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Apesar de avanços, ainda falta diversidade e protagonismo de LGBTs na TV

O beijo de Félix e Niko em "Amor à Vida": mais comedido - e autorizado - que beijos heterossexuais - Instagram/Reprodução
O beijo de Félix e Niko em "Amor à Vida": mais comedido - e autorizado - que beijos heterossexuais Imagem: Instagram/Reprodução

Colunista do UOL

28/06/2020 15h04

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Resumo da notícia

  • Embora tenham conquistado mais espaço, LGBTs ainda precisam ter autorizado um simples beijo
  • Nos reality shows, cumprem cota e não têm a afetividade mostrada por completo
  • Houve, no entanto, avanços no que diz respeito à representatividade: já não explodem casais LGBTs no shopping

É inegável que, desde o final dos anos 90, quando lésbicas (vividas por Christiane Torloni e Silvia Pfeiffer) foram explodidas junto com o shopping na novela "Torre de Babel", houve muitos avanços no que diz respeito às questões LGBTs na TV. Uma grande variedade de personagens surgiu nas novelas e, hoje, temas que não se discutiam antes entraram nas casas dos brasileiros. Ainda assim, falta muito para a naturalização e igualdade ocorram de fato.

Por mais que personagens como Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso) tenham rompido a barreira do beijo entre iguais, não se pode falar em equanimidade na televisão brasileira. Embora em algumas novelas relações homossexuais tenham sido retratadas, elas ainda parecem mais baseadas em coleguismo que amor, como se o namorado fosse, na verdade, um melhor amigo. Os beijos, sempre tratados como uma grande polêmica, na verdade nunca passam de selinhos e sempre precisam de aprovação prévia. Nem se comparam ao furor de alguns beijos entre mocinhos e mocinhas heterossexuais e cisgêneros.

No caso de personagens transexuais, a tratativa é a mesma. O beijo entre Abel (Pedro Carvalho) e Britney (Glamour Garcia) teve de ser regravado e só foi mostrado na reta final da novela. Até então, a relação foi mostrada de modo infantilizado em determinadas vezes, com apertos na bochecha e abraços. Obviamente que há o que se comemorar. Afinal, temos pessoas transexuais na TV e a questão teve iniciado um debate. Mas ainda é pouco. Atores e atrizes transexuais raramente interpretam pessoas cisgêneras - a exceção foi Maria Clara Spinelli, em "A Força do Querer" -, enquanto o contrário já ocorreu com certa frequência na televisão, no teatro e no cinema.

A bissexualidade também parece passar por um apagamento, uma vez que a narrativa do personagem gay que acaba "convertido" por uma mulher também é recorrente - caso de Orlandinho (Iran Malfitano), em "A Favorita". Ninguém pensou na possibilidade de que ele possa se interessar por pessoas?

Já o protagonismo parece ainda um sonho distante na dramaturgia na TV aberta. Nas novelas, personagens homossexuais normalmente servem de escada para os mocinhos e, por muito tempo, viraram alívio cômico, sem direito à afetividade. E, quando isso ocorreu, no caso de Félix, foi por acaso, uma vez que ele iniciou a história como vilão, autointitulado "bicha má", outra categoria na qual homossexuais eram encaixados com facilidade.

Em programas de auditório populares, viraram alvo recorrente de piada. Em reality shows, viraram cota e alvo de "excessivo cuidado". No "BBB 14", beijos de Vanessa Mesquita e Clara Aguilar chegaram a ser mostrados com outra pessoa aparecendo na frente. No "De Férias com o Ex", que já mostrou sexo hetero em posições bem, digamos, descritivas, a relação entre Rafael Vieira e Jarlles Gois foi abreviada e pareceu mais uma simples ficada. É quase como se fizessem um favor por deixar que um homossexual ocupe um espaço e tirem dele o direito à igualdade.

Se um beijo ainda precisa ser negociado nos dias de hoje, pelo visto ainda deve demorar bastante até que tenhamos uma novela estrelada por LGBTs. Falta coragem a autores e executivos de televisão. Na HBO, a série "Todxs Nós" deu um passo adiante ao falar de gênero não-binário.

Há o que se comemorar, no entanto. Personagens como Crô (Marcelo Serrado) ou Alfredinho (Lúcio Mauro Filho), que ouvia do pai "Onde foi que eu errei?", no "Zorra Total", não seriam possíveis hoje. Alguma humanidade os LGBTs ganharam dos autores. Pelo menos isso.