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Confira destaques da Mostra SP que revelam o novo cinema latino-americano
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A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo é sempre motivo de festa para os cinéfilos mais apaixonados. Mesmo em tempos de streaming e em que o cinema ainda luta para recuperar o público que deixou as salas durante a Pandemia, a Mostra SP segue lotando suas salas e sendo um farol do que de novo, inovador e instigante o cinema do mundo, incluindo o brasileiro, tem produzido.
Na lista dos filmes desta segunda-feira, dia 24, e buscando os filmes que não venceram necessariamente uma Palma, um Urso ou um Leão de Ouro (os principais em Cannes, Berlim e Veneza, respectivamente), mas que receberam prêmios nestes festivais e revelam novas apostas e talentos da América Latina, destaque para o ousado costa-riquenho "Tenho Sonhos Elétricos", de Valentina Maurel.
O filme, que marca a estreia de Valentina na direção de longas, recebeu os prêmios de Melhor Direção, Melhor Atriz, para Daniela Marín Navarro, e Melhor Ator, para Reinaldo Amien Gutiérrez, no Festival de Locarno, um dos principais festivais de cinema do mundo, além de uma das principais janelas para o cinema inventivo, que sai do comum, do circuito internacional.
A trama conta a história de Eva, uma jovem de 16 anos, inquieta e de temperamento forte e com olhos atentos para a realidade. Ela mora com a mãe, sua irmã mais nova e seu gato. Depois do divórcio dos pais, a família de Eva está ainda desorientada, assim como o gato, que faz xixi em tudo quanto é lugar da casa. Em pé de guerra com a mãe, ela decide ir viver com o pai, com que se descobre que, na verdade, não tem muita intimidade. Ele, como tantos, vive uma adolescência tardia, quer voltar a investir em seu sonho de ser um artista, está tão desorientado feito o gato e as filhas. Eva, em meio a isso, tenta construir uma relação de amor com o pai, apesar da raiva. "Tenho Sonhos Elétricos" é um desses filmes de rito de passagem da infância para a vida adulta, mas tem frescor, tem vida e uma energia ímpar.
O longa tem sessão nesta segunda, às 18h20, no Espaço Itaú Frei Caneca, e no dia 31, às 18h, no Espaço Itaú de Cinema Augusta.
Ainda na América Latina, mas viajando para o México, chega "Las Hostilidades", de M. Sebastian Molina, que competiu no Festival Internacional de Documentários de Amsterdã (IDFA), um dos mais importantes festivais de documentários do mundo.
Projeto de conclusão do curso de cinema no Centro de Capacitación Cinematográfica, "Las Hostilidades" parte de uma perspectiva intimista, a da família do diretor, para se tratar também da questão da violência, falta de perspectiva dos jovens mexicanos e das tensões entre os cartéis e a polícia. Semelhanças com a realidade brasileira não são, infelizmente, mera coincidência, uma vez que toda América Latina sofre historicamente com a falta de projetos e políticas públicas de educação e desenvolvimento para sua juventude.
Para realizar com rapidez, baixo orçamento, mas também proximidade com o tema, Molina decidiu filmar na pequena cidade de Santa Lúcia, onde sua família vive e onde a violência e a criminalidade aumentaram significativamente nos últimos anos. Ao retratar o cotidiano de dois de seus primos, Israel e Omar, Molina filma com estilo solto, por vezes "sujo", desfocado, com pouca luz, mas com muita verdade. Esta aparente precariedade estética é, na verdade, estilo consciente de fazer com que o espectador mergulhe nas vidas, casas e mentes dos personagens, que também conversam com o diretor e filosofam sobre a dicotomia entre estar parado no tempo, mas ter visto a pequena cidade mudar tanto (muitas vezes para pior).
"As Hostilidades" está disponível online gratuitamente na plataforma Sesc Digital a partir desta segunda até 02 de novembro (ou até alcançar o limite de 1500 visualizações). Para assistir, basta clicar aqui. Para quem quer ver o filme na telona, tem sessão nesta terça, às 20h15 no Museu da Imagem e do som.
É do México que também chega "Dos Estaciones", de Juan Pablo González, que levou o prestigiado Prêmio Especial do Júri de atuação para Teresa Sánchez na seção World Cinema Dramatic do Festival de Sundance, um dos mais importantes festivais de cinema independente do mundo, nos EUA.
A trama se passa na lendária Jalisco, famosa em todo mundo por suas tequilas, e conta a saga de Maria Garcia (Teresa) tem 50 anos e é a proprietária da Dos Estaciones, uma fábrica de tequila decadente que já conheceu seus tempos áureas. Retratando também um fenômeno que atinge a sociedade mexicana atual, o filme retrata a luta de Maria Garcia para se manter ativa e preservar a história e o pouco que resta do ofício e da maestria de gerações de fábricas de tequila de propriedade mexicana. As fábricas que ainda restaram foram vendidas para grandes empresas internacionais. Antes uma das pessoas mais ricas da cidade, Maria tem hoje uma situação financeira insustentável. Quando uma praga e uma inundação causam danos irreversíveis na plantação, ela se vê forçada a fazer tudo o que pode para salvar a principal fonte de economia e orgulho de sua comunidade.
Entre os produtores de "Dos Estaciones", está a brasileira Bruna Haddad, que contou ao Plano Geral Podcast que o roteiro tem muito da própria experiência do diretor, cuja família também é produtora de tequila em Jalisco. A intimidade com o tema, o tom que tem visual de "cinemão", mas não deixa de ser autoral são perceptíveis. Não se trata de uma super produção como "Bardo", de Alejandro Iñarritu, que representa o México na corrida ao Oscar de Melhor Filme Internacional 2023, mas "Dos Estaciones" se comunica muito bem com o grande público e merece estrear em circuito comercial no Brasil.
O filme tem sessões nesta segunda, às 16h30 no Cine Marquise, e na quarta, às 17h, no Circuito SPCine - Biblioteca Roberto Santos.
O último destaque vai para uma coprodução entre México e Argentina: "Manto de Joias", da boliviana Natalia López Gallardo, que levou o Prêmio do Júri (que poderia ser chamada de a "medalha de prata"). no Festival de Berlim 2022, em fevereiro.
Com linguagem seca, rigorosa, em um cenário mexicano tão árido quanto, Isabel acaba deixa a cidade grande com seus dois filhos e decide para a casa de campo de sua família, há muito pouco usada, praticamente abandonada. Em meio à dor e à nostalgia, Isabel também encara a violência que aflinge o intior do país. "Manto de Joias" é um filme de mulheres, sobre mulheres, em meio a este mundo inóspito, mas que encaram esta violência com sobriedade e coragem. Há um pacto de sobrevivência e cooperação entre elas depois que Isabel descobre que a irmã da empregada e governanta da casa, María, está desaparecida. Ela, então, oferece ajuda para encontrar a irmã. Em paralelo, o outro lado do poder local, a da polícia, também sofre com a violência. E isso se materializa na personagem de Roberta, a comandante responsável pelas investigações do caso, cujo filho caiu na mão dos dos cartéis, verdadeiro poder paralelo no México de hoje. O filme tem sessão nesta segunda, às 18h30 no Espaco Itaú de Cinema, e amanhã, terça, às 18h40 no Cine Marquise.
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