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Joice Berth: 'Nudez e batom vermelho não empoderam. É mais profundo'

Mais E aí, Beleza?
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Nathália Geraldo

23/03/2022 17h00

Autora do livro "Empoderamento", da coleção Feminismos Plurais, a arquiteta e urbanista Joice Berth diz que escolhas individuais, como usar batom vermelho, arrumar o cabelo black power ou fazer fotos nuas para uma capa de revista, não são capazes de "empoderar" alguém, porque esse é um processo político, com força para abalar estruturas da sociedade. "O processo do empoderamento foi cooptado do sentido original. Se a gente levasse esse conceito a sério, saberia que é transformador", acredita.

No terceiro episódio desta temporada do "E Aí, Beleza?", programa apresentado pela maquiadora e colunista de Universa, Fabi Gomes, Joice afirmou que a nudez de mulheres não tem esse potencial revolucionário. "No máximo, serve para eliminar alguns traumas, no caso da nudez 'não padrão'", ressalta. Para a escritora, o assunto também é motivo de debate quando o discurso do "empoderamento" se reduz à autoestima estética.

Confira a seguir os melhores trechos da conversa.

Universa: Como é sua relação com a beleza? Você costuma reservar um momento para cuidar da pele?
Joice Berth: Cresci cercada de mulheres que tinham o gosto pelo autocuidado estético. Minha avó materna era exuberante, fazia máscara no cabelo, pintava a unha. Sempre fui mais contida, o 'patinho feio', mas mantinha um cuidado porque fui influenciada por elas.

Hoje, entendo que a questão da beleza vai além de cuidar da imagem. É um momento que você tira para se relacionar com você, e faço isso de forma mais consciente. Tanto que domingo é o dia da beleza aqui em casa: cuido da pele, do cabelo...
Minha pele sempre foi mais problemática. Ela é mista e a oleosidade se concentra no nariz. Até hoje tenho acne.

Joice Berth é entrevistada por Fabi Gomes no programa "E aí, Beleza?" Imagem: Reprodução


Você tem 46 anos. Sentiu que a pele mudou depois dos 40?
Quando eu era adolescente fazia mil coisas para tirar espinha. Depois dos 30, ela foi melhorando gradativamente. E sinto que me ver sem nenhum item de maquiagem e não me irritar é muito legal. Tem dias que vou ao mercado e me arrumo como se fosse encontrar a rainha da Inglaterra. Em outros, não faço nada. Lavo o rosto, passo filtro solar, hidratante e vou.

Sempre foi assim, ou foi um processo de notar sua relação com a beleza?
Foi uma conquista, porque quando era adolescente me cobrava muito. Me sentia muito feia em relação as outras mulheres da minha família. Achava que sempre tinha que fazer alguma coisa.

Meu nariz, minha pele, minha boca me incomodavam. A única coisa de que sempre gostei foi meu cabelo, de todas as formas.

Meu cabelo é amigável, adere a tudo que quero fazer. Antes, se viesse uma pessoa em casa, eu tinha que me montar. No fundo, pensava: 'As pessoas só vão gostar de mim se eu for bonita'. E todas as mulheres são criadas para pensar dessa forma. Mesmo quando você é rebelde, isso está lá dentro.

Uma pesquisa de 2021 apontou que 110 marcas de protetor solar só possuíam quatro produtos para a pele negra. Como isso afeta a autoestima da mulher negra? Já afetou você?
Não acho que isso afeta, mas irrita. e temos que ficar adaptando os produtos. Então, incomoda demais passar um filtro e ele ficar esbranquiçado e não ser absorvido por sua pele. Atrapalha, por exemplo, para fazer maquiagem. É irritante. E filtro solar é essencial, vejo hoje que as pessoas que tomavam sol passando óleo, refrigerante não envelheceram bem, estão com a pele manchada.

"Beleza está atrelada ao bem-estar emocional. Quando você está feliz, você fica bonita" Imagem: Reprodução/Instagram

Pedimos que escolhesse uma foto em que se sentisse linda e você separou essa. Por que?
Fui fazer um trabalho para uma marca, e quando cheguei em casa estava maquiada ainda e decidi tirar uma selfie com o sol. Para mim, beleza está atrelada ao bem-estar emocional também. E naquela manhã, o trabalho me deixou feliz e me senti valorizada. Tudo isso ajudou a potencializar o efeito da maquiagem. Quando você está feliz, você fica bonita.

O cabelo e a maquiagem podem ter poder discursivo?
Muito. É como a moda. A maquiagem e o cabelo são elementos políticos. Uma mulher negra, como eu, conseguir conviver e interagir pelos meios mantendo o cabelo do jeito como nasceu é político.

Crescemos ouvindo que não é um cabelo bom. Todas as mulheres ao redor deturpando a forma daquele cabelo, prendendo, não sabendo o tipo de penteado, os acessórios.

Quando resolvi não usar mais química nele, descobri o que não existia. Porque é também autoconhecimento.
E a maquiagem também tem esse poder discursivo. Se você faz uma mais 'tranquilinha', com tom rosado, as pessoas captam suavidade. Se passa um batom vermelho, é outra coisa. Aliás, eu gostava de maquiagem gótica. A minha referência era a [banda] Siouxsie and the Banshees.

Você escreveu o livro "Empoderamento". A expressão tem sido sequestrada de seu sentido primeiro?
As pessoas têm medo do processo de empoderamento, que foi cooptado do sentido original, algo completamente político. Se a gente leva isso a sério, ele é um conceito transformador.

É uma jogada de mestre pegar a beleza, que é um ponto nevrálgico na constituição subjetiva das mulheres, e colar com esse desvio do empoderamento. Porque se vende que a mulher está empoderada por estar usando determinado batom, porque colocou silicone... Intuitivamente, independentemente de estar participando dos debates ou não, as mulheres sabem que não têm poder na sociedade.

Só que ficar só na percepção instintiva faz com que algumas pensem: "Olha, cortei meu cabelo, uso meu black power, tô empoderada". E é algo além.

Empoderamento envolve beleza, sim, mas ela foi convertida em instrumento de opressão, lucro do mercado que oprime.

A proposta é entender que não é a aparência que nos valida como ser humano produtivo ou capaz. A gente se empodera nas nossas possibilidades. E quando esses processos vão crescendo, a gente acaba contribuindo com o grupo, para outras seguirem caminhos de autonomia.

É pensar: quando a gente olha para o Congresso, o sistema judiciário, quantas mulheres estão lá? Empoderamento também passa pelo entendimento político da nossa existência. É mais complexo do que usar um batom vermelho, usar black power, sair nua na capa de uma revista. A coisa é muito mais profunda.

Joice Berth é a terceira convidada desta temporada de "E Aí, Beleza". Arquiteta e pensadora do feminismo negro, ela fala de empoderamento Imagem: Reprodução/Instagram

Falando de beleza, o que você leva na sua nécessaire?
Um pouco de tudo. Blush e corretivo, para a cara "cansadona". Óleo para o cabelo, rímel, porque tenho cílios pequenos. Filtro solar, creme para a mão, álcool em gel. Além disso, lápis de olho preto, base líquida, água micelar, apontador para lápis e uma paleta de sombras, caso precise de um brilho nos olhos para depois do expediente.

Agora, vamos para o "bate bola". Nudez empodera?
Não, porque empoderamento é um processo político, de conscientização profunda. A nudez não tem esse potencial de ensinar alguma coisa para gente, no máximo, eliminar alguns traumas quando estamos falando da nudez não padrão.

Qual é seu maior arrependimento?
Não tenho arrependimentos. Foi, foi. Levo um ano pensando para tomar uma atitude?

Qual aplicativo de celular você mais usa?
WhatsApp.

O que você acredita que acontece depois da morte?
Não acredito na morte, ela é uma passagem e um estágio de evolução espiritual.

Se só pudesse ter um livro na sua biblioteca, qual seria?
"Cartas ao Jovem Poeta", do Rainer Maria Rilke.

E um pensamento recorrente?
Viajar.

E aí, Beleza?

Os episódios dessa quinta temporada do "E aí, Beleza?" trazem conversas sobre autoestima, vaidade, carreira, maturidade com nomes como Angélica, Rafa Kalimann, a arquiteta Joice Berth, a atriz Érika Januza. Assim como na última temporada, também teremos convidados homens: o ex-jogador Raí e o cantor Gustavo Mioto. Fabi ainda apresenta mais uma leva de vídeos com tutoriais de maquiagem simples de reproduzir, publicados todo domingo no Youtube de Universa. O programa será exibido às quartas-feiras, às 17 horas, no canal do UOL. Não perca!

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