De galinhas a precipícios, turistas enfrentam de tudo em viagens de ônibus
Penhascos lá fora, galinhas lá dentro. Fazer uma viagem de ônibus pelo mundo pode render sufocos e aventuras inesquecíveis.
No Nepal, passageiros do superlotado transporte coletivo estradeiro viajam até no teto. Em Moçambique, para ir a uma das mais lindas praias do país, as pessoas dividem apertadas vans com animais e sacos de fertilizante. E, em algumas estradas da Bolívia, é melhor nem olhar para fora da janela.
Abaixo, conheça destinos que oferecem algumas das viagens mais emocionantes (para o bem e para o mal) do mundo.
La Paz – Yungas (Bolívia)
A emoção de fazer uma viagem entre a cidade de La Paz e o vale dos Yungas, na Bolívia, começa antes mesmo de o passageiro subir no ônibus. Não raro, os guichês que vendem as passagens para esta jornada exibem fitas negras de luto sobre suas janelas e portas. Acidentes no percurso entre os dois locais são comuns: La Paz está a quase 4.000 metros de altura. Já a altitude de muitas vilas dos Yungas, uma linda área verde recheada de rios e cachoeiras, não a chega a 1.500 metros sobre o nível do mar. Este descenso de mais de 2.000 metros é feito por ônibus precários e através de estradas estreitas situadas entre encostas de montanhas e precipícios. E as vias são de mão dupla: quando dois veículos se encontram, geralmente um deles têm que dar marcha a ré, tirando fina do abismo, até um local que ofereça espaço suficiente para desembaraçar o trânsito. No retorno a La Paz, espere dividir o ônibus com enormes sacolas de coca: o Yungas é um dos principais centros de cultivo da planta na Bolívia.
Maputo – Ponta d'Ouro (Moçambique)
Em Moçambique, fazer uma viagem estradeira é para os fortes. Muitos dos ônibus que cruzam o país são como este veículo da foto abaixo. E caso você queira ter uma experiência única, entre em um “chapa”, que é como são chamados os pequenos veículos de transporte coletivo que operam no país africano. Os “chapas” são, por exemplo, uma das opções para ir da capital Maputo até Ponta d'Ouro, uma das partes litorâneas mais lindas de Moçambique. Mas a viagem com tais veículos não é para qualquer um: “a jornada até Ponta d'Ouro é barra pesada”, diz o brasileiro Mike Weiss, que viveu em Maputo. “Divide-se o 'chapa' com galinhas, sacos de ração e fertilizantes. A viagem passa por um areal que só os motoristas conhecem e, no verão, a temperatura chega aos 40 graus”. Adis Abeba – Lalibela (Etiópia)
A capital Adis Abeba é a porta de entrada para a maioria dos viajantes na Etiópia. Já Lalibela é o principal destino turístico do país, oferecendo magníficas igrejas talhadas nas montanhas locais e onde é praticado, de forma intensa, o cristianismo ortodoxo etíope. O desafio é fazer a viagem de ônibus entre os dois lugares (caso você esteja sem dinheiro para pegar um avião). Cerca de 700 km separam as duas cidades, distância que, em condições normais, poderia ser percorrida em nove horas. Mas o território etíope é montanhoso, suas estradas são ruins e, via de regra, ônibus são proibidos de viajar à noite. O resultado: a jornada, realizada em veículos apertadíssimos, leva dois dias, fazendo com que o viajante tenha que dormir em alguma cidade perdida no meio do caminho. Para completar, os etíopes, por alguma razão, enjoam facilmente na estrada: muitos costumam vomitar no percurso. E os motoristas já têm a solução: eles param em pontos estratégicos das rodovias, descem do ônibus, vão até o meio do mato e voltam de lá com plantas com um forte odor adocicado. Por sorte, a solução para tirar o mau cheiro é extremamente eficiente.
Estados Unidos
Não vamos falar apenas de países subdesenvolvidos aqui. Uma viagem de ônibus pelos Estados Unidos pode, sim, ser um grande perrengue. A companhia Greyhound sempre foi famosa por oferecer viagens imprevisíveis, com uma clientela recheada de gente mal-encarada e surtada. Em 2003, este repórter pegou um ônibus da Greyhound entre Buffalo e Boston em que uma passageira tentou bater no motorista porque ele não quis deixá-la fumar a bordo. A Greyhound está querendo mudar sua imagem, mas histórias assim continuam acontecendo: em 2014, durante uma jornada entre Los Angeles e Phoenix, um passageiro sob influência de drogas pegou o volante do motorista e jogou o ônibus para fora da rodovia, causando um acidente que deixou 26 feridos.
Cairo – Península do Sinai (Egito)
As viagens entre o Cairo e as praias da Península do Sinai costumam ser feitas à noite: os viajantes deixam a capital egípcia por volta das 23h com a esperança de, já na manhã seguinte, poder desfrutar do sol e da água cristalina de lindos balneários como Dahab e Ras Shaitan. Os ônibus, inicialmente, não parecem muito desconfortáveis, o que gera a esperança de uma boa noite de sono “on the road”. Ledo engano: durante a madrugada, o veículo será parado diversas vezes na estrada por forças de segurança egípcias, que irão pedir os documentos de todos, revistar algumas malas e, não raro, revistar até o ônibus, fazendo com que todos tenham que descer no meio da rodovia, sob o frio do deserto. Mas há uma boa razão para isso: há grupos terroristas operando principalmente no norte da Península do Sinai, o que justifica tal paranoia (e o que não tem afastado viajantes, que continuam visitando a região). Mas, ao chegar exausto à praia na manhã seguinte, é bem capaz que o turista queira mais uma cama do que o mar.
Nepal
Cortado pela cordilheira do Himalaia e dono de algumas das paisagens mais lindas do mundo, o Nepal é um país que merece ser explorado a partir da perspectiva da estrada, de onde é possível admirar diversos de seus cenários imponentes. Mas saiba de uma coisa: viagens de ônibus geralmente não têm limites de passageiros por lá. Para gerar o máximo de lucro possível com cada jornada, os motoristas deixam que pessoas viajem no meio dos corredores, sobre os apoios de braço dos assentos e até no teto dos veículos. “É um ambiente claustrofóbico”, lembra o radialista brasileiro Danilo Ortiz, que visitou o país em 2012. “Nas paradas, entra ainda mais gente, e o cobrador sai e entra pelas janelas do ônibus para coletar o dinheiro de todo mundo, pois não consegue atravessar o corredor lotado. Sabendo que o ônibus ia estar cheio de gente, eu cheguei o quanto antes para pegar um assento logo na entrada, para não ficar preso lá atrás. Mas foi um erro de cálculo: o cobrador estava sempre passando por cima de mim para sair pela janela. Foi horrível”.
Srinagar – Leh (Índia)
Um das rodovias mais lindas da Índia fica no norte do país, conectando as cidades de Srinagar e Leh. Mas veja bem: é linda se você, da janela do ônibus, se concentrar apenas nas montanhas do Himalaia que marcam a paisagem desta região. Se você olhar para baixo, verá que boa parte do trajeto é feita ao lado de precipícios, principalmente na área conhecida como Zoji Pass, localizada a quase 3.600 metros de altitude e que passa ao lado de abismos assustadores. Não raro, os ônibus têm que dividir o diminuto espaço da estrada com pastores de cabras. A viagem, porém, vale a pena para quem tiver coragem.
Luang Nam Tha – Luang Prabang (Laos)
Outro país onde não há capacidade máxima para passageiros em um ônibus é o Laos, no Sudeste Asiático. Em 2008, este repórter que vos escreve fez uma viagem entre a vila de Luang Nam Tha (onde é realizada uma das trilhas de selva mais legais da Ásia) e Luang Prabang, uma cidade com lindas construções budistas nas margens do rio Mekong. Em Luang Nam Tha, fui o último a subir no ônibus. Grande azar: todos os assentos já estavam tomados. “Não se preocupe”, me disse o motorista, trazendo para mim um diminuto banquinho de plástico, daqueles sem encosto. “Pode sentar”, disse ele, colocando o banquinho no meio do corredor. A jornada foi feita por estradas sinuosas e esburacadas. Para não cair no chão, eu tinha que me segurar nos dois assentos entre os quais eu estava viajando. E todo esse infortúnio durou 14 horas: choveu, houve um deslizamento de terra e ficamos presos por várias horas na estrada. No Laos, sempre chegue antes para pegar um lugar. E você? Já passou perrengue em alguma viagem de ônibus? Conte sua história na área de comentários da matéria.
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