70 anos de TV: O dia em que passei uma tarde com Hebe Camargo
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Resumo da notícia
- Em 2009, por ocasião de seus 80 anos, Hebe Camargo me recebeu em sua casa para uma conversa
- Durante a entrevista, a apresentadora relembrou sua carreira e disse que os homens se sentiam inseguros perto dela
- Hebe disse ainda ter "peninha" quando pensava na morte. Apresentador morreu em 2012
Em março de 2009, Hebe Camargo (1929-2012) completou 80 anos. Merecidamente, a eterna rainha da TV brasileira recebeu dezenas de pedidos de entrevistas e homenagens. Na época repórter do "Diário de S. Paulo", eu tentava, há meses negociar uma conversa com a apresentadora. Desde criança era muito fã. Assistia escondido o programa dela sempre que podia - por causa do horário -, ouvia pessoas falarem mal do jeito ousado dela ("Onde já se viu colocar shortinho com essa idade?") e não entendia. Para mim, Hebe era moderna, popular, carismática e autêntica. Uma gracinha que falava diretamente ao meu coração. Enfim, dias antes da efeméride, consegui que ela me recebesse em sua casa. E teve início uma das entrevistas mais marcantes de minha vida.
Cheguei na casa de Hebe por volta das 15h, nervoso, tentando não esquecer nada da extensa pesquisa que tinha feito. Tão logo fui recebido por uma de suas funcionárias, fui avisado de que ela estava acabando de se vestir e, em breve, desceria. Sentei em um sofá que dava de frente para outro. Sentadas, de frente para mim, estavam várias bonecas realistas, com olhar atento. Tive certo medo, confesso, até que vi, entre os brinquedos, uma almofada com os seguintes dizeres: "Existe um mundo melhor, mas é caríssimo!". Não aguentei e ri.
O nervosismo, no entanto, não passou. Me deu vontade de fazer xixi. Como pedir para usar o banheiro de Hebe Camargo? Chamei a funcionária, que me levou ao lavabo. A vontade de xixi quase passou quando vi que, na pia, tinha um ovo Fabergé, cravejado em brilhantes. Eu definitivamente estava na casa da mulher mais glamourosa do país. Superado esse problema, esperei, sentadinho, mãos geladas, até vê-la descendo as escadas, de salto alto, usando um look que talvez considerasse despojado. Uma calca e uma bata de tecido leve - mas chiquérrimo.
De braços dados comigo o tempo todo, Hebe começou a me mostrar a casa. Além de onde eu estava, havia dois anexos em volta da piscina, todos enormes, claro. Um, tinha sala de TV e um bar. Outro, se não me falhe a memória, uma sala para receber amigos. Sentamos à beira da piscina e, a essa altura, ela já percebia que eu sabia muito sobre sua vida. Também percebeu meu desespero. Em plena virada tecnológica, não consegui me entender com um gravador digital - todos os de fita do jornal estavam pegos. Ela me consolou: "Também não entendo nada dessas coisas".
Perguntei a Hebe sobre sua infância ("Acordava ao som do violino do meu pai") e sua família. Ela falou sobre a dupla sertaneja que formou com a irmã, Rosalinda e Florisbela ("Quando eu via a Claudia Raia e a Patricia Pillar fazendo dupla em 'A Favorita', eu lembrava da gente!") e passou em revista suas relações. Chegou a abandonar a carreira na televisão por causa do primeiro casamento, mas nunca escondeu o orgulho pelo seu trabalho. Fez questão de dizer que ganhou o troféu Roquette Pinto com seu primeiro programa, "O Mundo é das Mulheres".
Mas era nas histórias de bastidor que Hebe chamava ainda mais atenção. No dia em que conversou comigo, estava preocupada. Uma das galinhas que criava estava na UTI, mordida por um de seus cachorros. Da mesma maneira, confessou que adorava ouvir música e alimentar os pombos em seu jardim. O som alto, aliás, chegou a lhe causar problemas. De tanto ouvir reclamação de um dos vizinhos, que chegou a mandar a polícia em sua porta durante algumas festas, decidiu ligar para o proprietário da casa, que descobriu ser alugada. Resolveu o problema de maneira simples: comprou o imóvel ao lado e deu para o filho, Marcelo. Com o outro vizinho, a relação era ótima: às vezes trocavam garrafas de vinho pelo muro que dividia suas casas.
Na entrevista, falamos de absolutamente tudo, de ditadura a sexo. "Silvio Santos nunca deu bola para mim! E olha que eu era muito bonita, viu? É a mesma coisa com o Roberto Carlos. Acho que ele tem medo de mim. Os homens se sentem inseguros perto de mim, têm um certo medo. Sinto falta, sou beijoqueira, mas até agora não apareceu ninguém", afirmou ela, que se mostrou muito orgulhosa da carreira que construiu. "Nasci do nada. Vim de uma família pobrinha, era a caçula de seis irmãos, todos criados dentro da pobreza, mas com educação. Tudo o que construí foi com meu trabalho. Não ganhei nada de marido ou amante. Lutei muito para conquistar o que tenho."
Terminada a entrevista, Hebe fez as fotos e me deu um selinho. O fotógrafo perdeu o primeiro clique. Não tinha problema. Ela me deu um segundo. Ganhei dois selinhos de Hebe Camargo e zerei a vida. Ela me autografou um CD e um livro ("A Noite da Madrinha", estudo de Sérgio Miceli sobre seu programa) que eu havia levado. Ganhei dela uma caixa de música, que guardo com carinho até hoje.
Meses depois, Hebe seria diagnosticada com câncer no peritônio. Curiosamente, ela me falou que fugia de alguns médicos: "A pior coisa de fazer exame para mim é ter que dormir em jejum. Há uns 500 anos não vou ao ginecologista. De vez em quando, vem uma enfermeira aqui em casa medir minhas taxas. Tá tudo bonitinho". E fez questão de dizer que evitava pensar muito na morte: "Eu não costumava pensar muito nisso, não. Mas numa festa encontrei Fernanda Montenegro e Lily Marinho e comecei a conversar. Até que Fernanda olhou para mim e disse: 'O que me dói é ver que falta pouco'. Aí comecei a pensar nisso. Nunca levei em conta o fator idade, é besteira mentir. Mas gostaria de ser mais nova para aproveitar mais. Não tenho medo de morrer, tenho peninha. É tudo tão bonito. Agora não esqueço mais: a cada dia que passa, falta um pouco menos".
Que falta faz Hebe Camargo.
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