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Chico Barney

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

BBB 23: Parece inexplicável, mas Amanda tem bons motivos para ser campeã

Colunista do UOL

05/04/2023 12h31

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Um dos destaques literários do mês de março foi o lançamento de "Y/N", romance de estreia da autora Esther Yi. O termo que dá título ao livro é uma referência ao gênero de fan fiction em que os autores deixam o nome do protagonista para ser preenchido pelo leitor: 'your name' / 'seu nome'.

Narra a história de uma ávida escritora de fanfics absolutamente fascinada pelo caçula de uma boy band de kpop. É algo tão arrebatador que ela vai atrás dele em Seul.

Estava lendo a resenha de Katy Waldman na New Yorker e refletindo a respeito do impressionante favoritismo de Amanda no BBB 23, confirmado pelo resultado do paredão de ontem, quando ela e Larissa juntas tiveram mais de 60% dos votos a favor.

E também por conta de um papo do Fred Nicácio no quarto fundo do mar durante a madrugada, quando colocou o sucesso da médica na conta justamente de uma fanfic —o tórrido romance 'docshoe' entre Amanda e Sapato, um relacionamento que nunca existiu de verdade, mas pariu o grande fandom da temporada.

O BBB faz sucesso por conta da projeção. Os fãs mais engajados dos participantes projetam suas expectativas mais inconfessáveis na maneira como interpretam a realidade do jogo em narrativas dentro de suas bolhas.

Quando defendem Amanda, ou qualquer outro participante, com toda aquela paixão, é um pouco como se estivessem substituindo o nome do ídolo pelo próprio —justamente como no gênero supracitado.

Acredito que a atual temporada não teve tanto sucesso justamente pela dificuldade de parte da audiência de se conectar com os protagonistas. Personagens complexos, contraditórios, imperfeitos, espelhos para onde muitos têm receio de olhar. Uma pena! O elenco do BBB 23 é um dos melhores.

Mas faltou aplacar essa necessidade de projeção por parte relevante do público, sobretudo aquela que se engaja mais profundamente, com os mutirões e votações à base de energético virando noites. Tanto que a única torcida realmente forte e organizada é a da Amanda.

E é da Amanda porque ela conseguiu vender uma plataforma de conteúdo de fácil identificação. Veja só as principais características que ela defende ter desde o começo do programa: a mulher fora do padrão, a dançarina desajeitada, aquela que não se expressa com perfeição, que nem sempre é ouvida, que se entrega para ajudar quem ama, mesmo que como amigo.

São individualidades fáceis de serem encontradas por aí. Mais do que isso, são características fáceis de imaginar que você mesmo possui. É um cidadão comum em uma jornada extraordinária —fazê-la vencer o programa mais popular da TV com um pacote tão básico de atributos é vencer também.

Esther Yi deu uma entrevista sobre seu livro falando que "há algo que se revela no coração da fanfiction que eu acho que é essencial para toda grande literatura, que é esse desejo de se colocar no mesmo espaço que o transcendental. Quase tocar a borda sem realmente alcançá-la".

Desconheço uma definição mais correta e profunda para a atitude dos fã-clubes nessa grande fanfic que é qualquer BBB. Quando viram noites completamente dedicados aos novos ídolos, quando brigam no Twitter para defendê-los, estão experimentando aquela narrativa como se fosse deles próprios.

Em sua resenha no New York Times, Alexandra Jacobs destaca que um dos temas de "Y/N" é o fato de as pessoas terem suas personalidades forjadas atualmente menos em comunidade e mais no consumo de massa. O que também se encaixa como uma luva para o BBB, o entretenimento definitivo do capitalismo tardio.

Amanda certamente não é a personagem que acho mais interessante, mas sem dúvida é interessante o mecanismo que fez dela a grande favorita ao prêmio. Boa sorte a todos nesses 20 dias que o programa tem pela frente, mas tenho um livro para ler.

Voltamos a qualquer momento com novas informações.