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Ricardo Darin: "Quem pensa diferente pode ser adversário, mas não inimigo"
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Para Ricardo Darín, astro de "Argentina, 1985", que estreia na Amazon Prime, a história da América Latina é cíclica e diferente do restante do mundo. "Com as interrupções militares, que nos destruíram conscientemente. É necessário o exercício da democracia de forma pacífica. Estamos sempre andando em ciclos, à mercê dos movimentos. Somos muito jovens. Precisamos transitar e transitar para perceber que temos de lutar contra a intolerância", disse o ator em entrevista ao UOL durante o Festival de Cinema de Veneza, quando o filme teve sua première mundial.
"É razoável que existam pessoas que pensem diferente. Mas o que não é compreensível é 'se você pensa diferente de mim, você é meu inimigo'. Quem pensa diferente pode ser adversário, mas não inimigo. Porque temos a obrigação de olhar de forma vamos para um lugar melhor como povo", acrescentou o ator, que vive no filme o procurador Julio Strassera, responsável pelo caso que processou os militares por seus crimes durante a Ditadura Militar argentina, que durou de 1976 a 1983) e que deixou cerca de 30 mil desaparecidos.
O caso, que ficou conhecido como o "Juicio de 1985", é complexo e foi preciso reunir uma equipe de jovens profissionais, que não tinham medo das represálias que ainda poderiam sofrer em um tempo em que os militares ainda tinham muito poder político na Argentina. O grande trunfo do diretor Santiago Mitre é contar esta história com profundidade suficiente para transmitir os riscos que Strassera, seu assistente Luis Moreno Ocampo (Peter Lanzani) e a jovem equipe sofriam, mas com leveza e humor para que nem tudo fosse informação histórica e/ou um típico "filme de tribunal".
"Argentina, 1985" não é um filme disruptivo na linguagem. É até clássico e convencional. Sua ousadia está justamente em sua aparente normalidade. Ao contar este episódio tão crucial da história contemporânea não só argentina mas de toda a América Latina com linguagem acessível a todos os públicos, Mitre não corre o risco de levar apenas uma indicação ao Oscar de Filme Internacional em 2023, mas consegue o feito de encantar, e sensibilizar, desde os espectadores mais politizados até os tradicionais defensores da ideia de que as ditaduras militares foram justas, benéficas e que não houve crimes e/ou corrupção durante a duração de tais governos em todo o continente latino-americano.
Ao contrário do Brasil, que declarou a Lei da Anistia em agosto de 1979, passando a tão tradicional borracha do "deixa disso" brasileira e jamais julgando os crimes cometidos durante a Ditadura militar (que durou de 1964 a 1985, com a eleição indireta do civil Tancredo Neves), a Argentina, desde o primeiro julgamento retratado no filme, está hoje julgando e condenando os culpados pelas atrocidades que envolvem assassinados, ocultação de cadáveres, prisões, estupros, roubo de bebês, tortura, entre outros, como observa a atriz Alejandra Flechner em entrevista ao UOL, que no filme vive Silvia, a mulher de Strassera.
A julgar por "Argentina, 1985", a corrida do cinema latino-americano ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro 2023 será acirrada. Se "Bardo", de Alejandro Inãrritu pode representar o México, "Marte Um" ainda está no páreo para concorrer pelo Brasil e o colombiano "La Jauría" também tem chances. Mas o filme de Santiago Mitre é feito na medida para a premiação. Tem autoria suficiente para se reconhecer o estilo do diretor, mas universalidade para dialogar com o mundo todo, que vê atualmente movimentos de direita ganharem cada vez mais espaço na política e no imaginário das populações, que chegam a defender a volta dos governos militares e até mesmo de regimes ditatoriais.
Pode parecer óbvio, mas vivemos tempos em que é preciso, como nunca, falar do óbvio. Neste contexto, é clichê afirmar, mas "Argentina, 1985" é um filme mais que necessário.
Confira mais sobre o filme e o processo de recriação desta história, além da importância de contá-la aos espectadores mais jovens, no vídeo, em que Darín, Lanzani, Flechner e Mitre conversam com Flavia Guerra.
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