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Flavia Guerra

REPORTAGEM

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Veneza: Timothée Chalamet vive canibal em busca do amor em "Bones and All"

Taylor Russel e Timothée Chalamet estrelam "Bones and All", road trip de descoberta do amor e de seu lugar no mundo, em meio a um história de canibalismo - Divulgação
Taylor Russel e Timothée Chalamet estrelam "Bones and All", road trip de descoberta do amor e de seu lugar no mundo, em meio a um história de canibalismo Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

02/09/2022 14h00

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Um filme sobre o rito de passagem da adolescência para a vida adulta, sobre se sentir sozinho, isolado e sobre o processo de encontrar sua turma e também o amor. "Bones and All", novo longa do italiano Luca Guadagnino estrelado por Timothée Chalamet e a, até então, anônima Taylor Russel, é tudo isso. Com o pequeno detalhe de que os dois jovens vividos por eles são canibais. Ou seja, o filme, que em português poderia ter o tosco nome de "Com osso e tudo", leva o sentimento de inadequação que marca a adolescência às últimas consequências.

Ela é Maren. Aos 18 anos, ela é abandonada pelo pai, que a criou depois que a mãe desapareceu quando ela ainda era um bebê e sobre quem ela não sabe absolutamente nada. Na estrada em busca de respostas e de seu lugar no mundo, ela conhece outro "como ela", um jovem que tem a mesma fome que ela tem. E por esta fome que, na verdade, também os devora emocionalmente, entenda-se o desejo incontrolável por carne humana. Eles caem na estrada, têm fome de viver, de descobrir o mundo, seu lugar no mundo. Têm também muita culpa, muitos traumas e muitas dúvidas.

Neste road movie sangrento, mas também romântico, como numa história sobre a descoberta do amor, o canibalismo surge como uma metáfora explícita de tudo que desejamos, do que somos, de quem somos e não é aceito, não adequado, condenado pela sociedade, mas que é parte de nosso caráter e mais forte do que nós.

Chega a ser uma ironia do destino que o segundo filme de Guadagnino desde de "Me Chame Pelo Seu Nome", de 2017 (em 2018, dirigiu o sombrio "Suspiria", remake do clássico de Dario Argento). Isso porque um dos protagonistas de "Me Chame" é Armie Hammer (Oliver), com quem o garoto Elio (Chalamet) descobre o amor. Hoje ostracizado e longe dos sets, Hammer é acusado, além de violência sexual, de ter fantasias sexuais envolvendo, entre outras práticas, justamente o canibalismo.

Taylor Russell e Timothée Chalamet em busca de seu lugar no mundo, do amor e do que aplaca sua fome em "Bones and All" - Divulgação - Divulgação
Taylor Russell e Timothée Chalamet em busca de seu lugar no mundo, do amor e do que aplaca sua fome em "Bones and All"
Imagem: Divulgação

Polêmicas à parte, quem entrevistou a equipe do filme nas rodadas de entrevistas em mesas redondas e individuais durante o festival, foi lembrado ( como é costume em todos os filmes, aliás) de se ater ao assunto do filme em si. Portanto, Hammer não foi um assunto trazido e abordado por Guadagnino. Nem mesmo na coletiva de imprensa realizada na tarde desta sexta, cujo tom foi marcado pela simpatia dos jornalistas com a equipe e por perguntas que giraram muito em torno dos desafios de crescer e amadurecer no mundo contemporâneo e de descobrir quem se é e sua turma.

"Bones and All" é uma adaptação do livro homônimo da autora Camille DeAngelis, que escreveu o roteiro em parceria com David Kaiganich (que também assina os roteiros de "Suspiria" e "A Bigger Splash", de 2015) e se passa nos anos 1980, durante o governo de Ronald Reagan nos Estados Unidos. Quando Guadagnino recebeu a ideia de Kaiganich, viu na história a possibilidade perfeita para tratar de temas que lhe são caros: os que vivem à margem da sociedade, amor e desejo ("Me Chame" e "A Bigger Splash", aliás, integram a "Trilogia do Desejo", completada por "Eu Sou o Amor", de 2009).

"Tenho fascínio pelos que são excluídos, desajustados, que vivem marginalizados. Estes personagens me conquistam. O filme é sobre a jornada emocional destes jovens, sobre quem eu mesmo sou, sobre quem a gente é e sobre nossas possibilidades e impossibilidade", declarou o diretor em seu texto oficial sobre o filme. "Mas será que a gente consegue encontrar nosso lugar no mundo, será que a gente consegue viver com o que somos e o que não conseguimos controlar em nós?", completou o diretor quando também questionado sobre o que o faz sentir que está em seu lugar no mundo.

"Me sinto eu mesmo e estou em meu lugar quando filmo, quando trabalho com amigos talentosos que são um raio de luz na minha vida, que contribuem tanto e hoje, como nesta mesa, fazem parte de minha família."

"Tenho fascínio pelos que são excluídos, desajustados, que vivem marginalizados. Estes personagens me conquistam. O filme é sobre a jornada emocional destes jovens, sobre quem eu mesmo sou, sobre quem a gente é e sobre nossas possibilidades e impossibilidade", diz o diretor Luca Guadagnino - Divulgação - Divulgação
"Tenho fascínio pelos que são excluídos, desajustados, que vivem marginalizados. Estes personagens me conquistam. O filme é sobre a jornada emocional destes jovens, sobre quem eu mesmo sou, sobre quem a gente é e sobre nossas possibilidades e impossibilidade", diz o diretor Luca Guadagnino
Imagem: Divulgação

Chalamet, que do predestinado Paul Atreides de "Duna" surge agora como o errante Lee em "Bones and All", comentou que se sente que seu lugar no mundo é ter crescido em Nova York, na família em que cresceu, com a convivência com a avó materna, que faleceu há pouco, e fazer cinema.

Estar isolado, para o jovem astro, cujo imenso fã clube tumultuou o Festival de Veneza nesta sexta, o sentimento de isolamento veio forte na Pandemia. "A gente precisa de contato para entender quem a gente. Na pandemia, estávamos todos longe, isolados. Senti muito isso durante este tempo pandêmico", declaro o ator de 25 anos.

Chalamet é da geração Z e entende muito bem o que é também ser julgado, condenado e excluído pelo que se é e pelos erros que se comete. "Eu só posso falar pela minha geração, mas ser jovem hoje é ser intensamente julgado. Não consigo imaginar o que é crescer com as mídias sociais. Foi um alívio interpretar personagens que estavam vivendo seus dilemas internos sem ter a possibilidade de ler sobre isso no Twitter, Instagram, Tik Tok enfim, onde eles se encaixam. Sem jugar porque também se pode descobrir sua turma nestas redes, mas, acho que é duro estar vivo hoje. O colapso suicida está no ar, a gente pode sentir isso. E, sem querer ser pretencioso, mas é por isso que este filme é importante porque este é o papel do artista, jogar luz e falar do que está acontecendo no mundo", afirmou o ator.

Dito isso, "Bones and All" é ousado ao escolher uma metáfora gráfica, explícita e extrema (o canibalismo) para se tratar do que somos e sentimos e que também nos define, mas que não é aceito pela sociedade. O estilo preciso e elegante de Guadagnino se mantém, o elenco, que também conta com Mark Rylance e Chloé Sevigny, é ótimo. Afora o exagero do canibalismos em cenas que beiram o cinema de horror, mas este se dilui em uma narrativa que contrapõe sequências solares e típicas do romance adolescente, afinal se trata de um coming of age movie (ou filme de rito de passagem), em que, como já dito, descobrir quem se é, como se é, que caminho seguir e quem é nossa tribo são o coração da história. A geração Z certamente vai se apaixonar.