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Flavia Guerra

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Estiloso e imperfeito: 'Elvis' enche a tela com ritmo frenético do cantor

Austin Butler interpreta Elvis Presley em cinebiografia "Elvis" - Warner Bros. Pictures/Divulgação
Austin Butler interpreta Elvis Presley em cinebiografia "Elvis" Imagem: Warner Bros. Pictures/Divulgação

Colunista do UOL

25/05/2022 17h11

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Uma pequena multidão se espremia entre a calçada e as grades que a organização do Festival de Cannes e a prefeitura da cidade espalham pela Croisette, a avenida que beira toda a orla. Enquanto isso, helicópteros não deixavam o céu da cidade em paz. Fotógrafos gritavam para que a equipe do filme posasse para as fotos no tapete vermelho, em várias opções. Em um espaço na areia da praia, o local da festa de comemoração da estreia estava sendo preparado com todo o luxo e circunstância que a ocasião e o longa pediam. Este cenário caótico era real e perfeito para o filme que fechou a noite de quarta no festival: "Elvis", de Baz Luhrmann.

Barroco, suntuoso, fashion, estiloso, frenético. O estilo do diretor australiano segue a todo vapor e está a serviço de cada frame da super aguardada cinebiografia de um dos maiores nomes da música mundial: Elvis Presley.

Vivido pelo jovem Austin Butler (guarde este nome), o gênio da música ganha um retrato não completo, mas essencial desde o início da carreira até sua decadência. Mas, em vez de de uma cinebiografia convencional, Baz filma um épico, perfeito também para a trajetória pessoal e profissional do garoto pobre de Memphis que, como diz no filme, cravou seu nome na história.

Quem acompanha o cineasta sabe que nada é convencional em sua carreira. Baz pode até errar, mas sempre para o mais. Nunca erra por economizar nas cores, direção de arte, emoção, números musicais, figurino. Tudo em seu cinema salta aos olhos, para o bem ou para o mal. No caso de "Elvis", para o bem.

Ainda que a performance musical de Elvis ganhe muito mais tempo de tela e trama que as sutilezas de caráter do músico, é um filme grandioso, em todos os termos. Mas o melhor recurso de roteiro, e também o grande acerto de Baz, foi contar esta história (já tão contada) sob a perspectiva de um personagem crucial para a carreira e a vida de Elvis: o lendário Colonel Parker (Tom Hanks irreconhecível e impecável), o empresário responsável pela ascensão e boa parte da queda de Elvis.

Como afirmou Priscilla Presley (no filme vivida por Olivia DeJonge), este é um filme sobre a relação entre Elvis e o lendário Colonel Parker, o empresário responsável pela ascensão e talvez queda de Elvis. E esta relação é o que dá o tom ambíguo que enriquece o filme. Parker amava Elvis, viu nele todo o potencial para se tornar um nome inesquecível, mas também o cerceou, controlou, prendeu em uma gaiola de ouro por toda a vida.

É Parker quem abre o filme e é por sua narrativa que vemos os anos passarem. O enigmático empresário foi responsável por contratos que renderam milhões a Elvis, mas também lhe tirou milhões. Parker se aproveitou da desatenção, ingenuidade e confiança de Elvis, mas também foi quem mais o acompanhou em sua carreira, quem enchia os olhos de lágrimas ao vê-lo praticamente derreter no palco ao dar tudo de si em performances que arrancavam gritos histéricos de milhares de jovens da época.

A primeira sequência em que Elvis sobre ao palco em um dos tantos "carnivals" americanos (espécie de parques de diversões, shows de música country e feira/festa do interior) é de arrepiar. Os frenéticos quadris de Elvis e Butler arrepiaram não só a plateia de mocinhas no filme quanto o público de Cannes.

Ainda que em ritmo sempre acelerado e sem tempo para contemplação, estas contradições são bem pontuadas na trama. A direção de Baz nos pega para dançar freneticamente já no início do filme e não para jamais. E vamos nesse ritmo desde a infância de Elvis, quando, sem a presença do pai (que passou bom tempo na prisão), o jovem Elvis e sua mãe Gladys (Helen Thomson) tiveram de ir morar num bairro pobre e eram a única família branca da vizinhança, em Tupelo, no Mississipi.

A influência da cultura e da música negra, tanto a dos clubes de jazz quanto a gospel, foi essencial para a formação musical e de caráter do garoto que sentia que a música era seu dom divino, sua forma de sentir Deus. E como negar isso ao ver tanto as performances do real Elvis quanto as de um Austin Butler em estado de graça.

Butler foi muito bem recomendado a Baz por Denzel Washington, com quem o ator contracenou em "The Iceman Cometh", que foi indicado a oito Tony Awards. O ator não faz muito mais que performar Elvis, mas faz isso tão bem que é impossível não se gostar dele e não se pegar embasbacado a cada apresentação. "Elvis", ao contrário de outros sucessos de Baz como "Moulin Rouge", não é um musical per se. Mas é quase.

Se a mise-en-scène é sempre impecável, os diálogos e as sequências vez ou outra parecem servir de pretextos para os números de Elvis. E não há, de fato, problema nenhum nisso. Para viver Elvis, era preciso um que de "showmanship" (ou seja, ter um quê de showman, ser mais que "só" ator). Butler é o homem certo no momento certo. E seu Elvis pode não ser o mais complexo e, como já observado, cheio de sutilezas, mas é com certeza um dos mais cheios de energia e carisma que o cinema já viu.

"Elvis" tem questões que podemos levantar. É um filme imperfeito? Como tantos outros filmes de Baz, sim. Não aprofunda e nem desenvolve bem a relação de Elvis com as substâncias (medicamentos e afins) que o levaram à dependência, por exemplo. Mas fica claro que foi uma escolha do diretor e não uma incapacidade de tratar disso na trama. A essência aqui é revelar um Elvis maior que a vida, mas ainda assim humano. "Elvis" transmite ao público a energia, a paixão e o furacão que Elvis era/é toda vez que subia aos palcos? Definitivamente sim. É delirante, estonteante. É cinema, dos grandes, para se ver na maior tela possível e sair cantando e, quiçá, dançando.

"Elvis" chega aos cinemas brasileiros em 13 de julho.