Entre ruínas e turismo improvisado, saiba o que restou do local de retiro dos Beatles na Índia
Há 44 anos, o mundo tentava encontrar no mapa uma pequena cidade no norte da Índia, aos pés do Himalaia e na fronteira com o Nepal, a longínqua Rishikesh. Motivo: os Beatles aterrissaram de mala e cuia -- no total, uma ‘entourage’ de 60 pessoas incluindo esposas, namoradas, amigos e equipe de produção -- para uma temporada de meditação transcendental sob a protetora batuta de Maharishi Mahesh Yogi, guru e dono do luxuoso ahsram (local para meditação) que, durante quase dois meses, serviu de morada para uma das mais importantes bandas da história.
Se em 2012 demora-se até oito horas para fazer, de carro, o trajeto de Nova Déli a Rishikesh, uma distância de apenas 227 quilômetros, dá para imaginar o tipo de aventura que John, Paul, Ringo e George enfrentaram na época até chegar ao encontro do guru. A alternativa ‘moderna’ ao nada transcendental trânsito indiano é o trem que, embora mais rápido do que a versão quatro rodas, também pode demorar seis horas para fazer o trajeto -- excluindo os constantes atrasos.
Passado o perturbador barulho das buzinas de carros, caminhões, jipes, tuk-tuks (versão oriental da nossa lotação) e, principalmente, motos, começa-se a entender porque o período dos Beatles em Rishikesh foi o mais produtivo de toda a carreira do grupo, gerando um total de 30 músicas escritas (até Ringo Starr escreveu uma canção), sendo que 18 delas foram parar no "White Album" (1968), duas em "Abbey Road" (1969) e as outras viraram trabalhos solo. É em Rishikesh que fica a nascente do Ganges, o mais importante rio da Índia, e a cidade abriga um dos únicos trechos em que o rio manteve-se limpo. No local há ainda a belíssima ponte de Ram Jhuha que, além de ligar os dois lados de Rishkesk, proporciona uma vista digna de cartão postal para ser registrada enquanto aproveita-se o fim de tarde em uma das “german bakery” (sinônimo de lanchonete) da região.
O período dos Beatles na Índia foi registrado pelo fotógrafo Paul Saltzman, autor do livro acima
Abandono e história do local
O ashram que os Beatles estiveram entre fevereiro e abril de 1968 fica a leste da ponte, bons 40 minutos se o trajeto for a pé. Seguindo pela encosta do rio, vale a pena encarar a caminhada para conhecer um dos excelentes mercados locais, com melhores preços do que as lojas no centro de Rishikesh.
Embora a visita ao “ashram dos Beatles” seja um ponto turístico, ela não é legalizada. Há anos o local está abandonado e, desde 1997, foi fechado pelo governo indiano. Mas nada que a vizinhança local não resolva: um falso guarda de pouco mais de um metro e meio abre as ruínas dos portões para quem estiver disposto a pagar 50 rupees por pessoa (aproximadamente R$ 2).
Quem for de moto ou bicicleta tem a garantia que seu veículo será bem cuidado pelas crianças da região -- em troca, claro, de uma boa gorjeta. O local também oferece o serviço de guia turístico, fundamental para quem deseja conhecer as mais escuras bibocas do que restou do ashram. Mas atenção ao preço do serviço: é melhor combinar um valor antes do passeio turístico para evitar aborrecimentos.
Enquanto ashrams são espaços de meditação e ioga conhecidos por suas quase primitivas acomodações, a luxuosa propriedade de 57 mil metros quadrados de Maharishi Mahesh Yogi chegou a acomodar mais de 400 pessoas em quartos individuais, aquecimento central, decoração com móveis tipicamente ingleses, aeroporto e água encanada -- esta até hoje considerada um luxo dos hotéis cinco estrelas da região --, além do fortíssimo esquema de segurança.
Estes "extras" que no início foram atrativos para os rapazes de Liverpool acabaram se tornando motivo de desentendimento entre o guru e seus discípulos britânicos: ao final da estada, os músicos alegaram que Maharishi (1918 - 2008) era ganancioso e que sua única preocupação era com dinheiro.
Parte do que foi o ashram dos Beatles em Rishikesh, na Índia, no ano de 1968
Voltando ao ashram, o que sobrou dele foram ruínas, mas um olhar mais atento consegue encontrar detalhes luxuosos do que um dia foi a propriedade, espécie de iglus de dois andares inteiros construídos com pedras, salas do tamanho de ginásios que foram dedicadas à meditação e ioga e hoje viraram um amontoado de entulho, sem telhados e só a carcaça de algumas construções que ainda resistem aos efeitos do tempo.
Aos corajosos, quando equipados de uma lanterna, vale a pena explorar os corredores e tentar encontrar resquícios do espaço que, em 1968, foi um dos assuntos mais falados no mundo, já que a experiência em Rishikesh vale mais pelo que o local representou no passado do que pelo que ele é atualmente.
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