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No cinema, Erasmo também surpreendeu, fugiu do óbvio e mirou o futuro
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"O Futuro Pertence à Jovem Guarda". O nome do último álbum de Erasmo Carlos, que deu a ele o Grammy Latino de Melhor Álbum de Rock no último dia 17 poderia muito bem resumir a trajetória do músico que sempre esteve interessado no futuro. Mas não em um futuro utópico que ainda não chegou e sim no futuro de agora, no que de novo, de revolução, principalmente cultural e de costumes, há.
Se na música e na vida Erasmo sempre foi assim, no cinema também. O final de sua carreira no cinema prova que, mesmo não sendo contar histórias nas telas seu foco principal, esteve sempre aberto ao que de novo e ousado surgia. Tanto que seu último filme vai ficar marcado como a comédia jovem "Modo Avião", em que vive Germano, o avô de Ana (Larissa Manoela).
No filme em idioma não inglês mais visto da Netflix (o que não é pouco!), ele é um avô fora dos padrões, que vive meio isolado no interior, para onde a neta, uma digital influencer viciada em redes sociais, vai passar uma temporada meio forçada e onde não há, para terror de todo adolescente, internet! Mecânico cheio de idiossincrasias mas também com sabedoria para se adaptar ao futuro que a neta traz consigo, ele também ensina muito a ela sobre o valor do tempo presente e da vida real, que pode ser boa, mesmo sem internet.
Ele também viveu um avô moderno e afetuoso em seu melhor papel, o José, de "Paraíso Perdido" (disponível também na Netflix). Dirigido por Monique Gardenberg, o longa traz Erasmo na verdade como um pai de uma grande família nada convencional, mas em que o amor transbordava, a família da boate "Paraíso Perdido". Nada mais Erasmo. O Tremendão sempre cheio de amor comandava este cabaré decadente, com neon, veludo, frequentadores dos mais convencionais aos mais esquisitos, e talentos como Imã (o apaixonante Jaloo), que é neto de José e sempre sofre ataques homofóbicos e transfóbicos.
José não julga Imã. Ele ama e sabe do talento do neto e de toda sua família. Para proteger Imã, contrata um policial, Odair (Lee Taylor), que chega cheio de amarras e preconceitos, mas também se apaixona por esta família nada ortodoxa, formada por Angelo (Júlio Andrade), Eva (Hermila Guedes), o filho adotivo Teylor (Seu Jorge), além dos netos Celeste (Julia Konrad) e Imã (Jaloo). No elenco, também estão outros nomes fortes como Marjorie Estiano, Humberto Carrão e Lee Taylor, mas é Erasmo quem mais brilha nesta boate cintilante criada por Gardenberg, um microcosmo em que o amor reina.
"Paraíso Perdido" é kitsch, é exagerado, é um musical romântico, barroco e brega como o Brasil, mas traz em si uma rebeldia essencial contra tudo que é convencional e convencionado. É como Erasmo. É uma ode muito brasileira à compreensão, ao amor sem julgamentos, sem fronteiras, aberto ao novo e ao futuro em tempos em que o presente anda muitas vezes para trás e mira o passado castrador e machista que Erasmo combateu seja com a Jovem Guarda seja até mesmo com a parceria que fez com a mulher Narinha em "Mulher (Sexo frágil)", primeira canção do disco homônimo gravado em 1981.
A tendência é sempre lembrar dos papéis mais recentes dos artistas que nos deixam, obviamente. Mas também tendemos a nos lembrar dos clássicos que muitas vezes cristalizam a imagem de atores, cantores e artistas. Entre um caminho e outro, estava Erasmo, sempre de coração aberto. Nos espaços que encontrou entre os programas de TV e os shows, sua carreira no cinema começou com pequenos papéis em "Minha Sogra é da Polícia" (1958), em que vive o membro de uma banda que é comandada por ninguém menos que Cauby Peixoto, e em "Agnaldo, Perigo à Vista" (1969).
Mas foi ao lado de Roberto Carlos com "Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-rosa" (1970), em que vivia ele mesmo, filme misturava ficção com o tom real da Jovem Guarda e que foi a maior bilheteria do ano. Na trama, um mix de ação e comédia, Roberto, Erasmo e Wanderléa fazem estão em turnê pelo Japão quando ela compra uma pequena estátua. Mas o souvenir contém um mapa secreto e cifrado e, por isso, eles passam a serem perseguidos por uma gang internacional. Para acudi-los, surge um samurai super poderoso. Em seguida, veio "Roberto Carlos a 300 Quilômetros Por Hora" (1971), no qual Erasmo dá um passo adiante e interpreta Pedro Navalha, que ajuda o amigo Lalo (interpretado por Roberto) a criar uma equipe de automobilismo improvisada.
Nos dois longas, o grande Roberto Farias traduziu perfeitamente a rebeldia de uma geração que, mesmo sem trazer o discurso do engajamento político de outros artistas da contracultura, exigia revolucionar os costumes, escolher suas próprias roupas, seus amores, suas lutas, seu cabelo, sua maneira de viver e experimentar o amor e o sexo. Foi uma explosão de um cinema pop, que dialoga com o público jovem, que, à maneira hollywoodiana, também se desdobra em álbuns com suas trilhas sonoras e até em outros souvenires.
Mas, sempre atento ao novo, Erasmo foi além do cinema pop e se arriscou em projetos mais ousados como "Os Machões" (1972), de Reginaldo Farias. O papel de Teleco lhe rendeu o Troféu APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de Melhor Ator Coadjuvante do ano melhor coadjuvante do ano e provou (se é que prêmios provam algo) que Erasmo era ator versátil e que podia construir uma carreira também nas telas.
Ousando mais uma vez e não correspondendo aos rótulos, em 1984, atuou no infantil "O Cavalinho Azul", em que vivia o Cowboy. Dirigido por Eduardo Escorel (hoje um dos maiores nomes do cinema brasileiro), o filme é baseado na peça homônima de Maria Clara Machado.
Mas a música, sempre ela, era sua prioridade. E participações esporádicas deram o tom à sua trajetória no cinema. Vê-lo brilhar, sempre de jeans, sempre com os looks mais atuais, sem deixar de ser o Erasmo sempre amoroso, em "Paraíso Perdido" encheu os cinéfilos e até os críticos mais mal humorados de amor. Não há um que não se derreta pelo vô José. Se as novas gerações o veem como o vô da Larissa Manoela, que "Modo Avião" seja a porta para mergulharem no universo musical e também visual de um dos maiores artistas brasileiros.
Para conhecê-lo um pouco mais, uma cinebiografia e um documentário estão nas telas do streaming. Em "Minha Fama de Mau'', de 2019, Chay Suede vive o Tremendão. Dirigido por Lui Farias (filho de Roberto Farias), refaz a trajetória do ídolo do rock.
Para quem ama documentários, na Globoplay, o bem construído "Erasmo 80", (2021) de Monica Almeida, foca principalmente em sua trajetória na música, com imagens raras e outras inéditas, em que o pioneiro do rock brasileiro assiste a várias cenas cruciais de sua vida, e da vida brasileira, e as comenta, em um tom de reflexão que celebra também sua trajetória. Cenas de Erasmo cantando na sala de casa, conversando com Pedro Bial e descobrindo uma carta que Caetano Veloso escreveu a ele e a Roberto Carlos parabenizando pela composição de "Meu Nome é Gal" fazem deste um filme, mais do que nunca, imperdível.
É pena que seu lado ator não foi explorado no filme, pois seria também divino maravilhoso ouvi-lo contar mais sobre cinema. Mas seus filmes ficam, para nos lembrar que Erasmo foi, mais que tudo, um artista, cheio de amor e que o futuro sempre pertenceu a ele.
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