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Ameaçados de morte falam pela 1ª vez como a milícia destruiu suas vidas

Igor Mello

Do UOL, no Rio

31/08/2022 04h00

Eles denunciaram crimes de milícias, foram expostos pelo aparato de segurança pública que deveria protegê-los e tiveram que fugir repentinamente com seus filhos para não morrer. O vídeo Vizinhos do Mal (assista acima) —uma produção do UOL Notícias e MOV, a produtora de vídeos do UOL— mostra as histórias de três pessoas que sobreviveram à violência de milicianos no Rio de Janeiro.

É a primeira vez que pessoas incluídas no Provita-RJ (Programa de Proteção às Vítimas e Testemunhas Ameaçadas do Rio de Janeiro) contam suas histórias desde que o órgão foi criado por lei em 1999.

A reportagem especial em vídeo é resultado de mais de oito horas de entrevistas com as testemunhas, que tiveram as identidades preservadas e foram apresentadas ao UOL sob nomes fictícios, também adotados no vídeo. Para que não sejam identificadas por criminosos, elas usaram acessórios como lenços e bonés e tiveram as vozes distorcidas. Os bairros onde moravam os três sobreviventes —que hoje vivem fora do Rio— também não foram revelados para protegê-los.

Flávia (nome fictício) conta sua história no vídeo Vizinhos do Mal Imagem: UOL

As vozes das vítimas de milícias. Os grupos criminosos e os crimes cometidos por eles são conhecidos de longa data, mas suas vítimas —com medo de represálias— não tratam publicamente do assunto. Vizinhos do Mal mostra, a partir das vozes desses sobreviventes, um raio-X de como é viver nos territórios controlados por paramilitares.

Antes de entrar no carro, ele [miliciano] aplica um tiro em direção à minha cabeça. Por 3 cm, o tiro não me acerta. Os policiais em momento nenhum vieram até mim."
Flávia (nome fictício), vítima de milícia

Nós somos as testemunhas vivas que eles não querem com vida. (...) A gente foi embora, deixamos nossa vida pra trás pra gente não morrer também."
Adriana (nome fictício), vítima de milícia

Invadiram meu quintal para tentar me encontrar. Eles falavam que eu estava devendo na faixa de R$ 2.000. Eu não teria condições de pagar estando desempregado. Comecei a temer pela minha vida e da minha família."
Pedro (nome fictício), vítima de milícia

Tudo isso sob a conivência de policiais, segundo relataram os entrevistados.

Os grupos criminosos com policiais e ex-policiais —que dominam bairros e comunidades na região metropolitana do Rio— são considerados hoje a principal ameaça à segurança pública do estado e estão em expansão.

Somente na capital, que tem cerca de 6,7 milhões de habitantes, uma em cada três pessoas vive em áreas controladas por milícias, cujos integrantes praticam todo tipo de extorsão contra moradores e comerciantes. A estatística é do Geni/UFF, Fogo Cruzado e Pista News.

Vidas sob ameaça. Os três sobreviventes relataram que tiveram de deixar suas casas, trabalho, amigos e famílias após denunciarem violências sofridas por milicianos.

  • Flavia foi alvo de tentativa de homicídio após descobrir que a síndica do condomínio onde morava e para quem trabalhava financiava uma milícia e armazenava vídeos de assassinatos;

Vi um vídeo de um menino de 14 anos sendo picotado com uma tesoura de jardinagem."
Flávia, vítima de milícia

  • Adriana teve a casa invadida e furtada por um usuário de drogas que, em razão disso, foi morto por milicianos. Tida como suspeita do assassinato pela polícia, ela teve de denunciar os criminosos e acabou na mira deles;

Agora minhas filhas não têm uma casa, não estão estudando. Meu marido não está trabalhando (...) Eu tomo quatro tipos de remédios pra conseguir viver (...) Meu filho teve depressão, tentou se matar."
Adriana, vítima de milícia

  • Pedro abandonou uma cooperativa de transporte alternativo onde era motorista após sofrer extorsões de uma milícia. Temendo represálias, denunciou o caso à polícia e foi ameaçado de morte;

Eles não têm misericórdia. São cruéis, matam à luz do dia."
Pedro, vítima de milícia

O que dizem as polícias. A Polícia Militar tem afirmado que combate as milícias assim "como qualquer outra facção [criminosa]" e que sua corregedoria "atua na apuração de desvios de conduta" de policiais envolvidos com grupos paramilitares.

Procurada sobre o teor das entrevistas, a corporação não se manifestou.

A Polícia Civil não respondeu ao UOL sobre os vazamentos de informações que expuseram as vítimas das milícias —conforme relatado por elas. A instituição disse, em nota, combater os grupos paralimitares com uma força-tarefa.

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