Topo

Arte Fora do Museu

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Filme "Urubus" mostra retrato humano de pichadores de São Paulo

Felipe Lavignatti

Colunista do UOL

31/05/2023 18h16Atualizada em 31/05/2023 20h36

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O universo mais visível e ao mesmo tempo desconhecido da cidade de São Paulo acaba de ganhar um filme. "Urubus", que estreia em circuito nacional nesta quinta-feira, retrata o mundo dos pichadores. Com produção executiva de Fernando Meirelles, o filme tem direção de Claudio Borrelli, que assina também o roteiro com Mercedes Gameiro e Cripta Djan.

Imangem do filme Urubus - Divulgação - Divulgação
Imangem do filme Urubus
Imagem: Divulgação

"Urubus" acompanha a história de Trinchas (Gustavo Garcez), jovem líder de um grupo de pichadores, que escala os edifícios mais altos da cidade para deixar sua marca. Quando ele conhece a estudante de arte Valéria (Bella Camero, de "Marighella"), seus diferentes modos de vida entram em choque e disso resulta a invasão da 28ª Bienal de São Paulo

A história parte da vivência do próprio roteirista Djan nas ruas da cidade. Conversamos com ele e com o diretor sobre a importância de uma produção como essa para quebrar preconceitos com a cena indissociável de São Paulo.

Como que você teve contato com a cultura da pichação e como se deu esse encontro de mundos?

Claudio Borrelli - Eu acho que primeiro como o resto da população de São Paulo. Onde você olha tem uma marca. Na verdade eu me interessei por filmar muito no centro e ver os pixos no alto dos prédios. Os pichadores escalavam o prédio por fora, então me interessei. Aí procurei o Djan e dali começou uma relação acho que muito maior do que o filme, que é uma relação de amizade que agente permanece e vai permanecer para sempre.

Como foi o processo de escrever o roteiro?

Cripta Djan - Na real eu escrevi o argumento e daí foi extraído o roteiro. Então o filme, na real, é fragmento desse argumento, que são muitas histórias baseadas nas minhas vivências mesmo como pichador. São baseadas em coisas que eu vivi ou presenciei dentro do movimento pixo nesse recorte de um período ali onde era mais underground o rolê, que é o finalzinho dos anos 90, começo da década e na virada do século. É o período em que eu estava me consolidando na rua como pichador, então foi o período onde eu tive muita vivência e vi muita coisa dentro do movimento. A maioria das ações ali foram coisas que eu mesmo vivi, que não teve como ser documentado e que a gente teve esse privilégio de poder reproduzir no cinema.

Como que é filmar essa cidade onde cada cenário já vem com essa com esse grafismo, com essa arte posta ali?

Claudio Borrelli - Uma opinião em comum é que a cidade é um personagem do filme. Isso não era uma coisa muito consciente. Tanto é que eu só percebi isso depois do filme pronto e pela opinião das pessoas. Não era uma coisa muito consciente esse papel da cidade. A cidade faz parte da pichação e a pichação faz parte da cidade, mas essa importância no filme não foi uma coisa procurada, foi uma coisa que aconteceu. Você tem atores e pichadores também no filme. Isso foi uma meta estabelecida a mim pelo de Djan desde o início. A gente nunca pensou que os pichadores pudessem ser interpretados por atores de verdade. É uma fidelidade ao movimento e uma honestidade e uma realidade trazendo para o filme que não teria igual. Na verdade eles se transformaram em atores. Ou eles já eram atores, mas não se percebiam como atores, porque o trabalho que eles fizeram foi sensacional. Na atuação de cinema você tem que ligar e desligar. Com eles foi um pouco diferente do que como você conduz atores.

Como foi a reação do pichadores ao verem o filme?

Cripta Djan - A galera do pixo que teve oportunidade de assistir se viu no filme pelo recorte temporal que a gente faz. Então a galera que é da minha geração se vê no filme, porque a ideia foi sintetizar mesmo um período. Todo mundo vai ter um amigo ou uma história parecida com que a está no filme, porque o filme sintetiza bem o que é essa sociabilidade do pixo. Na real, cada pichador dali é um filme, uma série, só pelas histórias que cada um tem. Esse lance da gente ficar se arriscando na rua para fazer nosso pixo durante anos gera muita história. Essa coisa da atuação na rua tem história de sobra para fazer filmes e séries à vontade.

Qual resultado que vocês esperam com o filme?

Claudio Borrelli - Eu até uso da frase "o quanto se pode enxergar além do que se vê". Quem é da pichação quem é da rua se identifique e quem não é tenha uma visão mais humana e mais entendimento. Que atinja as pessoas de algum modo, que modifique elas. Para mim, o cinema é muito mais do que indústria, é a busca pela alma humana, pelo entendimento. Acho que ele cumpre esse papel. O Djan em uma das entrevistas também disse bem que a capoeira e o samba têm muito a ver com a pichação, porque ambos eram crime, ambos foram discriminados e hoje fazem parte da nossa cultura.

Imangem do filme Urubus - Divulgação - Divulgação
Imangem do filme Urubus
Imagem: Divulgação

Cripta Djan - Eu acho que a questão mesmo é humanizar o tema, é mostrar para as pessoas, no geral, que não tem nada de agressivo em jogar tinta na parede, porque a parede é uma coisa abstrata, não tem vida, não tem dor, não se ofende. Você querer preservar a branquice dos muros em vez de um desenvolvimento expressivo de toda uma classe. Por que existem tantas pessoas pichando? Qual é a questão social e política por trás disso? Essa que é a grande reflexão, porque a gente tem uma educação capitalista que coloca o bem material acima da vida. Na pichação não importa o que você tem. O seu dinheiro não vale nada no pixo, só importa o ser, o que você constrói ali dentro da rua. De repente, para aquele cara da periferia, ali é o único ambiente da sociedade onde ele tem algum valor, onde a existência dele importa sem envolver uma questão do capital. Isso é muito subversivo hoje numa sociedade que só atende uma razão. Você faz isso, você não ganha nada, você é louco? A nobreza foi vulgarizada pela pela razão capital. Eu acho que o pixo resgata esse sentimento nobre de fazer algo só em prol da sua existência. No mundo capitalista isso parece ser loucura, mas tem muito sentido. É muito humano.

Veja abaixo a entrevista na íntegra e não perca o filme nos cinemas.