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Veneza 2022 começa em ritmo de medo da morte com estreia de "White Noise"
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O assunto não poderia ser mais familiar a qualquer um que encarou a pandemia de covid-19, superou preocupações básicas do ser humano como ter moradia, comida no prato e uma vida minimamente estruturada: medo da morte. Ou melhor explicando: em determinada cena de "White Noise", filme de Noah Baumbach, estrelado por Adam Driver e Greta Gerwig, que abriu oficialmente na noite desta quarta a 79 edição do Festival de Cinema de Veneza, o personagem de Driver diz, em linhas gerais, à sua mulher (Greta): "Estas catástrofes só atingem quem é pobre". Aos mais remediados, o medo existencial da morte é algo que realmente assombra. Mas e quando este medo, mais que teórico, torna-se palpável?
A catástrofe em questão (à qual o personagem de Driver se refere) é uma nuvem tóxica que pode matar a todos que forem expostos a ela. Isso porque um caminhão carregando a substância tóxica se chocou a um trem próximo do bairro pacato, bucólico e tipicamente de classe média norte-americana em que o professor Jack Gladney (Drive) e a professora Babette (Greta) vivem com os quatro filhos. A nuvem carregada de material mortal, no entanto, atinge em cheio a vizinhança e eles são obrigados a fugir sem tempo de nem mesmo fazer as malas. No acampamento em que se alojam na primeira noite, pessoas de máscara, muito desencontro de informação e a incerteza diante do fato de que as autoridades responsáveis não respondem aos fatos e nem mesmo há certeza de nada.
"Eu li romance de DeLillo no começo da pandemia e o assunto me pareceu muito próximo ao que estávamos vivendo", disse o diretor Baumbach em coletiva de imprensa sobre a ideia de adaptar o romance do autor Don DeLillo, que se passa nos anos 1080 para o cinema. Driver, que vive este professor especialista em Hitler em um colégio local, concordou que a experiência da pandemia fez com que a equipe estivesse mais próxima de temas como pensar na morte e a estar próxima de coisas como "o uso da máscara". "Sem contar a postura do pai, que faz tudo para que, diante da família, tudo pareça normal e faz questão de no último jantar, quando a catástrofe já está instalada, quer comer até a sobremesa."
A questão principal de "White Noise" não é a catástrofe em si, que em determinado momento passa, mas o saldo que ela deixa. Jack passa de fato a enfrentar a presença e a ameaça da morte, que, apesar de não saber quando, virá, pois ele foi exposto ao material tóxico. Já Babette, que sofria antes de paúra da morte e até comprimidos tomava, tem de enfrentar também a questão real de que morrer é um fato. Se antes da catástrofe ela não queria morrer antes do marido por medo do vazio que a vida se tornaria depois que os filhos crescessem, partissem e a casa ficasse vazia, depois do incidente passa a realmente temer que o marido parta antes dela.
Em meio a tudo isso, os diálogos verborrágicos já típicos do cinema de Baumbach (haja vista "Histórias de um Casamento", "Francis Ha", entre outros) atingem o ápice. A questão existencialista de "White Noise" pode até parecer supérflua em um mundo em que outras questões mais urgentes (como as de moradia, alimentação, trabalho digno, entre outros já citados) já foram superadas pela classe média culta, próspera e branca norte-americana, que vê no supermercado uma espécie de paraíso.
Mas o medo da morte é universal e talvez os laços que estabelecemos, seja com amigos, a família e os parceiros de trabalho, sejam a única saída para aplacar a ansiedade que a ideia causa. Com estreia prevista para final de dezembro na Netflix, "White Noise" é exacerbado, verborrágico, prolixo e extremamente neurótico, mas, para além das características que definem o cinema de Baumbach, ou talvez exatamente por elas, reflete como poucos filmes os tempos neuróticos em que vivemos.
A recepção positiva, mas não efusiva em Veneza, pode até sinalizar para um filme morno para abrir uma grande festa cinematográfica, mas o tema e o caráter do filme se revelam perfeito para tempos pós-pandêmicos, em que a grande maioria já abandonou as máscaras nas salas de cinema, mas também em que alguns poucos mais cuidadoso (ou tidos com neuróticos) insistem em usá-las e lembrar a todos que a morte é uma constante e que paira, literalmente, no ar.
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