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Cidades alemãs rivalizam em cultura e quem ganha é o turista

Juliana Guarany

Do UOL, na Alemanha

25/03/2013 08h01

Duas cidades da Saxônia, estado alemão que faz divisa com Polônia e República Tcheca, travam uma batalha cultural há séculos, literalmente. Separadas por pouco mais de 100 km, Dresden e Leipzig se tornaram grandes centros urbanos ao longo da história. Desde os tempos medievais, quando eram o coração econômico do reino, passando por diversas guerras, destruições completas e regimes políticos socialistas, as duas cidades guardam cada pedaço de suas longas jornadas em praças, museus, monumentos e também no seu dia a dia. Pequenos bondes conservam o formato dos tempos socialistas, as linhas arquitetônicas Art Nouveau se misturam com prédios Art Déco. Foi ali, para conectar as duas cidades, que se construiu uma das primeiras linhas de trem alemãs, em 1839 – a pedra fundamental dos mais de 40 mil quilômetros de trilhos que hoje cortam o país inteiro.

Junto com a cumplicidade, vem também a típica rivalidade dos que dividem o mesmo DNA. Quem é melhor? Qual é mais divertida? Quais os melhores museus, atrações ou festivais? Moradores das duas cidades adoram botar fogo na discussão. Enquanto Dresden se vangloria de ser a terra dos grandes reis saxões, das grandes montagens de ópera e também a cidade escolhida como capital da Alemanha oriental, ou República Democrática da Alemanha (RDA), Leipzig é a terra dos revolucionários, o berço das manifestações pacíficas que levaram ao fim do governo socialista, e até no teatro prefere uma cena mais underground.

Seja mais pomposa ou mais revoltada, as duas cidades são como irmãos que brigam, mas se defendem contra os outros e compartilham do mesmo DNA, algo como Rio de Janeiro e São Paulo, Corinthians e Palmeiras e – vá lá – Brasil e Argentina.

Dresden, a aristocrática
Em fevereiro de 1945, Dresden teve o que deve ter sido o pior dia de seus 11 séculos de vida. A cidade foi bombardeada seguidamente por aliados até não sobrar praticamente nada. A cidade velha, parte histórica de Dresden às margens do rio Elba, teve seus principais edifícios reduzidos a montes de pedras. Hoje, ironicamente, a chamada Cidade Nova, ou Neustadt, é mais velha do que o centro histórico, reconstruído. Edifícios, igrejas e museus foram postos de volta aos seus antigos lugares. A pedra usada nas construções, em tom creme, fica escura com o tempo, deixando os prédios com cara de queimados. Pedras novas e velhas se misturam, deixando um mosaico histórico na paisagem. Mas esta não foi sequer a última catástrofe sofrida pela capital da Saxônia. Em 2002, o rio Elba teve uma grande cheia e invadiu todo o centro velho.

A cidade de 500 mil habitantes recebe quase quatro milhões de visitantes ao ano, que aproveitam o tempo entre caminhadas, museus e atrações musicais sempre em destaque nos diversos festivais realizados ali. Dentre os mais de 50 museus da cidade (que falam de porcelanas a coleção de marionetes saxônicas), o Redidenzschloss, que abriga o Staatliche Kunstsammlungen (coleção estadual de arte), é atração obrigatória. Um complexo que reúne diversas mostras bem no coração de Dresden. O palácio do século 16 foi destruído no bombardeio de 1945. Sua reconstrução dura até hoje. O vão central ganhou uma cobertura transparente que convida os passantes a se abrigar nos dias mais frios. Da torre central vê-se a cidade inteira. Outra vista imperdível é justamente ao atravessar a ponte e admirar as construções do centro velho numa tarde de sol, do outro lado do rio.

A programação cultural recebe especial cuidado. As óperas acontecem diariamente no teatro Semperoper, que tem em sua história um microcosmo da cidade: construído em 1841, passou por um incêndio (1869), um bombardeio (1945) e uma enchente (2002), mas foi reconstruído todas as vezes e continua um dos principais marcos de Dresden. A cena noturna acontece principalmente na área da cidade nova (Neustadt), que mantém a aura juvenil na outra margem do rio Elba.

  • Juliana Guarany/UOL

    Visão interna do Museu de Arte Moderna de Leipzig, na Alemanha

Leipzig, a alternativa
Um enorme e colorido mural desenhado por Michael Fischer logo à frente da estação central ilustra as manifestações que eram feitas em Leipzig contra o regime socialista, às segundas-feiras, desde 4 de setembro de 1989. A multidão se reunia logo após a missa em Nikolaikirche, igreja de São Nicolau, localizada no centro velho, e se dirigia ao Karl-Marx Platz, hoje conhecida como Augustusplatz. Em 9 de outubro daquele ano, 70 mil pessoas saíram às ruas durante a noite, desafiando as ameaças do governo socialista de serem atacadas pela polícia. O lema “Wir sind das Volk” (“nós somos o povo”, em português), frase hoje estampada por todas as antigas cidades da Alemanha oriental, nasceu destas manifestações. Mais sobre esse e vários outros episódios da época podem ser vistos no museu da Stasi, nome dado à polícia socialista. Fotos e vídeos das passeatas, equipamentos de espionagem e inúmeros objetos dos tempos da RDA espalhados pelas pequenas salas do que antes foi a esquina mais temida da cidade.

Leipzig conserva a energia dos punks da RDA espalhados pelas casas noturnas e teatros, que ocupam casarões praticamente destruídos e não se preocupam exatamente com cadeiras confortáveis: tudo para ir contra a Broadway norte-americana. Claro que a cidade conta também com o Centraltheater e diversas casas de ópera, como bem exigem as capitais culturais alemãs.

Um dos principais monumentos da cidade é o Völkerschlachtdenkmal, ou Batalha das Nações. Foi erguido no local em que as tropas de Napoleão perderam sua primeira batalha (sim, foi ali), entre 16 e 19 de outubro de 1813. Foram cerca de 100 mil mortos e feridos dos dois lados. É o maior monumento da Europa, com 91 metros de altura, inaugurado em 1913, cem anos depois da batalha. Vencidos os 500 degraus que separam a base do topo do monumento, a vista dos arredores vale a pena.

Foi ali também que o principal escritor alemão, Johann Wolfgang von Goethe, passou o começo de sua vida adulta, estudando direito. Na verdade, o poeta alemão mal frequentava a faculdade. Ele ficava mesmo no bar Auerbachs Keller, que chega a ser mencionado em Fausto, sua principal obra. Outro trunfo cultural de Leipzig está em Johann Sebastian Bach. O compositor foi diretor musical da cidade de 1723 até sua morte, em 1750. No museu de Bach, logo à frente da igreja luterana de São Tomás, em que ele tocava, conta em detalhes a história do maestro.

Quem ganha?
As cidades mais importantes da Saxônia têm suas histórias entrecortadas por guerras, comemorações, regimes políticos e até tragédias naturais.

 

Segunda Guerra Mundial
Dresden 1 x 0 Leipzig
O centro velho de Dresden foi completamente destruído no final da Segunda Guerra, após dois dias de bombardeios feitos pelos Aliados. O estrago foi tal que deixou a cidade reduzida a cinzas. Desde então, sua reconstrução trouxe de volta monumentos arquitetônicos do passado, às vezes refeitos de forma moderna, mas preservando o aspecto de época. Leipzig também tem sua parcela de história do período, com vários prédios bombardeados mantidos em seu aspecto destruído, para que não se esqueça do passado.

Regime socialista
Dresden 0 x 1 Leipzig

Se em uma noite de outono, 70 mil pessoas resolvem desafiar a proibição do governo e manifestar-se contra o regime imposto a eles por mais de 40 anos, a cidade em que vivem entra de vez para a história. Leipzig se transformou no maior símbolo de resistência ao regime socialista na noite de 9 de outubro de 1989. O painel de Michael Fischer, que pode ser visto a partir da estação central, celebra a união da população contra a repressão do regime. Dresden, a antiga capital soviética, mostra construções mais imponentes e um certo "glamour decadente" do socialismo.

  • Juliana Guarany/UOL

    Monumento Batalha das Nações, erguido em homenagem aos mortos nas guerras napoleônicas, em Leipzig


Museus
Dresden 1 x 0 Leipzig

A briga aqui é boa. Leipzig tem o museu da Stasi, a polícia soviética, além de coleções do Museu de Arte Moderna. Mas Dresden ganha só pela presença do museu Staatliche Kunstsammlungen. Destruído na Segunda Guerra, o palácio continua a ser reconstruído. Seu acervo foi salvo do bombardeio aliado e suas peças devolvidas ao antigo museu tempos depois.

Vida noturna
Dresden 0 x 1 Leipzig

Neustadt, em Dresden, vira uma festa todos os finais de semana, com seus pubs. Mas Leipzig ganha com as baladas do sul da cidade, como o Werk II, casa de shows instalada num prédio de aspecto abandonado.

Caminhadas
Dresden 1 x 0 Leipzig

Ao sul de Leipzig, o lago Markkleeberg vira uma praia nos dias quentes. Há também o Festival do Peixe, com comidas típicas. Já Dresden conta com as margens do rio Elba para um passeio despreocupado, e ainda com vista para a cidade.

Música
Dresden 1 x 1 Leipzig

Ópera é dominante em Dresden, que tem duas apresentações diárias no teatro Semperoper, mas Leipzig foi a cidade de Bach, e isso não pode ser ignorado. Na igreja luterana de São Tomás está não só o túmulo do compositor como também o órgão em que ele tocava, além de uma exposição de instrumentos musicais e partituras de sua época. Logo à frente da igreja, o Museu de Bach reúne toda a vida do compositor.

Monumentos históricos
Dresden 0 x 1 Leipzig

A Batalha das Nações entrega de bandeja este tópico a Leipzig. O maior monumento da Europa permite ao visitante uma visão completa de toda a área em volta da cidade. Dresden tem também seu triunfo, bem mais escondido: no subsolo da Frauerkirche, uma escultura moderna de Anish Kapoor decora o salão de pedra, imperdível.

Arquitetura
Dresden 1 x 0 Leipzig

A antiga capital da Alemanha Oriental mistura referências de diversas épocas num mesmo espaço. Desde a igreja Frauerkirche, reconstruída depois do bombardeio de 1945, até prédios modernos e a pesada arquitetura socialista. O jardim do Palácio Zwinger também vale a visita. Leipzig tem histórias curiosas em seu centro histórico, como o antigo prédio da prefeitura, de 1556, que foi construído em apenas nove meses.

Resultado:
Dresden 4 x 4 Leipzig

Seria injusto eleger a melhor das duas cidades. O ideal é que, já estando em uma delas, pegue um trem na estação central e em pouco mais de uma hora chegue até a outra. Assim, o turista pode eleger sua preferida.