Topo

Histórico

Fefito

Caetano Veloso em 'Narciso em Férias' mostra quão nocivas são as fake news

Caetano Veloso no filme "Narciso em Férias" - Reprodução
Caetano Veloso no filme "Narciso em Férias" Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

07/09/2020 22h33

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Resumo da notícia

  • Em depoimento emocionante, Caetano conta como foi preso por causa de um boato
  • Músico ficou na prisão por dois meses, boa parte deles sem saber do que era acusado
  • Criador da fake news sobre Caetano, Randal Juliano chegou a pedir desculpas, em 1992

Lançado pelo GloboPlay no mesmo dia em que estreava no festival de cinema de Veneza, um dos mais importantes do mundo, o documentário "Narciso em Férias" não precisa recorrer a arquivos de imagens, narrações ou múltiplas fontes. Ele é, única e exclusivamente, composto de um longo depoimento de Caetano Veloso sobre o período em que ficou preso pela ditadura militar brasileira.

No longa dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil, o músico lembra o dia em que estava em sua casa e, logo cedo, policiais o levaram para prestar um depoimento. O que seria um simples interrogatório virou uma viagem de São Paulo ao Rio de Janeiro, uma prisão por vários quarteis e até mesmo um período na solitária. A acusação? Nem o próprio Caetano sabia, uma vez que ele demorou semanas até ser interrogado de fato. Enquanto não sabia a razão de ter sido encarcerado junto com Gilberto Gil, o cantor teve de tomar banhos de sol sob a mira de uma arma e sofrer tortura psicológica.

O motivo dos dois meses de prisão ficou claro quando, finalmente, foi questionado por um major. Um apresentador, chamado Randal Juliano (1925-2006), havia afirmado, em seu programa na TV Record, que Caetano havia cantado em um show o "Hino Nacional" em ritmo de Tropicália, como se fizesse galhofa com a bandeira. Na apresentação, o músico estava acompanhado por Gilberto Gil e Os Mutantes. Ocorre que tal fato nunca ocorreu, como várias testemunhas do show realizado na boate Sucata, em 1968, chegaram a afirmar oficialmente. Por não simpatizar com Caetano, a quem criticava pelo modo de se vestir, pelo tamanho do cabelo ou pelas canções, Randal criou uma mentira que o colocou atrás das grades.

A motivação da prisão de Caetano não é exatamente novidade. Ela foi contada pelo artista em entrevista a Jô Soares, em 1992, em seu antigo talk show no SBT. Na mesma semana, o "Jô Soares Onze e Meia" convidou Randal Juliano para uma entrevista. O apresentador se desculpar pelo episódio, mais de vinte anos depois: "Se eu adivinhasse, se eu intuísse, seu eu percebesse, se eu tivesse uma premonição qualquer, ou um aviso vindo de qualquer lugar desse mundo, de outro mundo, que os fatos aconteceriam da maneira como aconteceram, eu não teria feito aquele comentário".

O que "Narciso em Férias" mostra é que não é de hoje que as "fake news" trazem grandes prejuízos à sociedade. Numa época sem internet e redes sociais, ainda assim, uma mentira colocou alguém na cadeia. Para a sorte de Caetano, ele conseguiu esclarecer tudo e seguir com sua carreira repleta de reconhecimento, ainda que a duras penas - ele chegou a se exilar fora do país. É impossível não se emocionar com o momento em que o cantor, na cela em que estava preso, se depara com uma revista que folheou na época e relembra a compaixão despertada por um sargento que resolveu afrontar o regime.

O depoimento de Caetano é contundente e sua história poderia render vários documentários como este. Entender Caetano é entender parte importante do Brasil, é entender o quão necessário é se valorizar a democracia e a cultura - algo que ditaduras e sistemas reacionários detestam, vide a maneira como descreviam as canções do artista baiano. O GloboPlay marcou um golaço.