Viajantes rodam o mundo trocando hospedagem por cuidados com casas e pets
Em meados de 2014, a fotógrafa Larissa Pereira, 28, e o arquiteto Carlos Arruda, 30, deixaram para trás seus empregos e o apartamento alugado no Rio de Janeiro para partir em uma viagem pela Nova Zelândia que duraria, a princípio, um ano.
Ainda no Brasil, ao pesquisar hospedagem na ilha do outro lado do mundo, o casal descobriu o house-sitting (“babá de casa”, em tradução livre). Neste sistema, você fica responsável pelos cuidados com residências e animais de estimação enquanto os donos estão fora. Em troca, ganha um lar provisório gratuito. A opção funciona para ambos os viajantes: o que não quer deixar sua casa sozinha e o que precisa de um lugar para ficar.
Foi dessa forma que eles passaram quase dois meses no outono neozelandês cuidando de duas cachorras em Napier, cidade portuária famosa por sua arquitetura art déco. Enquanto faziam turismo pela região, ficaram hospedados em uma casa confortável - sem gastar nada por isso.
“Era também a primeira vez dos donos da casa usando esse modelo, então, na perspectiva deles era muito interessante imaginar que tinha um casal brasileiro indo para Nova Zelândia, para uma cidade onde normalmente os turistas não vão, cuidar das cachorras deles”, conta Carlos.
A experiência bem-sucedida fez com que os autores do blog Vida Cigana moldassem a viagem, daí para frente, a partir dos acordos acertados em sites de house-sitting, sistema popular no destino. “Depois de um tempo a gente viu que conseguiria em outros países, daí fomos para a Austrália, Ásia e agora estamos na Europa”, explica o casal, que nos últimos dois anos já ficou em dezenas de casas usando o modelo.
Ideia de troca é a chave
Fruto do consumo colaborativo, no qual não há dinheiro envolvido, o serviço vem se tornando cada vez mais popular. Há hoje ao menos meia dúzia de sites grandes conectando donos de casas a “cuidadores do lar”, e o assunto vem despertando bastante interesse entre viajantes de perfil mais mochileiro. Pudera: muitas vezes a hospedagem é o que mais pesa no bolso do turista e, nas contas de Carlos, a economia do casal já chegou a ser de 75%.
Após se cadastrar nos sites de house-sitting, o usuário tem acesso a todas as propostas de casas e pode se candidatar. No entanto, a concorrência - especialmente em destinos mais procurados - é forte, então é comum que os novatos recebam um “não”. Há anúncios em cidades brasileiras também, mas ainda são poucos. Como em outros sistemas online, o que conta na escolha dos donos das casas são as referências acumuladas, pelas quais o nível de confiança do cuidador é calculado.
Algo importante a saber é que não adianta apenas querer uma casa ou um apartamento de graça e não estar disposto a oferecer nada em troca. Assim como não tem a ver com o modelo querer que a pessoa selecionada faça diversas tarefas e mal tenha tempo para passear. Não é assim que funciona, como explica a francesa Mariannig Ferrari, fundadora do site Nomador.
“Algumas pessoas querem apenas uma casa gratuita para as férias. Outras entendem o conceito rapidamente: vou ajudar alguém, adoro animais [cuidar de pets é a demanda maior no sistema] e vou ficar em um lugar novo de graça. Este é o espírito. Tentamos construir uma comunidade de pessoas que tenham interesse em outras culturas, entendam que a casa dos outros pode ser diferente e acreditem que suas vidas podem ser mais ricas se viajarem e conhecerem gente de outros países”, diz Mariannig.
O Nomador é um dos mais jovens sites do ramo, com dois anos de existência. É possível fazer parte dele de forma gratuita, mas uma taxa anual de US$ 89 garante maior acesso a propostas de casas. Todos os sites conhecidos deste universo cobram. O Trusted Housesitters, mais popular do ramo, tem uma mensalidade de US$ 27,49. Já o HouseCarers pede US$ 50 anuais, enquanto o Mind My House é mais em conta (além de menos concorrido), cobrando US$ 20 por ano. Apenas cuidadores pagam, os donos são isentos.
Os valores podem assustar iniciantes, mas dependendo dos destinos e do tanto de viagens que você faz, certamente compensa. Para saber mais sobre house-sitting, pedimos algumas dicas para Mariannig, para os blogueiros do Vida Cigana e o casal canadense do Hecktic Travels, que já se hospedou em 12 países por meio do modelo. Eles também lembram situações boas e ruins que passaram dentro desse esquema.
Existe um perfil ideal de viajante para o modelo?
“Acho que qualquer tipo de pessoa, mostrando que é responsável e curte passar um tempo com animais, pode conseguir. Acho que o perfil mais difícil são grupos de amigos, porque as pessoas pensariam que você quer ir pra festas ou teriam medo de que trouxesse alguém pra dentro da casa”, opina Carlos.
“Talvez um perfil ‘ideal’ seja de pessoas mais maduras, nos seus 40-50 anos, com experiência em cuidar de casas e de animais, que possam demonstrar que têm responsabilidade. Pessoas mais novas podem conseguir também, mas está ficando cada vez mais concorrido”, diz Dalene.
O modelo funciona melhor para quem tem uma agenda mais aberta. “Tentar viajar encaixando as datas perfeitamente é impossível”, diz Carlos. “Tem que ser bem flexível até em questão de destino. Acho que é mais fácil você encontrar primeiro o house-sitting que você quer e depois tentar moldar a sua viagem”, sugere Larissa.
Como conseguir uma casa sendo novato?
Para Dalene Heck, dada a crescente concorrência, as referências contam muito. “Se você ainda é novo, peça a seus amigos e familiares escreverem o quanto é responsável e comprometido. Na hora de se candidatar a um anúncio, não foque em falar de você, veja se a casa se encaixa no seu perfil, se você pode atender as expectativas do dono”, diz ela.
O casal do Vida Cigana aconselha que, de início, o viajante seja menos restritivo. “Primeiro, nos candidatávamos para vários anúncios que nos rejeitavam ou simplesmente não respondiam. Daí resolvemos ser mais flexíveis, porque estávamos tentando só nas cidades maiores. A partir do momento em que a gente se abriu a aceitar passar um tempo numa cidade menor, a gente conseguiu praticamente de primeira”, diz Carlos.
E vale a pena ficar numa cidade pequena onde você nem pretendia ir? “A gente tenta aceitar casas que sejam ao menos próximas de locais que a gente queira visitar, ou que seja viável sair da casa para ir a um lugar e voltar no mesmo dia”, explica ele. “Quando ficamos mais afastados, tínhamos um carro. É uma condição que colocamos”, diz Larissa.
Como evitar roubadas?
Nos sites de house-sitting há alguns anúncios meio tortos: propostas para cuidar de pousadas (trabalhando ativamente nelas), gente que quer o cuidador o dia todo em casa, entre outras. Não são comuns e dá pra perceber a roubada nas entrelinhas. É importante ficar atento.
“Temos às vezes esse tipo de oferta, e ocasionalmente entramos em contato com o anunciante e explicamos. Entre os donos das casas há diferentes motivações, e acho que existe lugar para todos, contanto que isso fique claro. É maravilhoso que hoje a internet possa oferecer soluções para diferentes pessoas e necessidades, é só uma questão de encontrar a comunidade certa para cada propósito”, opina Mariannig, criadora do Nomador.
“Acho que o serviço de ficar um tempo em casa e cuidar dos animais é uma troca bem justa para ‘morar’ sem pagar. Mas quando as pessoas começam a pedir tarefas adicionais, as pessoas devem ser pagas”, diz a canadense Dalene. A mesma opinião partilha o casal do Vida Cigana. “Caso apareça um anúncio no qual você desconfie muito das intenções da pessoa, pode denunciar para o site”, aconselha Carlos.
Qual foi a melhor e a pior experiência que tiveram?
“Acho que um dos nossos house-sittings mais memoráveis foi um de seis semanas em Brownstone, Manhattan. Nova York é muito cara e nunca teríamos uma oportunidade de ficar ali todo aquele tempo. Nós também ficamos em uma casa bela na Nova Zelândia - era nosso sonho ir pra lá e conseguimos uma casa ótima”, conta Dalene.
Sobre hospedagens não tão incríveis assim, Carlos lembra de uma casa onde a cachorra era super arisca e eles mal tinham contato com ela. “A experiência em si não foi ruim, é que quando chegamos lá tínhamos confiança de que em qualquer lugar seria ideal, então isso mostrou para nós que a situação pode sair fora do que imaginamos. A dona da casa tinha falado que a cachorra não se dava muito bem com as pessoas, mas a gente achava que conseguiria. Também mostrou que temos de acreditar no que é dito pelo proprietário”, resume.
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