten liderou o caminho por uma trilha escorregadia, apontando para as formações geológicas brotando do chão e do teto, e para as colunas de depósitos de calcita onde estalactites e estalagmites crescem juntas. Após circular ao redor, nós voltamos aos caiaques e seguimos o rio até o lado oposto da caverna.

No restante no caminho, nós passamos por pequenas corredeiras nas curvas sinuosas do Nam Lang, sob penhascos de pedra calcária azul-acinzentada. Perto do ponto de saída, dezenas de crianças nadavam em um lago formado atrás de uma pequena represa. Logo, eu contava com cinco novos passageiros, transformando meu caiaque de uma só pessoa em uma massa semiflutuante de braços agitados e risos.

Naquela noite, perto do por do sol, meus pais e eu voltamos à saída de Tham Lod seguindo uma trilha pela mata. Nós passamos por um campo seco de arroz e por um pequeno mosteiro budista na floresta, escutando um crescente coro de estalos e gorjeios.

Na saída da caverna, uma enxurrada de andorinhões-asiáticos, 300 mil segundo algumas estimativas, voavam em espiral no céu pastel como um cardume infinito de peixes voadores. Mais espetacular do que seu número era o fato dos pássaros estarem voando para dentro de Tham Lod. “Eles se adaptaram à vida na caverna”, Spies me disse mais cedo. “É um espetáculo incrível.”

No dia seguinte, eu descansei em uma rede na casa principal de Cave Lodge, uma varanda aberta sobre palafitas, sob um teto de folhas secas (à noite, quando a temperatura cai, a varanda adquire uma atmosfera comunal, com todo mundo reunido em torno de um tocheiro central). Eu planejava apenas folhear o livro de memória autopublicado de Spies, “Wild Times: 30 Years on the Thai Border”, mas acabei lendo todas as 149 páginas. As histórias, começando por sua chegada ingênua na Tailândia nos anos 70, e os sete anos viajando pelas montanhas, não são o que você espera que um dono de pensão tenha a oferecer. Há narrativas de décadas atrás, quando plantações de papoula de ópio coloriam as encostas e o comércio de heroína alimentava exércitos fora da lei e hostis. E os relatos de exploração espeleológica - guiando a Princesa da Tailândia por Tham Lod e equipes de televisão da “BBC” à procura do peixe troglobita - me deram vontade de partir para aventuras subterrâneas.

Inspirado pelas histórias de Spies, eu passei os dias seguintes explorando o interior com outros hóspedes. Eu fiz duas visitas à Caverna do Natal, que fica escondida atrás de um monte de calcário, sem nenhuma indicação, exceto uma trilha por um campo de talos altos e secos de milho e um pequeno rego que leva até sua abertura. Uma câmara grande tinha tetos abobadados altos o suficiente para caber um carvalho. A luz penetrava pelas entradas distribuídas uniformemente sobre seu domo. Dentro havia formações cintilantes que pareciam como corais-cérebro banhados em vidro estilhaçado.

Eu também investiguei a Caverna Cabelo, um túnel longo e úmido com espaços pequenos e médios arranjados ao longo de uma estrutura central, como um tubo. Dentro, eu passei ao lado de uma aranha com pernas finas e longas o suficiente para tomar todo meu rosto, e vi dois insetos cujo zumbido das asas soava como uma campainha elétrica, e cujos corpos emitiam luzes vermelhas intensas que pareciam LEDs estroboscópicos.

  • Russ Juskalian/The New York Times

    Passeio de caiaque pelo Nam Lang Rive, na Tailândia


Em outras cavernas, chamadas Tham Pi Maen (“cavernas altas de espíritos”), eu encontrei caixões de 1.700 anos de idade esculpidos em teca; segundo a cultura shan local, eles são os locais de descanso de espíritos esguios que perambulam pela floresta, apesar da descoberta de fragmentos de ossos e dentes, nos caixões e perto deles, sugerir uma origem humana. E, nas profundezas da mata, eu encontrei um candidato a Ph.D. de Bancoc. O homem, que disse estar em seu sétimo ano de trabalho de campo de preservação, falou sobre seus encontros com bandidos, missionários e primatas.

Certa manhã, eu acordei às cinco horas da e fui cambaleando até a varanda da Cave Lodge com dois capacetes, duas lanternas e a preguiça resultante de ter passado tempo demais à noite em uma sauna caseira de ervas, com vapor de erva cidreira e gengibre. Jérôme, um francês com quem elaborei o plano matinal na noite anterior, já estava me esperando. Nós tomamos um café forte e partimos para um pilar vertical de pedra calcária envolto em árvores, chamado Big Knob.

Usando uma fotocópia de um mapa de Spies feito à mão, nós passamos pela aldeia de Ban Tham Lod - pelo templo, pela clínica e pela escola - no escuro. As brasas matinais das fogueiras brilhavam de dentro das casas de teca em palafitas. Enquanto avançávamos em meio à neblina na floresta primitiva, o sol, ainda escondido atrás do horizonte irregular, nos dava luz suficiente para desligar nossas lanternas. Logo a caminhada se tornou vertical e escalávamos afloramentos de pedra calcária do tamanho de homens usando as árvores como apoio.

O topo do monte era de rocha lisa, com cerca de dez metros de diâmetro, com quedas vertiginosas de 300 graus ao redor de seu perímetro. Jérôme e eu nos sentamos em uma prancha instável de madeira e observamos a vista abaixo de nós: um oceano interminável de névoa, com as montanhas e montes brotando para fora como ilhas no mar. Quando o sol finalmente se ergueu acima das montanhas, a neblina formou ondas em câmera lenta, primeiro rolando sobre as montanhas ao longe, e depois sobre a própria Big Knob, nos envolvendo em branco.

No silêncio de tudo isso, pouco antes do barulho da vida na aldeia passar a ecoar pelos vales abaixo, eu ouvi algo que nunca tinha ouvido antes na natureza: um bando de gibões chamando uns aos outros na floresta de modo melódico. Eles estavam cantando em uma linguagem ancestral que, por um momento, eu bem que gostaria de entender.