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Flavia Guerra

REPORTAGEM

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Zelensky e zumbis: Cannes começa em clima de homenagem e de alerta

17.mai.2022 - O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky discursa no Festival de Cannes 2022, na França - Getty Images
17.mai.2022 - O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky discursa no Festival de Cannes 2022, na França Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

17/05/2022 21h38

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Depois de uma edição cancelada em 2020 e uma outra reduzida em 2021, era natural que o Festival de Cannes 2022 começasse com uma sensação de alívio, de volta ao ritmo (quase) normal de muita badalação, correria, movimentação e programação intensa na quinzena em que o evento ocorre.

Se a Guerra da Ucrânia é uma sombra que paira sobre a ensolarada cidade da Riviera Francesa, a pandemia parece ter sido superada por aqui. Poucos dos mais de 30 mil profissionais de todo o mundo que se credenciaram para o evento são vistos usando máscaras tanto nos eventos quanto nas sessões.

Mas falando em programação, Cannes começou oficialmente na noite de hoje e, como toda cerimônia, em clima de certo tédio, com a belga Virginie Efira fazendo de tudo para animar a plateia seleta de produtores, atores e atrizes e outros profissionais da indústria. A festa ganhou mais emoção com a homenagem ao ator norte-americano Forest Whitaker, vencedor do Oscar por "O Último Rei da Escócia" (2006), que em seu discurso fez questão de ressaltar a importância do cinema no mundo contemporâneo.

Mas comoção mesmo, e surpresa, causou a entrada ao vivo via satélite do presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy, que em seu longo discurso fez várias referências ao cinema para tratar do assunto da guerra e da importância da democracia.

Com sua já típica camisa verde, Zelensky fez uso do cinema como metáfora e citou desde o "Grande Ditador", de Charlie Chaplin, a até "Apocalipse Now", de Francis Ford Coppola. Entre outros temas, ressaltou que o mundo precisa de um novo Chaplin para provar que o cinema hoje não é mudo e que deve falar das questões contemporâneas.

Citou o trecho do longa em que Chaplin critica nitidamente Adolf Hitler e, em tradução livre, afirmou que "o ódio dos homens vai passar, ditadores morrem e o poder que eles tiram do povo vai voltar para o povo. E enquanto os homens morrerem, a liberdade nunca vai acabar".

A solidariedade de Cannes à Ucrânia também é sentida em outras ações. Em vários pontos do Palais des Festivals, o QG do evento, há urnas de coleta de doações para a população ucraniana.

Após a aparição de Zelensky, Julianne Moore subiu ao palco e decretou oficialmente o 75º Festival de Cannes, que termina no dia 28 de maio.

A política e a guerra estarão em pauta durante todo o festival, pois há outros filmes que tratam desta questão, inclusive o documentário do premiado ucraniano Sergei Losnitza , que chega com "The Natural History of Destruction", ou "História Natural da Destruição", além do longa "Mariupolis 2", último filme do cineasta Mantas Kvedaravicius, morto em abril durante a guerra e terminado por sua namorada, que conseguiu deixar o país e editar o filme.

Na mostra Un Certain Regard, a segunda mais importante de Cannes, o jovem diretor Maksim Nakonechnyi exibe "Bachennya Metelyka", seu primeiro longa, que conta a história de uma jovem especialista em inteligência aérea que ficou presa em Donbass e, mesmo livre, não consegue superar os traumas sofridos.

Filme de Abertura

Se a questão ucraniana comoveu o festival, o filme de abertura deu voz a quem faz o cinema acontecer. "Coupez" (ou "Corta!", em tradução livre), do francês Michel Hazanavicius, o diretor de "O Artista", que venceu o Oscar em 2012, é uma grande homenagem ao cinema de gênero, pois conta a história da filmagem de um filme sobre zumbis, mas é também é um grande tributo aos que se desdobram para fazer cinema e contar histórias.

Remake do longa japonês "One Cut of the Dead" (2017), "Coupez!" é uma comédia metalinguística sobre fazer cinema. Na verdade, começa como um filme B de zumbis do estilo que "se torcer sai sangue" (ou nem é preciso torcer. Apenas jorra sangue). Fotografia ruim, atores canastrões, muitos gritos, a heroína bonita de pernas à mostra, além de uma longa lista de clichês do gênero. Acontece que, na verdade, este é um filme sobre o processo de se fazer um filme assim.

Assim que o "primeiro filme" acaba, vemos o "making of" do tal filme, das reuniões com os produtores à sessão para mostrar o primeiro corte a quem bancou e encomendou o filme, passando pela filmagem. Estas sequências, em que revemos as cenas "do primeiro filme" e seus bastidores rendem os melhores momentos de "Coupez!".

Haja humor, agilidade, paciência, criatividade para se realizar um filme (seja caro ou, no caso deste, baratíssimo). Ao final, vemos o "trabalho de equipe" metaforicamente e fisicamente falando para que um filme exista.

Em uma edição de Cannes pós-pandêmica, durante uma guerra, em plena crise econômica mundial, é justo que a organização tenha optado por um filme que, além de ser uma comédia, uma sátira e uma metalinguagem do próprio cinema, seja, na verdade, uma grande homenagem a quem, mesmo muitas vezes zumbis, em condições adversas, não desiste de contar histórias.

Se o resultado agradou? A plateia da sessão oficial de convidados saiu satisfeita. Já a crítica se dividiu entre os que aprovaram o remake e as referências todas ao cinema e ao gênero e os que apenas avaliaram como mais um filme engraçado, mas não muito de Hazanavicius.