Estação de esqui em Vermont, nos EUA, investe em neve artificial
Eles chegam às dezenas, atraídos pelo oásis branco em meio à terra verde e marrom. Uma professora e oito alunos atravessaram o estado de Vermont; um advogado saiu de casa, a uma hora de distância. Três vans pararam no estacionamento ao meio-dia e deixaram 22 alunos do Bates College, exaustos depois das quatro horas de viagem do Maine até ali. "Divirtam-se", gritou Becky Woods, treinadora da equipe de esqui cross-country da faculdade.
Foi a perspectiva quase irresistível de neve que atraiu todos esses entusiastas ao Craftsbury Outdoor Center, no norte de Vermont, num dia gélido de novembro. Sob o céu azul, não havia um sinal de branco nas árvores nem no estacionamento, mas ali perto havia uma montanha de neve de 4,5 metros de altura e uma fita branca atravessava um campo verde, descia uma pequena colina, dava a volta em si mesma e subia a encosta novamente. Era o dia de inauguração do centro, com ou sem inverno.
Há cerca de um ano, Craftsbury engrossa a lista, cada vez maior, de áreas para esqui cross-country no norte da Nova Inglaterra que utilizam neve artificial, recurso usado há muito por outras estações mais abastadas. Com medo das mudanças climáticas, cansados da inconstância de invernos bons e ruins e ansiosos para atrair visitantes com promessas de neve garantida, o Craftsbury e outros resorts do nordeste dos EUA tomaram medidas para compensar a escassez natural e, assim, oferecer uma temporada mais longa.
A maior parte das áreas de cross-country norte-americano ou nórdico ainda é natural, principalmente as menores, que têm que investir menos e estão localizadas em áreas mais frias, como as Rochosas. Certas regiões do sul da Nova Inglaterra apelam para a neve artificial há mais de uma década; agora é o norte do estado – centro da modalidade na região – que está seguindo o exemplo.
"Com o aquecimento global e tudo mais, não dá para confiar só na natureza para nos dar aquilo de que precisamos", explica Matt Skehan, diretor do Departamento de Parques e Recreação em Waterville, Maine, cidadezinha que está prestes a ligar um maquinário de US$ 385 mil.
Os cientistas vêm observando um declínio drástico nos invernos do nordeste; o número de dias com neve no chão de um ano típico encolheu em mais de um mês no período entre 1965 e 2005, de acordo com um estudo dos pesquisadores da Universidade de New Hampshire, publicado no "Journal of Geophysical Research" em 2008 - e a situação só tende a piorar. Para os centros de esqui cross-country do nordeste, a neve artificial está abrindo dois campos: um daqueles que têm acesso à tecnologia e outro, daqueles que gostariam de ter condições de adquiri-la.
A pouca neve de 2011 foi uma dura lição para os que se encaixam na segunda categoria. O Craftsbury, que já é considerado uma das melhores áreas de esqui nórdico, tornou-se um refúgio para os esquiadores, enquanto a 64 quilômetros a sudoeste, no sopé das Montanhas Verdes, o pequeno Sleepy Hollow Inn, Ski and Bike Center permanece inativo praticamente todo o inverno. Agora, a família a quem ele pertence decidiu instalar a primeira parte de um sistema de fabricação de neve com capacidade para cobrir até 1,5 quilômetro. "A gente já andava pensando sobre isso há um tempão, mas a gota d'água foi o inverno passado", conta Eli Enman, um dos sócios do centro.
Praticantes de cross-country esquiam em neve artificial no Craftsbury Outdoor Center, em Vermont
A 48 quilômetros dali, o Rikert Nordic Center, centro de treinamento da equipe do Middlebury College, abriu neste inverno um circuito de 5 km alimentado por neve artificial. Em Stowe, o Trapp Family Lodge, o resort mais exclusivo da região para a prática dessa modalidade de esqui, começou a fazer sua própria neve em 2007 e Pineland Farms, perto de Portland, no Maine, em 2011.
A versão artificial, porém, não atrai todos os esquiadores. Os resultados, principalmente no início e final da temporada, interessam apenas aos mais apaixonados, como os que apareceram em Craftsbury em meados de novembro. Ao contrário das operações mais abrangentes que conseguem cobrir praticamente toda a montanha, o circuito de Craftsbury era só um pouco maior que a pista padrão de 400 metros. A fila de esquiadores subindo a encosta parecia uma via expressa na hora do rush. Na semana seguinte, ele foi estendido para pouco mais de um quilômetro.
Essas limitações ajudam a explicar a relutância em adotar o método no Jackson Ski Touring Center de White Mountains, New Hampshire. Muitos esquiadores se hospedam no local não só pelo esporte, mas para apreciar a paisagem, diz Thom Perkins, diretor-executivo da Jackson Ski Touring Foundation. Apesar disso, o estabelecimento já pensa na possibilidade. "A decisão terá um impacto enorme na organização, e não necessariamente positivo", afirmou ele, referindo-se aos custos de instalação e operação do sistema.
Há também o custo ambiental. Alguns esquiadores veem a neve artificial como uma mácula na imagem do cross-country como alternativa "verde" para o aparato e sofisticação do esqui de montanha. Ao mesmo tempo em que o setor fala das mudanças climáticas, enfrenta o constrangimento de apelar para uma tecnologia que consume grandes quantidades de energia.
Pranchas de esqui no Craftsbury Outdoor Center, uma das melhores áreas de esqui nórdico
No ano passado em Craftsbury, por exemplo, foram necessários quase dez mil litros de diesel para movimentar os gigantescos ventiladores que fabricam neve. Lucas Schulz, o Jack Frost do centro, recentemente demonstrou como "cria" seu inverno – um processo que envolve três ventiladores de quase 2,5 metros de altura; um gerador de 200 quilowatts e até 568 mil litros de água numa única noite. Quando a temperatura cai abaixo dos -5° C, a água borrifada nos ventiladores é lançada a doze metros no ar, transformando-se num arco de neve fina. Ela se acumula em pilhas enormes, que posteriormente são transformadas em trilhas de 45 cm de profundidade com escavadeiras sofisticadas de alto consumo. Ao longo do ano, outra máquina vai arrancar pedaços da pilha de neve e colocá-los num caminhão para serem transportados a várias partes do sistema.
"Num esporte que se orgulha de ser ecologicamente correto, é difícil aceitar isso", lamenta Fred Griffin, referindo-se ao maquinário de Craftsbury. Ele é professor de inglês do ensino médio em Fairfax, Vermont, e fundador da Associação de Esqui Nórdico da Nova Inglaterra, uma ONG que supervisiona o circuito amador de pistas da região. Apesar disso, foi conferir o centro no dia da inauguração com um grupo de alunos, ansioso para deslizar na neve, mesmo que artificial.
Apesar de depender cada vez mais dela, o centro tenta criar uma imagem de instituição ecológica, esforço esse que se reflete no nome de seu principal programa, o Green Racing Project. Os esquiadores passam por oito painéis solares gigantescos que produzem energia suficiente para compensar um terço da eletricidade que o centro usa. Schulz fala dos cuidados que o local está tomando para anular o estrago ambiental de sua fabricação de neve. O calor do gerador a diesel em breve vai aquecer a água usada em vários prédios - até que consigam trocar por biodiesel puro para o gerador e 20 por centro para o maquinário. "É uma pena que esteja se tornando uma necessidade", lamenta Schulz.
Tais pensamentos, porém, passam longe das brincadeiras dos alunos da Bates, que correm uns atrás dos outros à volta do pequeno circuito e do outro lado da encosta, aproveitando a chance de esquiar naquele dia claro de novembro. Pode ser até que eles enjoem do circuito depois de uns dias, como teoriza Margaret Pope, de 18 anos, de McCall, Idaho. "Mas não dá para reclamar", ela sorri. "Neve é neve."
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