Viajar só de carona é possível até de avião; veja dicas e conheça quem faz
Pegar carona pode ser uma boa alternativa para quem está com o dinheiro contado, mas não pretende adiar seus sonhos e planos de viagem. Com um pouco de planejamento, paciência e flexibilidade, é possível ir bem longe viajando de graça. Os carros de passeio não são a única possibilidade, dá para viajar de carona em caminhões, barcos e até nos aviões da FAB (Força Aérea Brasileira).
A história parece mais uma lenda urbana, porém voar em uma aeronave da FAB sem pagar nada é um serviço disponível a todos os cidadãos. Contudo, conseguir uma vaga depende também da sorte, já que os civis ficam com os lugares que eventualmente sobram nos voos e os militares, tanto em serviço quanto em férias, têm prioridade.
Para viajar com a FAB, é preciso fazer a inscrição no CAN (Correio Aéreo Nacional) da localidade onde se deseja embarcar, por telefone ou pessoalmente (veja os contatos no site da FAB). A inscrição tem validade de 10 dias e, segundo o Centro de Comunicação Social da Aeronáutica, geralmente, o passageiro recebe o aviso de embarque um dia antes da viagem. Caso não surja vaga nesse período, o interessado deverá se inscrever novamente.
É possível escolher como destino qualquer uma das 17 bases aéreas brasileiras, entretanto a chance de obter um lugar aumenta para os voos que ocorrem com mais frequência em cada localidade. O passageiro tem direito a levar bagagem e deverá estar disposto a voar em qualquer avião, desde um pequeno monomotor chamado Caravan, com capacidade para 10 a 14 pessoas, até um Hercules, maior aeronave de carga da FAB.
Depois de oito dias de espera, Pãmella Valdez Marangoni, 27, voou com a FAB de Manaus (AM) para Brasília (DF) no final de 2014. Para a experiente viajante, que é designer gráfico e há 12 anos percorre o Brasil e outros países de carona, esse foi apenas mais um dos inusitados meios de transporte que ela já utilizou. “Já peguei carona até de jegue na Chapada Diamantina”, recorda.
Pãmella também viajou assim em barcos nos rios do Amazonas e até uma caminhonete cheia de esterco ajudou-a a chegar ao seu destino. Quando consegue uma conexão com a internet em suas andanças, ela conta suas aventuras na página do Facebook 100 Frescura e 1000 Destinos.
Para o nutricionista e publicitário Felipe Monteiro Vazami, 27, outro caroneiro habitual, que mostra seus registros de viagem no site Redescobrir, o serviço da FAB apareceu como providencial. Por conta de estradas alagadas durante uma viagem, esse foi o único modo que ele encontrou de ir de Rio Branco (AC) para Porto Velho (RO) sem gastar dinheiro. Vazami recebeu o chamado no dia seguinte ao cadastro no CAN e chegou a ir até a pista para embarque, porém, no último momento, a aeronave entrou em missão e ele não pôde voar naquele dia. “Apesar disso, todos foram bem bacanas comigo, esperei mais dois dias e fiz o voo para Rondônia”, conta.
Perder o medo
O medo costuma ser um dos principais obstáculos para quem gostaria de viajar de carona, mas ainda não criou coragem. Prevalece a ideia de que a estrada é um lugar hostil, sobretudo para mulheres sozinhas. Pãmella Marangoni reconhece os perigos, no entanto não se deixa paralisar pensando no pior. “Nesses 12 anos pegando carona, nunca sofri um assédio sexual, mas fiz tantos amigos que vão me faltar dias de vida para agradecer tanta coisa boa vivida”, relata.
Para a designer, que começou a viajar aos 15, esse estilo de vida é praticamente uma tradição de família. “Pegar carona pode parecer uma coisa perigosa e de outro planeta para muita gente, mas fui criada em uma família em que meus pais só foram ter carro depois de 30 anos de trabalho. Ir de carona visitar os avós, ao médico na capital ou fazer compras era algo rotineiro”, diz ela, que nasceu em Dourados (MS).
Apesar da familiaridade com a estrada, Pãmella busca sempre tomar algumas precauções, como usar roupas mais fechadas para evitar ser assediada, procura não pedir carona à noite e demonstra que há alguém lhe esperando no destino. “Também tiro foto pelo celular com o motorista e mando no grupo da família”, acrescenta.
Para Edson Paulo de Carvalho Junior, 36, que encontrou na carona uma maneira de colocar seus projetos profissionais em prática mais rapidamente, o medo acabou na primeira viagem. “Ficava com vergonha até de levantar o dedo, mas a adrenalina do inusitado é viciante”, diz.
Com o propósito de percorrer o Brasil inteiro em busca dos melhores lugares para degustar cerveja, Edson se tornou o “Viajante Cervejeiro” e há dois anos usa caronas e hospedagens solidárias para cumprir seu objetivo. “Decidi viajar de carona para tirar o custo de transporte e também para viver experiências mais interessantes, virou um desafio”, explica ele, que atualmente está no Nordeste e ainda tem a região Norte para finalizar essa etapa do trabalho, com duração prevista até início de 2017.
Sem casa desde 2014, a estrada não amedronta Edson. “Quando tive medo foi por outras razões, por causa de gente que corre demais ou dorme ao volante. Nunca tive medo de ser assaltado. Eu sou o estranho na estrada”, afirma.
Dicas e planejamento
A paciência é uma virtude essencial para quem depende da boa vontade dos outros para se locomover. Pode levar minutos, horas ou até dias até alguém decidir parar. Enquanto isso, pode ser preciso resistir às intempéries climáticas, fome e sede e, principalmente, lutar contra a ansiedade.
Felipe já ficou por três dias esperando surgir uma carona na fronteira com o Uruguai. Como gosta de percorrer grandes distâncias, ele prefere pedir aos caminhoneiros para levá-lo. Porém, como há muito tráfico de drogas na cidade onde estava, os motoristas ficavam receosos em aceitá-lo.
“Fiquei dormindo numa salinha vazia de um posto de gasolina. Depois que pensei em abrir minha mochila para ganhar a confiança dos motoristas, consegui uma carona. Tem que ter muita paciência. Como meu objetivo é sair do automático, me colocar em situações diferentes do meu dia a dia, eu espero”, diz Felipe. Ele conta que recebe com frequência a ajuda de policiais rodoviários e agentes alfandegários, que indicam motoristas costumeiros na região.
Mesmo quando a distância parece curta, o caminho nem sempre é rápido. Em um de seus trajetos mais recentes, Edson pegou nove caronas para andar 250km de Maceió (AL) a Serrambi (PE). ”Quando estou esperando, coloco uma música no fone de ouvido, tento ficar numa boa, mas não é fácil, às vezes não têm nem sombra”, revela.
Além de ter paciência, é importante que os caroneiros de primeira viagem sigam algumas dicas de quem já acumula muitas milhagens de carona. Deve-se sempre escrever o destino de interesse em um papelão ou cartaz, mas colocar o nome de uma cidade mais próxima ao local onde se está aumenta as chances de conseguir transporte.
É fundamental esperar em um ponto da estrada de menor velocidade, como perto de uma lombada ou de um posto rodoviário. “O motorista tem que ter tempo de te ver, ganhar confiança e ter um lugar para conseguir parar. Não usar óculos escuros também facilita o contato visual e é melhor deixar a mochila na frente”, ensina Edson.
Quem viaja para o exterior precisa buscar conhecer as regras locais para evitar problemas. “Existem países onde é proibido pegar carona e andar na rodovia. Em alguns países da Europa, andar no acostamento dá multa”, informa Felipe, que já viajou de carona na América do Sul, nos Estados Unidos e na Europa.
Apesar de ser uma forma de se abrir para novas e inesperadas experiências, explorar o mundo de carona não precisa ser algo completamente sem controle. “Com a tecnologia que existe hoje, é possível buscar informações na internet, traçar rotas, contar com a ajuda de aplicativos, hospedagens solidárias e fazer uma viagem planejada e organizada. Só vai demorar mais tempo”, diz o publicitário.
Para quem quer experimentar logo, Pãmella, que agora também viaja de bicicleta, sugere ir aos poucos. “O ideal é começar tentando carona para alguma cidade próxima a sua, a 100 ou 200 km de distância, até se sentir seguro”, orienta.
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