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Fim da 'Casa Abandonada': Sofrimento de pessoas negras não é entretenimento

"A mulher da Casa Abandonada" chamou bastante atenção dos internautas por causa da história chocante de uma mulher procurada pela FBI - Reprodução
"A mulher da Casa Abandonada" chamou bastante atenção dos internautas por causa da história chocante de uma mulher procurada pela FBI Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

20/07/2022 13h24

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Após semanas de muita comoção, chegou ao fim o podcast "A Mulher da Casa Abandonada", produzido por Chico Felitti para a "Folha de S.Paulo". O que se viu, ao longo dos episódios, foi que a história de uma mulher negra escravizada pelos patrões nos Estados Unidos gerou muito debate, mas, equivocadamente, passou a ser tratada como entretenimento. Margarida Bonetti, que vivia até pouco tempo na mansão em pandarecos, virou alvo de intenso escrutínio.

A casa, em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo, virou ponto turístico, com direito a tiktokers fazendo dancinha na porta. Na semana passada, houve quem passasse pomada na cara para fazer foto em frente ao imóvel. Vizinhos passaram a ser tratados como influenciadores. A tal ponto que até mesmo o morador do apartamento ao lado de onde mora o filho de Margarida ganhou milhares de seguidores por contar brigas de condomínio.

O que se viu ao longo dessas semanas foi que, por mais importante que seja o alerta trazido pelo podcast, muita gente preferiu tratá-lo única e simplesmente como diversão. Uma mulher negra foi escravizada, viveu ilegalmente em outro país sem direito a saúde, com um tumor do tamanho de uma bola de futebol no corpo, sofrendo maus tratos, mas o que chama a atenção de boa parte da audiência é a casa caindo aos pedaços ou o fato de ela usar pomada no rosto.

No podcast, todos os alertas foram dados. Corretamente, Felitti dedicou um episódio a outros casos de trabalho análogo à escravidão no Brasil, deu meios para se denunciar. No último capítulo, disponibilizado nesta quarta-feira (20), a entrevista com Margarida Bonetti mostra bem o tipo de pensamento que cerca a elite paulistana.

Para ela, a mulher escravizada era "sua melhor amiga"; que não sabia se ela tinha remuneração, mas ela tinha o porão inteiro para ela; que o tumor que carregava não era maligno e, portanto, não era grave; que ela passava mal por comer muitos doces; que sempre foi afeita à mentira, quando tinha de limpar a casa, mas preferia brincar. São relatos absolutamente chocantes e naturalizados na fala aparentemente mansa da acusada pelo FBI.

"A Mulher da Casa Abandonada" vai, claro, gerar ainda muito debate e ser lembrado por muito tempo, mas é importante dizer: essa história não é engraçada ou divertida. É triste. E revela que muita gente segue insensível ao sofrimento de uma mulher negra, preferindo caçar likes no Instagram e fazer dancinhas ao invés de discutir o real assunto. Não dá para tratar o sofrimento de pessoas negras como espetáculo. Muita gente terá de fazer um mea culpa.