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'Botched', do canal E!, é a prova de que dublagens podem ser transfóbicas

Os doutores Terry Dubrow e Paul Nassif, apresentadores do programa "Botched" - E! Entertainment
Os doutores Terry Dubrow e Paul Nassif, apresentadores do programa "Botched" Imagem: E! Entertainment

Colunista do UOL

08/12/2020 11h55

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Resumo da notícia

  • Ao contrário do áudio original americano, equipe de dublagem brasileira desrespeita pacientes transexuais
  • No vigésimo episódio da sexta temporada, um homem cis transforma em piada a história de uma mulher trans
  • Voz escolhida por dublagem nacional em nada tem a ver com a da participantes original e parece uma caricatura

É muito curioso que, em pleno final de 2020, o espectador ainda se depare com comportamentos que parecem saídos do começo dos anos, quando humorísticos achavam razoável rir da orientação sexual ou do gênero das pessoas. Foram décadas e décadas de mulheres sendo tratadas como objetos, de gays e travestis sendo tratados como alívio cômico para justificar LGBTfobia. Para nossa sorte, esse tipo de "brincadeira" parou de ser normalizada na televisão. Mas ainda há, surpreendentemente, quem aposte nela, ainda que não seja a proposta original. É o caso da equipe de dublagem de "Botched", do canal E!, que ainda acha que aceitável fazer tirar sarro de pessoas transexuais.

Para quem não está familiarizado, o programa acompanha cirurgias plásticas feitas por dois cirurgiões plásticos especializados em reparar erros ou consertar procedimentos mal sucedidos. Embora sejam bem humorados, os médicos tratam a todos com respeito. O esforço, no entanto, cai por terra para quem assiste a atração dublada.

No vigésimo episódio da sexta temporada, por exemplo, exibido na semana passada, o reality show apresenta o caso de Maria, uma mulher trans que tenta consertar seu nariz, depois tratamentos que resultaram em complicações. Curiosamente, a voz escolhida na dublagem para representá-la é a de um homem. E mais: um homem imitando uma figura afeminada, com grandes semelhanças àqueles tais humorísticos antigos. Mais do que isso: ele passa a usar gírias que não estão no texto original, transformando Maria em uma caricatura.

O espectador mais desinformado por até considerar a escolha comum, já que há pessoas trans com voz mais grossa ou mais fina, mas a transfobia se revela tão logo o áudio original é ouvido. A voz de Maria em nada tem a ver com a escolhida por profissionais brasileiros. E, sabe-se, é requisito da dublagem escalar vozes que lembrem a original, salvo exceções. A paciente do programa é educada, tem voz considerada "feminina" e em nada lembra a anedota na qual a transformaram, uma imitação estridente feita por um homem cis do que ele considera que seja uma transexual.

É muito curioso que um canal como o E! permita a exibição de um material altamente ofensivo como este. A emissora, que já se mostrou progressista e produziu os ótimos "Born To Fashion", reality estrelado por modelos transexuais, e "Drag Me As A Queen", comandado por drag queens, não pode permitir que a LGBTfobia se instale em sua programação como se fosse algo divertido. É incômodo, é desnecessário. O estúdio de dublagem contratado para a atração deveria ter o mesmo respeito que os doutores Terry Dubrow e Paul Nassif têm com seus pacientes. Claramente não é o caso.