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Ao lado de Jennifer Lawrence, Brian Tyree Henry brilha em "Passagem"
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"Passagem" ("Causeway") é um destes filmes cuja trama, assim como o próprio lançamento da obra, que foi discreto e ocorreu diretamente na Apple TV+, vai envolvendo aos poucos, com um ritmo que toma o tempo necessário para que a história se desenvolva e o espectador embarque na trajetória de Linsey (Jennifer Lawrence) e James (Brian Tyree Henry).
Por diversas razões, o longa tem ganhado cada vez mais atenção e crescido nas apostas da temporada de premiações do cinema de 2022, que começa hoje com a entrega do Gotham Awards, prêmio dado aos melhores filmes do cinema independente norte-americano, que será entregue na noite desta segunda em Nova York. Mas um dos principais motivos é a presença forte e tranquila de Henry. Não por acaso, o ele foi indicado ao Gotham 2022 de Melhor Ator Coadjuvante e já é apontado como um dos nomes fortes para a indicação ao Oscar 2023 na mesma categoria. Nascido na Carolina do Norte, ele já conquistou indicações ao Emmy 2017 por sua participação em "This is Us" e em 2018 pelo seu papel de Alfred "Paper Boi" Miles na série "Atlanta", além do Tony 2018 por sua atuação na peça Lobby Hero, na Broadway.
Se a indicação ao Oscar vier, vai ser justiça a uma carreira construída com base em boas escolhas e cuidado, que enfatiza projetos que podem até ser comerciais, mas com roteiros bem construídos e personagens que dão espaço para Henry mostrar sua versatilidade.
Em "Passagem", ele é o contraponto e o complemento de Jennifer Lawrence. A direção da estreante em longas Lila Neugebauer (de "Maid") é competente e surpreende pela maturidade, mas é principalmente a boa troca entre os dois atores que fazem do filme uma história extraordinária, mesmo em meio a um mundo ordinário.
É Henry quem se destaca em um filme que é aparentemente sobre amizade e superação de traumas, mas que, em sua essência, trata do luto e do quanto é importante se dar o devido tempo para se vivê-lo plenamente em todas as fases, algo que, em nossa sociedade cada vez mais frenética, muitas vezes não ocorre. É o encontro, mas também a colisão, de dois lutos que faz com que a humanidade da história se revele. E o ator é grande responsável por isso.
Na trama, a atriz vive a engenheira militar Lynsey, que depois de sofrer um trauma cerebral em um acidente em uma missão no Afeganistão, tem de voltar a New Orleans, sua cidade natal, e completar um longo processo de recuperação antes de decidir o que fará no futuro. Sua desconexão com a cidade, a família e a nova rotina é tamanha que a própria mãe confunde o dia em que ela vai voltar para casa e Linsey tem de pegar um ônibus da rodoviária.
Sem grandes discussões entre elas, entendemos que esta desconexão vem de sempre e que Linsey tem seus motivos para querer estar sempre o mais longe possível de sua casa e da cidade quente, úmida e sufocante. Mas, entre sequelas que vão de pequenos ataques de pânico a esquecimentos e perda de controle sobre os movimentos, ela é obrigada a ficar "de molho" e o único trabalho que suporta fazer é o de limpar as piscinas das casas luxuosas da cidade.
Em um dos primeiros dias de trabalho, a velha caminhonete da família que ela dirige pifa. É então que ela conhece o mecânico James (Henry). Imediatamente, há química entre os dois, há um silêncio que os dois gostam de desfrutar ao lado do outro, há conversas que vão além do 'easy talk" (ou a conversa para puxar assunto), há cumplicidade. Conforme vão se conhecendo, entendem que mais do que as personalidades, há um luto, uma perda, uma melancolia que os une.
Assim como Linsey, James carrega um grande trauma, que teve seu ápice em um grave acidente de carro em que ele estava ao volante, mas que também começou muito antes do episódio. O roteiro, escrito por Ottessa Moshfegh, Luke Goebel e Elizabeth Sanders, é enxuto, dando espaço para que tanto a diretora quanto os atores criem seus mundos e preencham as lacunas entre um gesto e outro.
Lila Neugebauer sabe valorizar a figura forte de Jennifer e mantém a câmera sempre atenta aos movimentos, ora lentos ora mais ansiosos, da atriz. Vencedora do Oscar por "O Lado Bom da Vida" (2012), além outras três indicações e prêmios como Globos de Ouro, entre outros, a atriz não precisa provar mais seu talento, mas ainda assim prova que, apesar de ter se tornado uma estrela e protagonizado franquias milionárias como "Jogos Vorazes", é em projetos intimistas como "Passagem" que seus olhos brilham mais.
Para viver "Linsey", personagem que marca também sua volta após um período de descanso em que também se tornou mãe, ela abriu sua própria produtora, a Excellent Cadaver, que já investe em diversos novos diretores e em um cinema com mais tempo, mais calma, mais histórias "pequenas" como a de "Passagem". Jennifer participou do processo de teste e escolha do elenco coadjuvante e, claro, da escolha de Henry, que já era colega de faculdade da diretora Lila.
Já Henry também admirava Jennifer e a possibilidade de trabalhar com ela em um filme tão intimista o seduziu logo de início. Em conversa com o Splash UOL, ele contou que ter tempo e espaço para tratar de questões tão aparentemente pequenas e não cinematográficas (pelo menos não visualmente em termos da "Grande Hollywood"" foi decisivo para aceitar o papel do mecânico James.
"Linsey volta de uma guerra depois de sofrer um ferimento na cabeça que mudou completamente sua vida. Ela volta para casa, seja qual for, em que é uma estranha. E temos James, que também sofreu uma grande perda, mas nunca partiu. Ele ficou em casa", comentou o ator. "Eu sempre fui fascinado pela forma como lidamos com nossos lutos. Cada cultura tem sua forma, seus rituais, mas o que nos conecta a todos é que há uma perda, há uma dor, há um anseio por algo mais, mas que não precisamos cobrir nossa dor, nossas rachaduras. Há algo que nos conecta para além de tudo. James e Linsey entendem que não são mártires de suas dores, que podem se conectar a outros seres-humanos e compartilhar suas experiências."
Essencialmente, é exatamente isso que "Passagem" nos traz. Um filme simples, realizado com tempo, cuidado, que chega sem fazer grande alarde e conquista pela sua simplicidade e honestidade. Cinema assim, honesto e humanista, é sempre bem-vindo e que sua carreira na temporada de premiações comprove que ainda há espaço para filmes sobre as velhas, mas sempre eternas, questões humanas.
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