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Conheça a pequena e bucólica Taos, no Novo México, que já teve D. H. Lawrence como um de seus moradores

Campo em Taos, com a Montanha Taos ao fundo; local atraiu pensadores de vanguarda e artistas do início do século 20 - Dorie Hagler/The New York Times
Campo em Taos, com a Montanha Taos ao fundo; local atraiu pensadores de vanguarda e artistas do início do século 20 Imagem: Dorie Hagler/The New York Times

Henry Shukman

New York Times Syndicate

15/07/2012 08h00

O meu lugar favorito é um campo – um campo comum, desses de plantio mesmo, na periferia de Taos. É muito fácil encontrá-lo, como também o é não vê-lo. Se você atravessar a cidade na direção norte pelo Paseo del Pueblo, ele fica à direita, logo depois do Cid's Food Market, uma faixa de dois hectares com uma plantação de algodão de um lado, uma estrada de terra do outro e uma fileira de casinhas simples que o separa das terras de Taos Pueblo. Atrás dele, fica a Montanha Taos.

O campo é aquele tipo de lugar pequeno, quase acidental, que parece capturar a essência de toda uma era. No norte da Califórnia, poderia ser uma faixa de praia escondida, cheia de pedras; no estado de Nova York, um pedaço intocado da floresta além das cercas dos jardins no fim da rua de uma cidadezinha. Para mim, em Taos, era esse campo.

Há 21 anos, jovem, cheguei à cidade no ônibus da TMM & O, o Greyhound local, e depois de passar a noite num motel barato, aluguei um quarto num pequeno condomínio. Eu não tinha carro e fazia minhas compras a pé.

Todo dia perambulava pelos campos de algodão, cujas folhas ganhavam um brilho prateado quando agitadas pela brisa que vinha da montanha, e atravessava o fosso de irrigação para entrar no campo seguinte. Tinha um trabalhão para passar por baixo da cerca de arame farpado enferrujada e depois descobrir a trilha estreita, quase invisível, que cortava o matagal. O caminho não passava de uma faixa de terra que praticamente só podia ser vista quando os meus passos cortavam o mato.

  • Dorie Hagler/The New York Times

    Campos de Taos, no Novo México, nos Estados Unidos


Nunca soube quem, além de mim, usava aquela picada, nem nunca vi ninguém usá-la. Por que foi feita ali? E por quem? Ela cruzava o campo em direção da rua principal, a curta distância do mercadinho. Não sei se eu teria passado tanto tempo da minha vida no Novo México se não fosse pela minha travessia diária. Ela meio que acabou se transformando na ligação entre a minha infância no interior da Inglaterra (que eu não percebi que tinha perdido) e o meu futuro incerto.

Eu cheguei a essa remota cidadezinha para escrever um livro sobre a busca por sinais de um dos heróis da minha adolescência, D. H. Lawrence. Taos foi o único lugar onde o escritor acabou comprando uma casa – e suponho que, como visitante, eu esperava que a inspiração que ele obteve da terra e das pessoas pudesse me contagiar. Imaginava uma paisagem árida, só com desertos e montanhas... a última coisa que esperava encontrar era algo que me lembrasse da Inglaterra.

E no entanto, ao redor da cidade, havia campos e mais campos, mato alto, quase sempre planos, que também serviam de pastagem para os cavalos e o gado. Eram idênticos aos que havia na cidade onde cresci jogando futebol com os amigos, onde passeava com os cachorros, caminhava, dormia nas noites quentes de verão. Aquele perto do meu apartamento não era exceção.

Muitos outros viajantes já tiveram essa sensação inesperada de familiaridade com lugares estranhos em outras terras, mas fiquei surpreso de me sentir tão à vontade ali: a vegetação densa, o leve aroma do feno, as árvores assobiando de leve com o sopro da brisa. O mais estranho era que esse descampado em Taos tinha exatamente o mesmo tipo de capim que aquele que havia ao lado da minha casa, em Cherwell Valley, a norte de Oxford – e a trilha, muito batida e escondida, era idêntica à outra, assim como os troncos dos algodoeiros, que lembravam os dos salgueiros ingleses.

 

  • Dorie Hagler/The New York Times

    Taos, no Novo México; estilo de vida simples dos índios Pueblo, que moravam ali, atraiu pensadores de vanguarda e artistas do início do século 20

Até o clima parecia semelhante ao do verão inglês: meio esfumaçado, como se houvesse uma nuvem bem fina sempre encobrindo o sol. Ao mesmo tempo, tanto a paisagem como o tempo pareciam se submeter a algo diferente, um clima, uma atmosfera, um sentimento que não tomavam conta de mim há muito tempo. Minhas caminhadas por ali me traziam uma paz familiar – talvez o sentimento que emana de uma terra há muito habitada, cultivada e abundante – gerada pela amizade duradoura entre os seres humanos e o terreno. Depois de pelo menos um milênio de uso (pelos índios Pueblo e agricultores espanhóis), aquela parte da planície de Taos tinha um quê benevolente. Quem sabe, talvez fosse o amor juvenil pela terra renascendo em mim. Afinal de contas, não foi Plutarco quem disse que os jovens deviam passar bastante tempo na natureza, do contrário não amadureceriam?

Várias coisas aconteceram ali: eventos insignificantes, mas que tiveram o poder de me tirar do estupor das memórias de infância para me trazerem de volta ao presente. Uma vez, tentei pisar numa cobra que estava esticada na trilha: azul escura, silenciosa, se aquecendo ao sol. De repente ela sentiu minha presença, mas em vez de fugir, avançou. Eu dei vários pulos para trás, assustado, enquanto a cobra se afastava, sibilando, pelo meio do mato.

Certa vez ouvi uma batida cadenciada e gritos num tom bem alto ao me aproximar – era um grupo de índios Pueblo que ficou sentado ali o dia inteiro, com seus tambores e chocalhos, cantando para a natureza.

Um dia, voltando do mercadinho numa tarde ensolarada, morrendo de sono, decidi num impulso escalar o tronco de um algodoeiro, onde me sentei e acomodei – e só me lembro de acordar de um sonho muito vívido, no qual um dos sábios da tribo, debaixo da árvore, gritava para mim: "Luz do sol! Árvore!" como se estivesse me dando um novo nome. Eu podia jurar que alguém realmente tinha passado por ali.

Na Inglaterra não há nada parecido com a Montanha Taos. Aqui, o campo oferecia uma visão privilegiada dela. Nunca tinha visto nada igual: um maciço assombroso, uma coleção de picos, uma aglomeração de diversas montanhas. Praticamente uma cordilheira, ela jaz ali, um megálito pré-cambriano plantado no meio da planície, palavra de Deus manifesta e irrevogável, um lembrete das coisas que eram realmente importantes. Aquela montanha colocava a vida em perspectiva.

A Montanha Taos tem uma magia toda própria e um lugar muito especial na história cultural norte-americana. Se não fosse por ela e pelo povo que vivia ao seu sopé – os índios Pueblo, cujo estilo de vida simples atraiu pensadores de vanguarda e artistas do início do século 20 – a arte moderna dos EUA teria tomado um rumo bem diferente. Há quem diga que sem ela não teria existido o Expressionismo Abstrato.

  • Dorie Hagler/The New York Times

    Fachada de um dos restaurantes da pequena Taos, no Novo México (EUA)

Conforme fui conhecendo melhor os artistas contemporâneos de Taos – Ernest Blumenschein, Andrew Dasburg, Marsden Hartley, John Marin – que criaram uma nova vertente artística não inspirada na Europa, mas sim no deserto do sudoeste, percebi que várias pinturas da montanha foram feitas daquelas paragens. O magistral "Winter Funeral" de Even Victor Higgins, obra de destaque do Museu de Arte Harwood, reflexão sombria e atraente da humanidade e da Terra, parecia ter o mesmo ângulo, com uma vala e um campo como pano de fundo. Será que foi desse?

Duvido que um dia eu vá descobrir, mas fiquei chocado ao saber que um dos prados dessa parte da cidade está ameaçado. Talvez seja esse. As construtoras estão de olho nele, doidas para cimentá-lo e transformá-lo num centro comercial. A Family Dollar, que fatura bilhões de dólares por ano e tem mais de sete mil filiais pelo país, está empenhada em abrir outras centenas de lojas nos estados do Oeste e esse campo deve ter caído na mesa de um dos executivos como proposta atraente.

Taos pode ser extraordinária com sua história multicultural e sua geografia espetacular, com o deserto de um lado, se estendendo até o horizonte do Arizona, e as montanhas de outro, mas esses tesouros estão dispostos e pertencem ao contexto da terra, como esse campo. Infelizmente, parece que esses são os lugares mais vulneráveis; esses pequenos espaços abertos e desprotegidos se espalham por todos os EUA, donos de uma beleza simples, mas toda própria. Ao contrário dos parques protegidos pelo governo, eles não têm ninguém que os defenda e correm o risco de desaparecer "em nome do progresso".

Acontece que, no caso desse campo em particular, muita gente ficou consternada com a possibilidade de seu desaparecimento e formou um grupo de oposição para tentar protegê-lo. Seu destino reflete o destino da terra em todo lugar. Cada vez que um hectare de terra é pavimentado, o espaço menos valorizado, mas vital, onde bate o coração humano, que ama a terra como se ela fosse uma entidade com vida própria, fica menor.

Como todos os campos, o matagal desse também muda com as estações; no inverno, é azul e gelado, petrificado, revelando o solo que há debaixo dele; no verão é brilhante – e pode ficar baixo graças à pastagem dos animais ou viçoso como pudesse crescer à vontade. Na primavera não parece tão abundante, como se tivesse despertado do frio do inverno, mas ainda estivesse com muito frio para se mostrar e, no outono, é castigado pelas baixas temperaturas e pelo vento.

Para apreciá-lo, basta notá-lo.

(Henry Shukman é autor de "The Lost City" – publicado pela Vintage, inédito no Brasil)