No bate-cabelo da vida: a história de Marcio e sua criatura, Marcia Pantera
São 22h de uma quinta-feira de novembro e as ruas da Vila Brasilândia, na zona norte de São Paulo, estão desertas após a chuva. Na casa de Carlos Marcio, no entanto, esta é a hora em que ele está mais desperto. Enquanto os vizinhos se preparam para dormir, ele começa a se maquiar, processo que dura aproximadamente 1 hora. Em seguida, abre o guarda-roupa para escolher o look da vez. Escolhe um macacão com estampa que lembra uma jaguatirica e coloca na bolsa uma peruca volumosa. Com peitos grandes de silicone, aparece transformado na sala. "Tô pronta."
Há mais de três décadas, Carlos Marcio é conhecido dentro e fora da cena LGBTQIA+ como Marcia Pantera, drag queen inventada no final dos anos 1980, quando os artistas até então eram chamados de transformistas.
Com referências que iam do som eletrônico do grupo Black Box aos desfiles de moda e clipes de roqueiros cabeludos a que assistia na TV, Marcia Pantera foi uma revolução. Não havia ninguém como ela nos palcos, ainda mais quando rodopiava e jogava o cabelo violentamente para um lado e para o outro. Hoje, não precisa ser da comunidade para saber que isso se chama "bate-cabelo".
Aos 52 anos recém-completados, Marcio faz o movimento frenético com a mesma energia e reconhece que a criação parece uma metáfora da própria história. No bate-cabelo da vida, ele enfrentou desafios, perdas e o vício do crack, que fizeram o brilho de Marcia Pantera sumir das passarelas e casas noturnas nos anos 2000.
Enquanto Marcio conta sua história, acompanhamos um dia de trabalho de Marcia na série "Retrato", de MOV.doc, da preparação em casa até a apresentação, às 3 horas da manhã, na boate Danger, no centro de São Paulo, sob gritos e aplausos.
"Depois que voltei, nada me parou. Claramente, quem me tirou dessas foi a Marcia Pantera", diz. "Se o Marcio morrer, não tem mais Marcia Pantera. Então bi, vamos botar pra fudê?"