Missão da Globo na CCXP é convencer o público que também produz cultura pop
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Em uma mesa espaçosa, cheia de cartazes do Batman e ladeado por alguns assistentes, o desenhista Neal Adams autografa desenhos por R$ 40 e tira fotos com fãs por outros R$ 60. É um dos nomes mais célebres da CCXP deste ano, pelo menos entre a parcela de visitantes que chegam a se importar com histórias em quadrinhos —a mídia que deu origem a esse tipo de evento.
A feira mais relevante nesse gênero, pelo menos até a versão brasileira tomar proporções bíblicas, era a Comic-Con de San Diego. Durante décadas, foi o ponto de encontro entre os leitores de gibis e os artistas mais quentes do mercado, com especial ênfase nos super-heróis da Marvel e da DC.
Mesmo nos anos 90, havia espaço para séries como Star Trek ou Arquivo X. Mas foi a partir deste século, em especial depois da bem sucedida empreitada do Homem de Ferro nos cinemas, que o jogo virou: a cultura pop em seu entendimento mais amplo passou a dominar as convenções ao redor do mundo. Nada mais normal, dada a abrangência e relevância da grana envolvida.
A CCXP está plenamente estabelecida no calendário mundial da indústria —basta ver o pedigree dos convidados deste ano: de Kevin Feige a J. J. Abrams, passando pelos protagonistas das maiores franquias do entretenimento, como Star Wars, Liga da Justiça e Marvel. Além disso, o sucesso arrebatador do evento está recalibrando o entendimento do que é cultura pop no Brasil.
Entre os produtores de conteúdo nacionais, é notável o alinhamento da Maurício de Sousa Produções ao zeitgeist. Há muitos anos que deixaram de ser um mero estúdio de quadrinhos —de alfajor a banana prata, tudo pode ser carimbado com o rostinho "gorducho e dentuço" da Mônica. Mas faz menos tempo desde que passaram a investir na miríade de plataformas para consumo de histórias da turminha.
Os pontos de contato hoje são diversificados, assim como o espírito da Comic-Con, que começou no papel jornal e virou todo o resto. Além das edições mensais nas bancas, é possível comprar camisetas e almofadas, assistir a vídeos no YouTube, filmes live-action e ontem anunciaram uma série protagonizada por Jeremias, baseada na espetacular iniciativa que coloca talentos dos quadrinhos nacionais criando histórias autorais sobre as propriedades dos Sousa.
Menos natural parece a abordagem da Globo. Dona de um dos estandes mais chiques do evento, entende que seu trabalho é fazer o público-alvo da feira perceber que seus produtos pertencem ao mesmo universo de Stranger Things, Vingadores e Friends. Como Cavalo de Tróia, escalou alguns dos mais carismáticos artistas do elenco para interagir com os visitantes.
Ninguém razoável discutirá o impacto cultural de algo como O Clone na sociedade brasileira. O timing perfeito da trama de Glória Perez, junto com o share gigantesco que a emissora ocupava na mente dos brasileiros em 2002, foram preponderantes para que até hoje tenha alguém tuitando termos como "Insh'Allah!" e muita gente consiga captar o contexto. Giovanna Antonelli esteve na CCXP para falar sobre a novela.
Mas existe uma diferença importante entre fazer parte da memória afetiva do público e de fato construir algo parecido com o que a Mônica ou os Jedi fizeram ao longo de suas existências. Em um passeio pela lojinha de produtos licenciados da Globoplay, encontrei bugigangas do Doctor Who, de Big Bang Theory e canecas da turnê milionária de Sandy & Jr. Mas nada referente às propriedades intelectuais gestadas em Curicica.
Acredito que o maior desafio da Globo hoje seja justamente criar fandoms em torno de seus produtos, gente disposta a se engajar em diferentes plataformas e vestir a camisa de maneira terrivelmente literal. Graças a diversas particularidades da nossa sociedade, o público é encantado pelas pessoas, não pelos projetos. O culto à celebridade é gigantesco, e é por isso que sou xingado por fãs da Juliana Paes e do Walcyr Carrasco quando critico uma novela. Nunca é por entusiastas de A Dona do Pedaço.
Com os talentos que possui e a evidente percepção de que existe um mercado admirável a ser conquistado, imagino que seja questão de tempo até a Globo resolver essa equação. Só agora, com a concorrência de empresas de fora, que a cultura pop nacional vai conseguir ir além da memória afetiva. Ainda há um longo caminho a ser percorrido, mas já existem faróis.
Voltamos a qualquer momento com novas informações.
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