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Tour por restaurantes de Berlim mostra uma cidade em franca ascensão gastronômica

Frank Bruni

New York Times Syndicate

31/03/2012 07h15

A má reputação tem vida muito mais longa que as circunstâncias que lhe dão origem - e as refeições que fiz em Berlim há pouco tempo são exemplo vivo disso.

Antes de viajar, todo mundo me disse que, em questões gastronômicas, eu ia me decepcionar, me desejou boa sorte e disse que era uma pena eu não estar a caminho de Paris, Copenhague ou outra (qualquer outra) capital europeia digna de nota. Na volta, fizeram questão de checar, ansiosos para confirmar a minha experiência ruim.

Desculpe desapontá-los, mas eu comi muito bem em Berlim, uma cidade que, sem dúvida, progrediu muito nos últimos anos. E em vários dos restaurantes que menciono aqui, eu me arrisquei bastante.

A noção que tive era de que a comida pertencia ao lugar, com ingredientes alemães e cercada de tradições, além de um ótimo senso de improviso, com outros impulsos e outras partes do mundo complementando tudo com um toque próprio. O equilíbrio entre os dois ficou perfeito.

Num lugar eu experimentei o que pode ser chamado de prato sino-alemão; em outro, o que poderia ser classificado de ítalo-alemão. A verdade é que, para se adequar à cidade que abriga uma população internacional tão sofisticada, as cozinhas estão também, e cada vez mais, aderindo ao poliglotismo.

E talvez porque Berlim não tem uma imagem de transcendência culinária em que se apoiar, mesmo em seus restaurantes mais ambiciosos não há gourmets arrogantes. Saí de todos não só satisfeito como relaxado - e é assim que você sempre deveria ficar depois de um jantar perfeito.

Restaurante Tim Raue
Embora tenha apenas 37 anos de idade, o chef Tim Raue agita as cozinhas de Berlim e canaliza seu amor pela culinária asiática há bastante tempo. Com seu restaurante inovador, aberto há pouco mais de um ano, ele finalmente começou a atrair a atenção internacional.

Eu passei por lá para almoçar em novembro de 2011 e recebi um cardápio lotado de opções de entradas chamado "dim sum". Entre elas, o pato de Pequim e um prato de vitelo com molho XO e eu pensei: "Será que é só um experimento da alta gastronomia chinesa que, por acaso, veio parar em Berlim, ou os alemães têm alguma coisa a dizer a respeito"?

Uma das seleções dos tradicionais bolinhos chegou sem nada de especial por fora. Lá dentro, porém, havia refogado de ganso, um toque alemão e bem sazonal. Além disso, decorando o prato havia círculos de creme de repolho roxo, que, sem sombra de dúvida, não é um condimento chinês.

  • Gordon Welters/The New York Times

    Embora tenha apenas 37 anos de idade, o chef Tim Raue agita as cozinhas de Berlim e canaliza seu amor pela culinária asiática há bastante tempo

Substituindo as panquecas, o pato veio com um waffle grosso, outra mudança na norma chinesa. Não só serviu de base para as fatias de peito como também realçou o sabor do mousse de fígado de pato e um caldo forte, feito com miúdos da ave - ou seja, não só a técnica francesa, mas o espírito também.

De fato, o estilo e a sensatez de Raue me lembraram o famoso trabalho de um francês que vive nos EUA: Jean-Georges Vongerichten. Aqui havia o mesmo flerte com a Ásia, a mesma orquestração de especiarias e pimentas escolhidas a dedo (do Japão, Tailândia e da China) para obter uma melodia de notas ardidas, doces e ácidas, a mesma atenção aos aromáticos, a mesma substituição de molhos pesados por caldos delicados, como o cítrico que cobria o filé de robalo.

A execução de Raue, porém, às vezes não acompanha as ideias: o peito do pato estava um pouquinho duro e os bolinhos, meio encharcados, mas ele também consegue momentos de pura genialidade - como o caldinho servido de entrada, feito com abóbora, cujo sabor parecia uma verdadeira descarga elétrica graças à combinação de temperos que incluía gengibre seco, tangerina, cranberry e pimenta-do-reino, branca e vermelha.

O salão do restaurante, em estilo contemporâneo, em tons de marinho e roxo, é ousado sem ser cansativo e a atenção aos detalhes vai dos belos hashis à longa (e impressionante) lista de chás asiáticos e vinhos europeus. Quase cancelei outras reservas para voltar ao Raue, mas o meu espírito de explorador não deixou - e ainda bem que não o fiz. Endereço: Rudi-Dutschke-Strasse 26. Telefone: (49-30) 25-93-7930. Site: tim-raue.com. Almoço com quatro pratos para dois, com vinho e gorjeta, sai por aproximadamente 170 euros.

Horvath
Esse restaurante charmoso, que fica numa rua arborizada e residencial, passou por uma reforma radical em meados de 2010 com a chegada do novo chef, Sebastian Frank.

Austríaco de nascimento, ele aceitou o cargo por amor. Depois de trabalhar muitos anos sob a batuta de outros profissionais em restaurantes famosos de Viena, ele resolver ir atrás de uma mulher que conheceu em Berlim e, em troca, acabou conquistando uma cozinha só sua no Horvath - e está aproveitando a oportunidade como pode, criando, com maestria, pratos complexos o suficiente para impressionar os clientes.

  • Gordon Welters/The New York Times

    A comida do Horvath, em Berlim, combina bem com o interior elegante do restaurante

E eles estão firmemente baseados no espírito local e sazonal de hoje em dia. Antes da minha refeição, com certeza as abóboras de alguma horta nas imediações foram todas parar na cozinha do Horvath porque o pão da casa, maravilhoso, veio acompanhado de uma manteiga infundida com óleo de semente das mesmas, o que lhe deu um gosto semelhante ao do tahini, só que mais escuro e mais profundo. De sobremesa, sorvete de abóbora com crocante. Haja dentes!

O cardápio do jantar do Horvath é dividido em duas partes e duas páginas: uma, considerada tradicional, ou seja, mais perto dos costumes germânicos; a outra é considerada "inovadora". Eu pedi da primeira, mas meu amigo, Tom, optou pela segunda. Nossos pratos eram mais semelhantes do que esperávamos, e ambos se destacavam por várias razões.

No tradicional havia torresmo servido com fatias rosadas de lombo e nacos carnudos de bochecha de porco acompanhados por um gigantesco bolinho de batata recheado de morcela moída. Quando se trata de gastronomia, os alemães sabem das coisas.

No inovador, havia um filé de truta-de-lago com uma combinação de repolho, tomate e pimentão vermelho que tinha sabor de chucrute com catchup - sabor de comida de avó, e isso é um elogio e tanto.

Aliás, a comida emocional combina bem com os painéis de madeira de uma casa que tem sua elegância, mas não é escrava dela. Numa das mesas ao lado da nossa, um casal jantava com o cachorro, com direito a tigela de água para o totó e tudo. Endereço: Paul-Lincke-Ufer 44a. Telefone: (49-30) 61-28-9992. Site: restaurant-horvath.de. Jantar para dois com vinho e gorjeta vai de 130 a 180 euros.

Noto
Eu já estava no Noto havia mais de uma hora, com uma estranha mistura de déjà-vu e nostalgia me incomodando, quando percebi por que aquele lugar me parecia tão familiar e tão querido: era muito parecido com o Florent, um sujinho lendário que ficava no Meatpacking de Nova York e que, depois de muitas décadas, fechou as portas em 2008.

Na fachada, o nome do restaurante estava escrito com letras pequenas de neon - no caso do Noto, laranja; do Florent, era rosa. O espaço, bem menor que o do finado restaurante, também é definido por um longo balcão que traz à mente a palavra "lanchonete". E como o Florent, o Noto também atrai a tribo de aventureiros de espírito livre da cidade.

A comida do Noto foi a que eu descrevi como ítalo-alemã, embora teuto-mediterrânea seja mais adequada, mas nem tanto. Em que categoria, por exemplo, você colocaria um prato que consiste em costelas de vitelo cobertas por algo que é meio molho de churrasco e meio mole mexicano? Não sei nem quero saber, contanto que ele esteja sempre picante assim (graças às sementes de mostarda) e a carne esteja sempre tão suculenta.

  • Gordon Welters/The New York Times

    O espaço do Noto é definido por um longo balcão que traz à mente a palavra "lanchonete". Mas a comida do restaurante é excelente

Você pode encontrar o risoto do Noto, preparado com queijo taleggio, radicchio e nozes, na Itália, sim, mas não o seu ravióli, recheado com carne de caça, coberto com manteiga temperada com alecrim e polvilhado com folhas de couve-de-bruxelas.

Quando estive lá, o cardápio estava bem enxuto: menos de dez pratos no total, incluindo as entradas, e duas sobremesas, uma das quais nos deixou ensandecidos: calda de fruta vermelha sobre um semifreddo aveludado de maçã.

A carta de vinhos é bem restrita e havia apenas uma garçonete para atender as seis mesas, o que pode complicar um pouco as coisas, mas o detalhe acaba fazendo parte do carisma do local, do qual também faz parte a trilha sonora eclética: Feist, Frank Sinatra, Phoenix, Diana Ross e The Supremes. Endereço: Torstrasse 173. Telefone: (49-30) 20-09-5387. Site: noto-berlin.com. Jantar para dois com vinho e gorjeta vai de 90 a 125 euros.

Hartmanns
A lareira acesa perfuma o salão, as garrafas de conhaque espalhadas ficam ao alcance da mão, mas o detalhe mais caseiro desse restaurante adorável, o que melhor representa seu aconchego, são os cobertores empilhados no vestíbulo, logo ao lado da porta. Se você chegar com frio ou quiser sair para fumar, é só se embrulhar num deles.

A comida do Hartmanns é exemplo do que geralmente se chama de "nova cozinha alemã" - mais leve e audaciosa que as receitas substanciosas que trabalham com os ingredientes locais. A precisão com que a comida é servida, a estranha forma que muitas vezes adquire e o equilíbrio entre a carne ou o peixe e os outros ingredientes a colocam no mesmo patamar que a cozinha contemporânea francesa e, por que não, norte-americana.

Se bem que nenhuma casa francesa ou norte-americana serviria ombro de vitelo assado com spaetzle como faz o Hartmanns, nem ofereceria tantas variedades de repolho em tantos pratos diferentes ou tantos vinhos alemães como acontece ali (mas há opções italianas e francesas). O Hartmanns tem uma seleção excelente a um preço honesto.

O chef, Stefan Hartmann, tem um toque preciso que se reflete, por exemplo, na entrada que mais parece duas peças de dominó, uma de mousse de enguia defumada e a outra de geleia também de enguia. Ele também é contido, dando à carne ou ao peixe um molho sutil, ou um tipo de purê. Para a carne branca e macia e o sabor delicado do linguado, o destaque foi a espuma de mostarda, cuja leveza é mais um gesto de respeito pelo peixe, pois não eclipsou a suavidade e delicadeza de sua carne.

No cardápio enxuto, que muda toda noite, havia também salmão escocês com quinoa, abacate e sardinha; lagosta com ovo de codorna assado e cebolinha; terrina de fígado de ganso com brioche e maçãs caramelizadas; peito de vitelo com alcachofra chinesa e purê de feijão branco; moleja de vitelo com alcachofra.

O destaque da sobremesa ficou com a torta de castanha com kumquat e um parfait perfumado com sementes de abóbora. Gostaria de saber só o tamanho da horta para render tanta abóbora assim. Endereço: Fichtestrasse 31. Telefone: (49-30) 61-20-1003. Site: hartmanns-restaurant.de. Jantar para dois com vinho e gorjeta vai de 160 a 240 euros.