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Arte completa passeio gastronômico à Lyon, na França

Seth Sherwood

New York Times Syndicate

13/07/2012 08h00

"Só sei de uma coisa que se pode fazer bem em Lyon: comer", disse uma vez o escritor do século 19 Stendhal. Duzentos anos depois, a imagem da terceira maior cidade francesa continua enterrada sob uma montanha de comida – o que não é surpresa, já que o chef mais famoso do país, o octogenário Paul Bocuse, é de Lyon, e os bouchons locais (restaurantes caseiros que servem pratos rústicos da cozinha tradicional) são famosos. Porém, depois de tirar toneladas de chouriço e queijo St. Marcellin da frente, você se depara com algo mais do que uma zona de alimentação pitoresca: o portal de entrada para os Alpes oferece ruínas romanas, arquitetura renascentista, inúmeros espaços de arte e um bairro com jeitão futurista que não para de crescer. E o melhor é que uma nova geração de chefs quer levar a cidade para o século 21. Até Bocuse está se adaptando ao novo milênio e abriu seu primeiro hotel.


Sexta-feira

15h - Rio acima
Em 2007 teve início um plano ambicioso de renovar as margens dos rios da cidade, o Saône e o Ródano, cujo calçadão na Rive Gauche (Margem Esquerda) é o favorito dos pedestres, corredores, ciclistas e os que só querem passear sem pressa. Para aproveitar a paisagem, comece no Quai Claude Bernard e siga rumo norte. No Quai Victor Augagneur, confira os pôsteres dos clubes noturnos flutuantes como o Ayers Rock Boat para saber a programação. Passando Pont Wilson, o barco-café La Passagere (Quai Victor Augagneur; 33-4-72-73-36-98) é um lugarzinho aconchegante para saborear um chocolate quente (3 euros) ou uma Kronenbourg (6 euros). De lá, caminhe ou pegue o ônibus 171 (1,60 euros) até o Parc de la Tête d'Or, com lagos, jardins e trilhas arborizadas.

17h - Lixo e tesouros
Uma grande pilha de escombros dá as boas-vindas aos visitantes do Musée d'Art Contemporain de Lyon (Cite Internationale; 81, quai Charles de Gaulle, 33-4-72-69-17-17; mac-lyon.com), ao lado do Parc de la Tête d'Or. "World Markets", de Wang Du, é a interpretação prateada de um jornal financeiro amassado; já Olivier Mosset pegou velhas placas de pedra – que dizem ser os restos da Bastilha de Paris – e as empilhou como se fossem entulho. O prédio art deco, reformado por Renzo Piano, oferece sempre exposições excelentes.

20h - Disque 'M' para comer
Faça reserva no Magali et Martin (11, rue des Augustins; 33-4-72-00-88-01; magalietmartin.fr), nome dos donos e do estiloso restaurante que dirigem. Ex-cozinheiro do famoso Taillevent de Paris, Martin Schmied muda o cardápio constantemente, combinando sempre o rústico e o moderno. Carne de javali? Aparece numa terrina, acompanhada de cogumelos marinados. Faisão? Tem participação especial num consommé com foie gras. Destaque para o chouriço servido em pequenos casulos de massa e para a galinha-d'angola, que é cozida e depois assada para ficar especialmente suculenta. Jantar para dois, sem vinho, sai por 70 euros.

23h - Bebendo em Lyon
Sim, a gastronomia é o ponto forte de Lyon, mas as bebidas estão ganhando espaço graças à cena coqueteleira que começa a surgir. James Brown e Frank Sinatra estão no Soda (7, rue de la Martiniere; soda-bar.fr) - pelo menos nos instantâneos que tiraram na delegacia, antes de serem presos. Esses e outros "mug shots" servem de decoração para essa casa sombria, onde se gasta nove euros para degustar um Slum Dog Millionaire (gim Bombay, geleia de cereja, suco de limão, vermute tinto e cardamomo) ou um suave Globetrotter (pisco, licor de sabugueiro, suco de limão e Aperol). Perto dali, o som do antigo jazz norte-americano enche o L'Antiquaire (20, rue Hippolyte Flandrin; 33-6-34-21-54-65; theantiquaryroom.com) onde garçons de gravata borboleta servem coquetéis sazonais como o Marco's Bacardi Fizz (rum Bacardi, licor Chartreuse verde, suco de lima-da-pérsia, suco de limão, xarope de açúcar, creme, clara de ovo e água com gás), uma explosão cítrica espumante.

  • Rebecca Marshall/The New York Times

    "Shadow Play" no Institut Lumière, em Lyon, na França

Sábado

10h - Heróis do celuloide
O nome da rua já diz tudo: Rue du Premier Film. Ali, em 19 de março de 1895, Louis Lumière ativou o cinematógrafo que criou com o irmão, Auguste, e registrou, num filme de 50 segundos, a saída de um grupo de operários da fábrica da família. Assim nascia o cinema. O Instituto Lumière (25, rue du Premier Film; 33-4-78-78-18-95; institut-lumiere.org) faz uma homenagem aos primórdios da sétima arte. A mansão art nouveau dos irmãos hoje é um museu (6,50 euros) onde são exibidos os originais feitos pelos Lumière e o famoso equipamento, além de outros dispositivos, como o cinetoscópio de madeira de Edison. Ao lado, a antiga fábrica que hoje é um cinema e exibe apenas clássicos.

12h30 - Comida fraponesa
Como acontece nos motéis, há espelhos no teto do Au 14 Fevrier (6, rue Mourguet; 33-4-78-92-91-39; au14fevrier.com), um restaurante minúsculo inaugurado em 2009 - e, também como nos motéis, eles refletem as reações quase orgásticas dos clientes. O estímulo vem do chef Tsuyoshi Arai, direto de Tóquio, que ganhou uma estrela do guia Michelin este ano pelo que chama de "la cuisine française made in Japan". O cardápio varia diariamente, mas quando estive lá provei chouriço em tubos de chocolate amargo, foie gras quente com vinagre de morango e figos cozidos e faisão assado com legumes coloridos. Nove pratos por 75 euros.

15h - Gárgulas e banha
Sabe aquela caminhada para fazer a digestão? Pois é, aqui ela tem cara renascentista, é patrimônio histórico da UNESCO e acontece nas vielas da parte velha de Lyon. Erguido quando a cidade era um centro manufatureiro de seda, o bairro é conhecido pela Catedral de São João Batista (8, place St.-Jean; cathedrale-lyon.cef.fr), cuja fachada é decorada com 25 gárgulas, 36 profetas e patriarcas, 36 mártires e santos, 72 anjos... mas quem é que vai contar? Em seu interior há um relógio astronômico encimado por imagens de seres humanos e anjos. O conjunto ganha vida quando o relógio dá as badaladas ao meio-dia, 2, 3 e 4 da tarde. Se, no fim da caminhada você estiver com fome de novo, os sorvetes artesanais da Terre Adelice (1, place de la Baleine, 33-4-78-03-51-84; terre-adelice.eu) valem a visita.

17h - Hora da criatividade
Com ruas de escadarias íngremes e um astral boêmio, La Croix Rousse lembra muito o bairro parisiense de Montmartre. O centro criativo é o Village des Createurs (Passage Thiaffait, 19 Rue Rene Leynaud, 33-4-78-27-37-21; villagedescreateurs.com), um beco onde estão instaladas as boutiques dos estilistas locais. A Morgan Kirch (morgankirch.fr) faz peças femininas sofisticadas em cores escuras, como mini coletes decorados com penas (230 euros). Combinando as sensibilidades da arte pop e o grafite, as camisetas (39 euros) da Blue Mustach Shop (bluemustach.com) exibem imagens de Karl Lagerfeld, Jean-Michel Basquiat e outros ícones do estilo.

20h - Mais aventuras gastronômicas
Pegue a linha T1 do trem até Montrochet e caminhe pela Rue Paul Montrochet na direção oeste, em direção do prédio pós-modernista que parece um pedaço de queijo laranja. É o La Confluence (lyon-confluence.fr), antiga zona portuária decadente que hoje exibe estruturas novas e futuristas. A melhor comida fica na Rue Le Bec (43 Quai Rambaud, 33-4-78-92-87-87; nicolaslebec.com), num restaurante com wine bar, confeitaria e empório de alimentos finos, cortesia de Nicolas Le Bec, principal figura da nova geração de chefs da cidade. O cardápio é uma viagem global que começa em Lyon – linguiça andouillette e tete de veau – com paradas na Espanha (presunto pata negra com pão de tomate), Itália (berinjela coberta de mussarela), Japão (tappanyaki de bife wagyu) e norte da África (carneiro com hortelã e especiarias). Três pratos para dois por 90 euros.

22h - Boa comida e música
Siga a fragrância de loção pós-barba e de perfume D&G até o Docks 40 (40, quai Rambaud, 33-4-78-40-40-40; docks40.com). Aberto em 2010, esse lounge e restaurante chique é um mar de bancos, mesas e garçons até a meia-noite; depois, a mobília é afastada, a dança começa e a música (soul, disco e house) explode. Se o preço da garrafa de Cristal Roderer (1.100 euros) for um pouco salgado, um copo de Tattinger (10 euros) também é um bom começo de festa.

  • Rebecca Marshall/The New York Times

    No Jouvray, no Marche St.-Antoine, em Lyon, você pode comprar queijo St. Marcellin e o salame seco local, entre outros laticínios

Domingo

10h - Na feira
Os aromas do Marche St.-Antoine (Quai St.-Antoine e Quai des Celestins) são irresistíveis: queijos, pão fresco, peixes, frango assado, ostras... No Jouvray (33-4-74-01-16-85) você pode comprar queijo St. Marcellin (1,80 euros por dois) e o salame seco local (19 euros o quilo), enquanto na Cote Desserts (33-4-78-45-19-45) encontra uma excelente quince tart (1,95 euros). Depois, alimente também a mente visitando os bouquinistes – vendedores de livros – ao longo do Quai de la Pecherie. ali é possível encontrar obras de autores nacionais como Antoine de Saint-Exupéry, além de mapas, postais e discos antigos... e até um exemplar de Stendhal. Em Lyon, ele nunca está muito longe da comida.

Se você for

Aberto no ano passado perto da principal estação ferroviária, o All Seasons Part Dieu (54, rue de la Villette; 33-4-72-68-25-40; all-seasons-hotels.com) tem 99 suítes onde é proibido fumar, uma brasserie e um bar. Quartos duplos a partir de 75 euros (US$ 98).

Uma das últimas criações de Paul Bocuse é o DockOuest (39, rue des Docks; 33-4-78-22-34-34; dockouest.com), um hotel boutique com 43 suítes decoradas com móveis da Ligne Roset. O restaurante do mestre, o Ouest Express (ouestexpress.com) fica a dois passos dali. Quartos duplos a partir de 75 euros.