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Há 18 anos morria Jorge Lafond, LGBT que não teve o merecido reconhecimento

Jorge Lafond morreu aos 50 anos, no auge de sua popularidade - Reprodução
Jorge Lafond morreu aos 50 anos, no auge de sua popularidade Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

11/01/2021 08h30

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Resumo da notícia

  • Humorista morreu em 2003, no auge de sua popularidade e do sucesso na televisão
  • Apesar de querido pelo público, ator foi vetado na "Casa dos Artistas" e convidado a se retirar de programa para que padre pudesse cantar
  • Jorge Lafond estava à frente de seu tempo e hoje certamente teria mais oportunidades de mostrar seu talento

Num mundo em que "RuPaul's Drag Race" é febre e LGBTs conquistam cada vez mais espaço em frente às câmeras, Jorge Lafond estaria ainda mais à vontade que em sua época. O ator, que morreu há exatos 18 anos, em 11 de janeiro de 2003, aos 50 anos, vítima de problemas cardiorrespiratórios, estava muito adiante de seu tempo. Deixou a vida sem o merecido reconhecimento. Merecia ter sido mais valorizado.

Formado em artes cênicas e em educação física, o carioca chegou a trabalhar como mecânico e tentou por muito tempo disfarçar sua homossexualidade. "Eu fazia a linha menininho, bonitinho e comportado. Depois de velho, eu chutei tudo", brincou, em entrevista ao programa de Elke Maravilha (1945 - 2016) no SBT, em 1993. Encontrou-se na dança, que o levou a viajar o mundo e, posteriormente, à Globo, onde integrou o corpo de bailarinos do "Fantástico", em 1974.

Depois do programa dominical, vieram participações em "Viva o Gordo", um personagem em "Sassaricando" (1987) e o papel fixo no elenco de "Os Trapalhões". O Soldado Divino, primo de Mussum (1941-1994), ocupou parte do espaço deixado por Zacarias (1943-1990) e rendeu boas risadas no quartel do Sargento Pincel (Roberto Guilherme). Tanto que, por causa dele, recebeu convite do SBT para "A Praça É Nossa", onde se consagraria como Vera Verão.

Foi a personagem, segundo Carlos Alberto de Nóbrega, "inspirada nas travestis que brigam na praça e puxam gilete da boca", que levou Lafond ao estrelato. O jeito despachado da personagem, que bradava "Êeeepa! Bicha Não!" pedindo respeito a cada discussão, chamou a atenção do público logo cedo e o manteve no ar por uma década.

lafond - Divulgação/SBT - Divulgação/SBT
Jorge Lafond em "A Praça É Nossa"
Imagem: Divulgação/SBT

Negro e homossexual, o ator se tornou uma das figuras mais populares do humorístico em um tempo ainda mais conservador em relação aos costumes. Ainda assim, ele sabia da dificuldade que era ser gay no país e de certa maneira tornou-se para muitos o que Clodovil (1937 - 2009) foi para ele. "O Clodovil, quando tinha seus programas estilo 'TV Mulher', foi o responsável pela aceitação junto à minha família. Ele fez a cabeça do pessoal lá em casa. Eu fazia minha família sentar na sala para ver que a bicha, o veado de que tanto falavam, não era aquela coisa... Que poderia transmitir uma grande verdade", afirmou em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo". Mal sabia ele que teria um confronto cara a cara com o estilista durante uma entrevista para a TV. A pedido de Clodovil, a conversa nunca foi exibida.

Embora reservado, Lafond sabia chamar atenção. Insinuou em entrevista ter um relacionamento com um jogador da seleção brasileira e deixou muita gente curiosa por anos. Tamanha era a simpatia pelo ator que, no auge do sucesso, prestes a lançar a segunda temporada da "Casa dos Artistas", o SBT fez uma enquete perguntando quem o público queria ver no confinamento. Jorge Lafond ganhou de disparada e recebeu apoio de vários famosos em uma campanha pela escalação para o reality. Embora tenha aparecido no primeiro episódio, o humorista teve a participação vetada pela direção da emissora e não escondeu a mágoa.

Semanas depois, com a popularidade em alta, foi convidado a se retirar do palco do "Domingo Legal" para que o padre Marcelo Rossi pudesse cantar. "Me magoou muito. Se eu tivesse mandado ele para aquele lugar eu não estaria estressado como ainda estou", afirmou Lafond para o "TV Fama", revelando que o mesmo já havia ocorrido em uma rádio.

Episódios como estes, no fim da vida, mostram que, por mais querido que o ator fosse, ele ainda sofria preconceito. Ele merecia mais. Merecia maior reconhecimento por levar a diversidade para a televisão. Merecia maiores oportunidades para mostrar seu talento. Merecia ter sido mais ouvido.

Hoje, o intérprete de Vera Verão seria tratado de outra maneira. Ele se foi cedo demais. A vida abreviada de Jorge Lafond foi a vida de um homem à frente de seu tempo, pioneiro, que teve a coragem de viver sua identidade plenamente, longe do armário, estando confortável na própria pele. Tardiamente, é preciso que se reconheça que o Brasil perdeu um ícone da comunidade LGBTQIA+ muito antes do que deveria.