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Raí: 'Comparação com Sócrates poderia ter acabado com a minha carreira'

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Nathália Geraldo

De Universa, em São Paulo

30/03/2022 17h00

O ex-jogador de futebol Raí enfrentou desde o começo da carreira a comparação com o irmão mais velho, Sócrates, um dos craques do futebol brasileiro. Em entrevista ao "E Aí, Beleza?", programa de Universa apresentado pela maquiadora Fabi Gomes, ele contou que a experiência foi "complicada" e que poderia ter acabado com sua carreira. "As pessoas esperavam a mesma performance que o Sócrates tinha. Nem que eu tivesse 30 anos [à época], seria fácil fazer igual."

Hoje, aos 56 anos, Raí diz que o sucesso como atleta e a fama de "crush" veio com a exposição que sua atuação nos gramados acabou trazendo à tona. "Ser uma pessoa pública acaba amplificando qualquer tipo de reação do público. Mas, me casei cedo, aos 18 anos. Isso me ajudou a manter os pés no chão."

Raí, que permanece como ídolo no São Paulo e do Paris Saint-Germain, dois clubes em que viu sua estrela brilhar, também fala de vaidade ao se lembrar como jogar profissionalmente o fez dar mais atenção ao físico, apesar de nunca ter sido uma obsessão. "Minha carreira fez com que eu cuidasse do corpo, era pago para isso. É um privilégio que poucos têm."

Confira a seguir os principais trechos da conversa.

Universa: Que história é essa que seu nome poderia ter sido "Xenofonte"?
Raí: Meu pai morava na periferia de Fortaleza, era pobre e teve que deixar a escola no começo do primário. Ele era autodidata, lia muito e, quando adulto, tinha suas fases. Ele pegava um tema e ia pelo "feeling", pelo que queria conhecer. Às vezes, estava estudando Freud, Napoleão. Por sorte ou azar dos meus irmãos mais velhos, meu pai estava na fase dos filósofos gregos, da Grécia Antiga.

O primeiro foi o Sócrates, o segundo o Sóstenes e o terceiro, Sófocles. Um cearense com três filhos com estes nomes, em uma cidadezinha de 5 mil habitantes no interior do Pará, ele era o 'case' da cidade. Nós somos em seis, sou o último, então imagina o que iria sobrar para mim... Por isso, vem a história do Xenofonte.

No quarto filho, a minha mãe o convenceu a colocar o nome de Raimundo, o mesmo do meu pai. O quinto foi Raimar (Raimundo e o final de Guiomar) e, para mim, sobrou o Raí, começo de Raimundo. Gosto de nomes curtos e originais.

raí - Reprodução Instagram  - Reprodução Instagram
Raí, quando era jogador do São Paulo, tinha exposição maior e era visto como galã
Imagem: Reprodução Instagram

Ser irmão de um craque de futebol gerou comparação entre vocês?
Foi complicado. A comparação com o Sócrates poderia ter acabado com a minha carreira. Ele é um personagem muito marcante, além de um grande jogador. Era um gênio. Fazia medicina e jogava na Seleção Brasileira ao mesmo tempo. Quando eu estava começando, ele estava no auge da carreira, já tinha ido para Itália, disputado uma Copa do Mundo e estava indo para a segunda. Eu, com 16,17 anos, e as pessoas já esperavam a mesma performance que o Sócrates tinha. Nem se eu tivesse 30 anos... Seria difícil fazer igual.

Imagina uma pressão dessas para um jovem? Em vários momentos, no começo da carreira, pensei em parar por causa disso. Gostava de jogar pelo prazer, nunca fui obcecado por ser jogador de futebol.

Com 12, 14 anos, meu sonho era ser mochileiro, viajar pelo mundo, era muito desligado de qualquer coisa mais pragmática. Foi uma coisa natural.

Depois, acabei mudando o estilo de jogo, comecei a ser um cara bem mais dedicado fisicamente. E isso me fez bem porque tomei aquilo como desafio. O grande lance de se dar bem em uma atividade tão competitiva como o esporte é quando você consegue pegar uma dificuldade e transformar em uma motivação.

Não sabia e nem queria ser melhor do que o Sócrates, mas queria provar que tinha o meu valor por mim mesmo. Isso me fez amadurecer muito mais rápido, mas foi assustador no começo.

Ser considerado galã mexeu com a sua autoestima? Como você lida com processo de envelhecimento hoje em dia?
Estou com 56 anos. Naquela fase de apelo de galã, o sucesso no futebol, a exposição, ser uma pessoa pública, tudo isso acabava amplificando qualquer tipo de reação do público. Casei cedo, aos 18 anos, e isso me ajudou a manter os pés no chão. Sempre fui mais caseiro, na minha. Quando encerrei a carreira, já separado, estava mais maduro.

Minha carreira fez com que eu cuidasse do meu corpo, era pago para isso, um privilégio que poucos têm. O atleta, na maioria das vezes, acaba se descuidando depois que encerra a carreira. Eu me descuidei, mas não tanto. Depois dos 50, comecei a me cuidar mais, buscar mais informações. Posso dizer que meu DNA é privilegiado. Agora, o que eu puder fazer, será bem-vindo.

O ex-jogador Raí recebeu a homenagem do Laureus World Sports Awards em 2012 - Gareth Cattermole/Getty Images for Laureus - Gareth Cattermole/Getty Images for Laureus
O ex-jogador Raí recebeu a homenagem do Laureus World Sports Awards em 2012
Imagem: Gareth Cattermole/Getty Images for Laureus

Pedimos para você escolher uma foto na qual se sentisse bonito, feliz com a própria imagem. Por que escolheu essa?
Essa foi uma das poucas vezes que usei black tie. Tenho até outras fotos que acho que impressionariam mais, mas além de me achar elegante, estava recebendo o prêmio Laureus, que é o Oscar de projetos sociais ligados ao esporte. E acho que a beleza tem muito a ver com a felicidade, com momentos em que você se sente realizado. Esse foi um deles.

Nesse prêmio, há uma categoria de atletas ou ex-atletas que têm trabalhos sociais relevantes. Como já tinha parado de jogar à época, a chance de ganhar era pelo projeto.

Em 1998, antes de parar de jogar, criei a Fundação Gol de Letra junto ao meu amigo [e jogador] Leonardo (Nascimento de Araújo). Nesses 23 anos, mais de 25 mil crianças e jovens foram atendidos, o projeto virou referência na área de educação, esporte, educação e cultura. Tenho muito orgulho!

raí - Greg Salibian/Folhapress - Greg Salibian/Folhapress
O ex-jogador veste a camiseta da Fundação Gol de Letra, em 2018
Imagem: Greg Salibian/Folhapress

Já passou pela sua cabeça se envolver formalmente com a política?
Não consigo me imaginar sendo um candidato. Tenho muito conhecimento adquirido na prática na questão social, por participar de alguns movimentos.

Minha grande obsessão é conseguir uma política pública para uma cidadezinha pequena no Nordeste do Brasil adaptada à realidade deles e ligada à questão lúdica, que tem a ver com prazer, felicidade e aprendizado ao mesmo tempo.

Tendo a educação como base, por meio do esporte e da cultura a gente pode fazer uma revolução em uma região, investindo nas novas gerações, fazendo com que as pessoas se envolvam, não só nas escolas, mas nos clubes, nas praças.Nos últimos anos, levamos um golpe muito grande com a falta de incentivo à cultura, ao esporte. Ninguém consegue criar, empreender, se não tiver um país vivo que valorize a sua cultura e que dê espaço para a imaginação, para as coisas lúdicas e para o prazer cotidiano

Raí em entrevista ao "E Aí, Beleza?" "Minha fase 'galã' foi amplificada por ser uma pessoa pública" - Reprodução - Reprodução
Raí em entrevista ao "E Aí, Beleza?" "Minha fase 'galã' foi amplificada por ser uma pessoa pública"
Imagem: Reprodução

O que acha que falta para o futebol feminino alcançar o mesmo nível de paixão do público, interesse da indústria e mesmo nível de remuneração que o futebol masculino?
Acho que falta tempo. Há pouco, a mulher não tinha direito de jogar, nem podia. O preconceito que existe até hoje com as mulheres que jogam está sendo quebrado nas escolas. A minha filha mais velha, que tem 37 anos, está jogando futevôlei. Não existe esse retorno comercial porque não aparece na mídia, por exemplo. Então vamos fazer esse esforço para aparecer mais. Uma coisa puxa a outra.

Você publicou um texto no jornal francês "Le Monde" chamado "A peste brasileira", em que você se posicionava politicamente. Qual a importância de uma pessoa pública tomar partido em assuntos que norteiam o rumo de uma sociedade?
Primeiro de tudo é que chegamos em um absurdo custando centenas de milhares de vidas. Não sou radical, mas existem coisas inaceitáveis. No Brasil, a questão da violência piorou muito porque sempre foi muito complacente com a injustiça social. Essa apatia não tem mais lugar.

Vamos para o bate pronto. O que faz você chorar?
Emoções fortes e injustiça

Um sabor?
Morango

Seu tipo de vinho favorito?
Da região de Bordeaux e Borgonha, na França.

Sua melhor fase da vida?
Quando eu me sinto livre. Sempre "brigo" para soltar as minhas amarras.

Melhor trilha sonora para o sexo?
O grito. O som do sexo.

Descreva sua relação com o futebol em cinco palavras
Gosto muito de uma definição que ouvi de uma pessoa do teatro. No inglês, tem uma palavra só: [o verbo] "to play", que significa jogar, atuar, coreografia, dançar, brincar. Esse lado lúdico do futebol, o lado mágico. O futebol acaba sendo popular porque todo mundo pode jogar, né?

Raí, você gosta de vermelho?
Amo!