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Papel de José Mayer em 'Laços de Família' vai de galã a assediador hoje

Pedro, personagem de José Mayer, em "Laços de Família" - Reprodução/TV Globo
Pedro, personagem de José Mayer, em "Laços de Família" Imagem: Reprodução/TV Globo

Colunista do UOL

16/12/2020 07h00

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Resumo da notícia

  • Na história de Manoel Carlos chefe do haras persegue constantemente a veterinária do local
  • Ao invés de atender aos inúmeros pedidos para não fazer nada, personagem tenta agarrar a funcionária constantemente
  • Se nos anos 2000 esse tipo de comportamento era romantizado, hoje ele não cabe mais

É inegável que, em 20 anos, a sociedade passou por transformações profundas no que diz respeito a determinadas questões. Comportamentos antes vistos como aceitáveis ou "brincadeira" passaram a ser revistos. Bullying, LGBTfobia e assédio entraram na pauta de discussões com maior intensidade e, claro, a realidade acabou refletida também na dramaturgia. O espectador mais atento a este tipo de debate, se assistir à reprise de "Laços de Família", na Globo, deve ficar bastante assustado com algumas abordagens, especialmente no que diz respeito a Pedro, personagem interpretado por José Mayer.

Na história escrita por Manoel Carlos, originalmente exibida em 2000, o ator vive o administrador de um haras, onde trabalha a veterinária Cíntia, papel de Helena Ranaldi. Uma rápida busca no GloboPlay pelas cenas do então galã da trama já dá uma boa mostra do que está por vir. "Cíntia se defende das investidas de Pedro", diz a descrição de uma. Outras sequências têm títulos como "Cíntia foge do assédio de Pedro" ou simplesmente "Cíntia foge de Pedro". Em sua imensa maioria, as "investidas" do administrador, tratado como homem rústico e viril no roteiro, não são um flerte ou um convite para um café. Vão bem além disso.

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Cíntia e Pedro, de "Laços de Família"
Imagem: Reprodução / Internet

No capítulo exibido no último dia 10, por exemplo, Cíntia tenta sair da sala onde acaba de ter uma discussão com Pedro, mas não consegue. Ela é puxada pelo braço e jogada contra os móveis. "Me solta, Pedro. Você não está preocupado com os cavalos, não. Mandou todo mundo embora para ficar sozinho comigo. Seu egoísta. Só pensa em você e no seu prazer", diz, assertiva, a veterinária. Alheio, seu chefe no haras torna a agarrá-la, ainda sob protestos. "Para, Pedro, me deixa ir embora". Ao invés de atender ao pedido, ele insiste: "Você sabe que me dá prazer. E vai me dar mais. Muito mais". Como resposta, ouve de Cíntia: "Eu tenho nojo de você. Será que você não entendeu isso? Finge que eu morri, Pedro. Me esquece de uma vez por todas. Para com isso, me solta! Nunca mais encosta a mão em mim".

É muito claro que o texto da novela trata a personagem de Helena Ranaldi como uma espécie de desafio para um garanhão que não sabe ouvir não. Em cena exibida no dia 9 de novembro, ela chega a questioná-lo, enquanto é jogada em cima de uma mesa e beijada à força: "O que é que você tá pensando? Que vai me domar? Que sou uma presa fácil?".

Em outro capítulo, levado ao ar no dia 26 de novembro, Cíntia foge correndo de Pedro depois que ele ordena que ela vá à sua casa para "conversarem". Ela recusa e é atirada contra uma parede do estábulo. "Você vai por bem ou por mal? É uma ordem", diz Pedro. É curioso que a veterinária literalmente corre e ele a persegue. Tudo isso embalado ao som de música country romântica. Para muitas mulheres, esta sequência poderia ser um pesadelo com trilha sonora nada empolgante.

Em uma cena do episódio exibido pelo "Vale a Pena Ver de Novo" no último dia 30, o administrador do haras mais uma vez tenta impedir que a veterinária vá embora. Acompanhe o diálogo:

Pedro: "Você não vai embora assim".

Cíntia: "Por quê? Você vai me impedir?".

Pedro: "Você gosta que eu venha atrás de você, não gosta? (...) O que é bom para um é bom para os dois".

Cíntia: "Você foi um grosso, estúpido, animal. Tira a mão de mim, Pedro. (...) Me solta".

Pedro: "Não".

Para se ver livre, Cíntia toca a buzina de seu carro para chamar a atenção de alguém que esteja por perto.

Obviamente, naquela época, muitos deveriam achar esse tipo de conduta "normal". Afinal, como o texto e a trilha sonora romântica indicavam, a veterinária deveria falar "não" quando, na verdade, queria dizer "sim". Não. Homens não atiram mulheres violentamente contra paredes ou móveis quando tentam conquistá-las, especialmente se forem seus chefes em ambientes de trabalho, como é o caso no folhetim. Hoje, Pedro claramente seria acusado de assédio.

É muito curioso que este personagem seja interpretado justamente por José Mayer, cuja carreira caiu em desgraça após a acusação de assediar uma figurinista. Talvez, vendo que o público torcia - e até gostava de cenas como essas -, o ator tenha entendido que comportamentos como estes são comuns. O que não dá mais é para romantizar homens como Pedro em novelas de hoje.

Esses 20 anos fizeram uma baita diferença para quem assiste a "Laços de Família".