Sou ateu e minhas viagens mais incríveis foram para países religiosos
Sou uma pessoa que não acredita em Deus, mas, curiosamente, me fascina visitar lugares profundamente religiosos.
As viagens mais marcantes que fiz na vida foram para países onde a crença no divino joga um papel importantíssimo no comportamento, nas relações e nas tradições das pessoas.
Não sei se a fé move montanhas, mas sempre gostei de observar como ela constrói templos magníficos, cria rituais fascinantes e dá muitas lições de vida para um ateu como eu.
Cheguei a esta conclusão em 2007, quando realizei minha primeira grande viagem. O destino: Índia.
Como brasileiro, cresci acostumado a assistir a amigos e familiares católicos expressando sua fé apenas uma vez na semana: aos domingos na missa.
Por isso, foi um choque cair no efervescente caldeirão religioso do território indiano e, lá, ver de perto a prática fervorosa e diária de diversas religiões, como o hinduísmo, o islamismo, o sikhismo e muitas outras.
Lembro-me de, na cidade sagrada de Varasani, sentir uma profunda emoção ao admirar o nascer do sol às margens do rio Ganges, enquanto milhares de hindus entravam na água para realizar o que eles acreditam ser uma cerimônia de purificação da alma.
A beleza do astro-rei, perfeitamente redondo e alaranjado no horizonte, já seria suficiente para matar minha sede por um momento bonito.
Mas, com os fiéis orando com o corpo parcialmente submerso, e o som de mantras dominando o ar, tudo ficou mais intenso, marcante e inesquecível.
Logo ali ao lado, quatro cadáveres começaram a ser queimados ao lado do Ganges.
Perto de uma das fogueiras, um jovem velava sua falecida mãe, que era pouco a pouco consumida pelas chamas.
O rosto do rapaz não expressava tristeza, só uma relaxada expressão de desapego.
Para os hindus, o morto que é cremado junto ao Ganges e tem as cinzas jogadas em suas águas se liberta do ciclo de reencarnações, permitindo que a alma se livre dos sofrimentos humanos e atinja um plano superior da existência.
A face tranquila do filho era, para mim, uma amostra cabal da crença hinduísta na transitoriedade da vida.
Algo em que também eu acredito, mas à minha maneira: um dia tudo vai acabar e não há o que possamos fazer a respeito. Temos, portanto, que aproveitar cada minuto aqui.
Impacto visual
A religião também dá caraterísticas visuais fascinantes para diversos países do mundo.
Na Tailândia, por exemplo, foi sempre incrível entrar em mosteiros e me ver rodeado por dezenas de monges budistas envergando mantos alaranjados, que combinam perfeitamente com as estátuas douradas do Buda que marcam presença nestes espaços. No Nepal, a coloração desta vestimenta era vinho, tão bonito quanto.
Já na Etiópia, são mantos brancos que envolvem o corpo dos cristão ortodoxos que frequentam os templos do país, principalmente na sagrada cidade de Lalibela: lá, no interior de igrejas de pedra, fiquei por horas observando os fiéis se amontoando em estreitas áreas de oração, criando uma massa alva um tanto etérea.
E o que dizer dos sikhs, que constituem uma das comunidades com um dos visuais mais marcantes do planeta?
Importantíssimo na Índia, o sikhismo é uma religião que remonta ao século 15, se baseia nos ensinamentos de dez gurus e acredita em carma e reencarnação.
Seus seguidores homens exibem uma aparência toda peculiar, com coloridos turbantes na cabeça, longas barbas, um bracelete de aço (que simboliza destemor) e um sabre preso ao corpo. Eles também adotam um sobrenome em comum: Singh, que significa "leão".
Uma imagem imponente, que rende grandes fotografias.
Comunhão
Em países muito religiosos, é, via de regra, fácil entrar em comunhão com as pessoas.
Os sikhs, por exemplo, distribuem pão para os fiéis dentro de seus templos: sejam pobres ou ricos, todos se sentam no chão e comem juntos o alimento. E turistas são bem-vindos para participar deste belo ritual (o templo Gurudwara Bangla Sahib, em Nova Delhi, é um ótimo lugar para viver a experiência).
Já os muçulmanos têm um costume disseminado de chamar turistas para comer em suas casas - e esperá-los com um banquete à mesa.
Isso aconteceu comigo no Irã, no Egito e na Síria (quando estive no país antes da guerra, em 2009).
Nestes lugares, eu era constantemente abordado por estranhos na rua, que me perguntavam de onde eu era, o que estava fazendo ali e, depois de um bate-papo, me convidavam para jantar em suas residências.
Aceitei algumas vezes, fui tratado como um rei e, nestas refeições, tive a chance de aprender muito sobre a cultura do local que eu estava visitando.
Templos
A religião também é responsável por algumas das grandes obras arquitetônicas e artísticas da humanidade.
Na Vaticano, como não babar olhando para o afresco da Capela Sistina feito por Michelangelo, mesmo autor da sublime escultura de mármore "Moisés", em exibição na igreja San Pietro in Vincoli, em Roma?
E o templo islâmico Domo da Rocha, em Jerusalém, que surpreende a mais viajada das pessoas com sua cúpula dourada, que brilha intensamente sob o sol? Ou as mesquitas fantásticas de Isfahan, no Irã?
Em Bangkoc, na Tailândia, passei pelo menos uma hora admirando o Buda de ouro de três metros e mais de 5 toneladas que fica dentro do templo de Wat Traimit.
E em Aleppo, na Síria, tive o privilégio de visitar a magnífica Grande Mesquita da cidade, com uma história de mais de mil anos e que foi destruída durante a guerra que assola o país.
Sim, a religião pode ser combustível para conflitos armados, instrumentos de repressão contra minorias e causa de sistemas cruéis, como as castas da Índia. Mas é inegável que, quando praticada com boas intenções, ela pode encantar o mais empedernido dos céticos.
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