No interior pernambucano, Alto do Moura tem artesanato e clima de cidadezinha do agreste
Quando se apaga a última fogueira e os visitantes começam a se dispersar, a pernambucana Caruaru, palco de uma das festas de São João mais concorridas do Brasil, começa a voltar a seu ritmo normal. No entanto, a apenas 7 km dali, um bairro vive constantemente em um ritmo de calmaria. Alto do Moura é simples e possui ares de cidadezinha do agreste. Para quem estiver visitando as cidades de Recife e Olinda durante o período de Carnaval, sobrar um tempinho e quiser fugir (ou descansar) da folia, é uma boa opção de passeio -- o local fica a 130 km da capital do Estado.
Foi Alto do Moura que colocou Pernambuco e o Brasil na rota internacional da arte figurativa, trabalho artístico que retrata personagens e situações do cotidiano, em forma de bonecos artesanais. Declarado como o 'maior centro de arte figurativa das Américas', o bairro aprendeu a tirar da terra o sustento dos seus humildes moradores.
A inspiração artística para o local que atualmente abriga mais de mil artesãos foi Vitalino Pereira, artesão nascido na primeira década do século passado. Filho de uma louceira que vendia seus trabalhos na Feira de Caruaru, Vitalino começou a transformar tudo o que via em peças feitas com o barro que sobrava do trabalho da mãe, aproveitando o forno simples para queimar suas primeiras invenções.
O que era apenas uma brincadeira despretensiosa de uma criança, que vendeu seu primeiro trabalho aos seis anos, se transformaria, décadas depois, em fonte de renda para a comunidade e referência artística mundial. Assim como disse uma vez o próprio Vitalino, “na minha terra, as mãos produzem comida”.
A escola do Mestre Vitalino
“Ele serviu como escola para os artistas da região que agora colhem o que ele plantou no passado”, define Severino Vitalino, filho de Vitalino que segue reproduzindo com argila os trabalhos do pai, como o famoso 'Gato Maracajá', em um casebre de taipa erguido em 1959 pelo próprio mestre. “Assim o artesão não morre nunca”, completa, sem tirar os olhos atentos sobre mais uma peça que molda sentado no chão de terra do casebre.
O filho Severino, que demora três horas para fazer uma peça antes de colocá-la por mais oito horas dentro do forno, refaz com argila os trabalhos do pai e garante que todas são idênticas às originais. Se a tradição e a repetição marcam a obra da família Vitalino, 'seu' Manuel Eudócio, um dos primeiros a seguir o ofício de Vitalino, vai no caminho contrário. Basta entrar na casinha amarela com interior de prateleiras de madeira para ver que Eudócio, declarado Patrimônio Vivo de Pernambuco, colocou as cores de seu estado na arte agreste e rústica do mestre.
Ele serviu como escola para os artistas da região que agora colhem o que ele plantou no passado. Assim o artesão não morre nunca
Severino Vitalino fala sobre o pai, o mestre artesão Vitalino PereiraEudócio é responsável por outro atrativo turístico popular de Alto do Moura: o ateliê Mestre Manuel Eudócio, localizado na mesma rua que abriga outros ateliês. Mais do que um observador do cotidiano local, o artista transforma em coloridas peças, quase lúdicas, os tradicionais rituais nordestinos como as romarias do Juazeiro do Norte e a Festa do Reisado.
Os tons fortes da bandeira pernambucana estão presentes em quase todas os 500 trabalhos que Eudócio expõe, atualmente, em seu ateliê. Nem os bonecos de feições mitológicas (fruto da imaginação sem limites de quando criava brinquedos com sobras de barro na infância) escapam do banho de brasilidade que toma conta de suas obras.
“Quanto mais se cria algo diferente, mais se vende. Eu não gosto de fazer sempre a mesma coisa”, conta em meio a tantas outras histórias com detalhes infinitos que chegam a confundir (e encantar) os clientes.
Quanto mais se cria algo diferente, mais se vende. Eu não gosto de fazer sempre a mesma coisa
O espírito ceramista local parece mesmo contagiante e já foi capaz até de transformar pedreiro em artista. Quando Manoel Galdino foi trabalhar na construção de um posto de saúde de Alto do Moura, em 1974, ele ficou intrigado com a produção dos artistas locais. Foi até uma das cerâmicas, pediu que lhe dessem uma pequena porção e voltou para a construção, onde chegou a fazer uma prece para que o transformassem em profissional.
A história desse artista, que faleceria 22 anos mais tarde, até parece tirada de algum cordel de enredo fantástico, mas também faz parte da trajetória de Alto do Moura. Conhecido como um dos mais famosos da região, Galdino ainda teve tempo de ser cantador de viola e poeta de cordel.
Foi de sua experiência como cordelista que veio a prática de produzir peças acompanhadas de histórias que davam ares de veracidade a seus trabalhos, nos quais figuras surrealistas vistas em seus sonhos se misturavam a elementos da cultura local, como o Lampião-Sereia e o São Francisco-Cangaceiro. O cotidiano também servia de estímulo artístico, caso da obra Mané Pãozeiro, uma homenagem a um primo padeiro que, como Galdino, também vivia em dificuldades financeiras.
E enquanto Caruaru se preocupa em disputar com a vizinha Campina Grande, na Paraíba, quem é o dono do maior São João do mundo, Alto do Moura segue a vida moldando a sua própria história e sujando as mãos de barro com habilidade de mestre.
Site de Alto do Moura: www.altodomoura.com
Atelier Mestre Manuel Eudócio
Rua Mestre Vitalino, 151
Tel: 0/xx/81 3722-7732
Casa Museu Mestre Vitalino
Rua Mestre Vitalino, 644
Tel: 0/xx/11 81 3722-0397
De seg. a sáb. das 8h às 12h e das 14h às 17h; dom.das 9h as 17h
Memorial Mestre Galdino
Rua São Sebastião, s/nº
De ter. a dom. das 8h às 17h?
Museu do Barro
Praça Coronel José de Vasconcelos, 100 (Caruaru)
Tel: 0/xx/81 3721-2545 / 3727-7839
De seg. a sáb. das 8h às 17h; dom. das 9h às 13h
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