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Livre Acesso mostra seca que deixou rio Paraguai com cota histórica

Aline Pellegrini

Colaboração para MOV, de São Paulo

23/10/2020 04h00

Rio Paraguai - Reprodução - Reprodução
Banco de areia no Rio Paraguai registrado pelo Livre Acesso
Imagem: Reprodução

A chuva chegou a uma parte do Pantanal, mas o nível do rio Paraguai ainda é preocupante, segundo o SGB/CPRM (Serviço Geológico do Brasil). O prognóstico da companhia revela que no município de Cáceres, que carrega o apelido de "princesinha do rio Paraguai", o rio estava com 62 cm -a média histórica é 159 cm. Situação mais perturbadora é encontrada em Forte Coimbra, local em que a mediana histórica para o dia da medição (15/10) é 186 cm: o rio está com -138 cm. O relatório é de 22 de outubro. O primeiro episódio do programa Livre Acesso, produzido pela MOV, a produtora de vídeos do UOL, e o Facebook, mostra os impactos da seca. Assista ao programa no Facebook Watch clicando aqui.

Essa seca histórica desmancha a identidade pantaneira, que é constituída pela água: é ela que rege os ciclos de vida no bioma. O poeta Manoel de Barros (1916-2014), que viveu na zona rural de Corumbá com sua mulher nos anos 1950, escreveu que os homens daquele lugar são uma continuação das águas, mais relativos a elas do que a terras. Com isso, o escritor consegue definir parte da importância que o rio Paraguai, o principal da região, carrega. Apesar da quádrupla nacionalidade -ele é da Bolívia, da Argentina, do Paraguai-, é no Brasil que o rio Paraguai nasce e onde encontra a maior parte de sua jornada: 33,8% do seu sinuoso curso passa por aqui.

Há teorias para explicar o que impulsionou a atual seca pantaneira, caracterizada como um evento extremo pelo Serviço Geológico do Brasil. Entre elas, a diretora-geral da Mupan (Mulheres em Ação no Pantanal), Áurea da Silva Garcia, esclarece que não é possível ignorar que a saúde de um bioma afeta a dos outros. "O Pantanal é regulado pelos pulsos de água. Toda a situação da falta hídrica no maior alagado é incompreensível. Uma das teses é a dos Rios Voadores, que defende a importância e a interconexão da Amazônia com o Pantanal, mas esses rios estão comprometidos com os desmatamentos na Amazônia."

O barqueiro Wanderson Candido, que vive na região desde que nasceu, afirmou no programa Livre Acesso que 90% das margens do rio próximo ao município de Cáceres já queimaram. Não há dados que comprovem a exatidão desse número, mas o relato de quem viu a mudança violenta na paisagem que abrigou sua vida toda levanta a questão de porque há tanto fogo tão próximo ao rio, local que comporta mais umidade.

"As margens dos rios mantêm uma maior proteção e umidade, a vegetação por si só já é mais saudável, mas claro que a intensidade do fogo consome essas áreas de proteção. Há relatos de equipes de combate na região do Parque Estadual do Encontro das Águas, em Mato Grosso, em que as labaredas pularam/transpuseram 250 metros de uma margem a outra", afirma Garcia, que lembra os dados da SOS Pantanal, que apontam que 99% dos incêndios são antrópicos, ou seja, causados por ações humanas.

A severidade da seca que atinge o rio Paraguai, que inunda a maior planície alagável do planeta, só se assemelha à que ocorreu na região entre 1968 e 1973, segundo análise do SGB.

Luisa Mell no rio Paraguai - Reprodução - Reprodução
Luisa Mell percorreu o rio Paraguai no programa Livre Acesso
Imagem: Reprodução

DESEQUILÍBRIO E INSEGURANÇA

A avaliação do Serviço Geológico do Brasil é de que a situação na bacia do rio Paraguai compromete a navegação, "principalmente o transporte de grãos e minérios na hidrovia. Outro risco da vazante está na captação de água. Esse cenário de escassez hídrica tem impacto também no setor agropecuário, flora e fauna do bioma Pantanal."

Para o biólogo Frank Alarcón, a estiagem histórica tende a se agravar nos próximos anos. Ele passou cinco dias na região do Pantanal Norte, descendo e subindo o rio Paraguai ao lado da ativista Luisa Mell. A empreitada da dupla foi documentada no primeiro episódio do Livre Acesso.

"As cinzas e a fuligem causam e ainda vão causar um grande problema ambiental. Os ventos e a própria chuva que é esperada para os próximos meses vão levar essas cinzas para a água. Quando essas cinzas se sedimentarem no subsolo do rio, a fauna aquática e a vegetação vão ter parte do oxigênio disponível imobilizado. Ou seja, animais como crustáceos, moluscos, peixes pequenos e grandes, vão morrer, o que vai acabar afetando toda a cadeia alimentar que depende deles para sobreviver."

Para a diretora-geral da Mupan, a insegurança hídrica é preocupante para as comunidades. "Temos uma dimensão do Pantanal como Território das Águas, entretanto, devemos questionar qual a qualidade dessas águas acessadas pelas comunidades tradicionais -ribeirinhas, indígenas, quilombolas e diversos assentamentos, das rurais às urbanas. São diferentes comunidades que necessitam de água."