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Deslumbre visual com trama clássica, 'Avatar 2' é para ser visto no cinema
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2023 em um mundo pós apocalipse pandêmico, pós crescimento exponencial do streaming, pós tudo. O que ainda nos leva ao cinema além da paixão de ver um filme em uma sala escura, em um misto de experiência coletiva e pessoal? A batalha para se retomar o mercado de exibição que sofreu duros golpes nos últimos anos ganha um combatente de peso nesta semana que começa a fechar o ano cinematográfico: 'Avatar - O Caminho da Água'. É o filme espetáculo que justifica os incômodos óculos 3D, a ida ao cinema e, claro, o valor do ingresso.
É o cinema da experiência, de encher os olhos, de imersão (com o perdão do trocadilho com o universo aquático desta sequência). James Cameron passou oito anos, desde o lançamento de "Avatar" em 2009, trabalhando no roteiro das sequências (estão previstos Avatar 3, 4 e 5) e aguardando que a tecnologia avançasse para que pudesse levar o universo de Pandora para o fundo do mar. No quesito "prêmios técnicos" (vem Oscar aí), o resultado é impecável e o tempo esperado só fez bem a um projeto tão ousado. Já em questão de trama e roteiro, há alguns pontos que, talvez pela própria natureza um tanto barroca das histórias contadas por Cameron, não havia tempo que pudesse mudar muito o rumo da prosa.
Cameron é um diretor apaixonado, e derramado, por suas histórias e universos que cria. De "Titanic" (1998) a "O Segredo do Abismo" (1989), passando por "O Exterminador do Futuro" (1984)e "True Lies" (1994), ele não economiza no tom, não é minimalista, explora a narrativa e a jornada clássica do herói e/ou da heroína e muita vezes pesa a mão em diálogos que beiram o clichê. Então, quem é fã de seu cinema e já viu "Avatar" sabe em que universo está mergulhando quando entra para ver "Avatar 2".
A seu favor, esta paixão pode parecer exagerada, mas jamais soar falsa ou apenas truque de roteiro e/ou de marketing. Cameron não só é um apaixonado deslumbrado, com toda razão, pelo ecossistema marinho como é pesquisador e mergulhador. Integra a "Avatar Alliance Foundation" (que tem como principais atividades a conscientização sobre o aquecimento global, a exploração da energia, o desmatamento, os direitos dos povos originários, além da conservação dos oceanos e da vida animal no Planeta).
Em 2017, o cineasta produziu o curta "What Would the Ocean Say?" (O que o oceano diria?), que teve narração de Zoe Saldaña e estreou na ONU durante a Conferência dos Oceanos. Em 2021, foi um dos produtores da série "O Segredo das Baleias", filmada em regiões de todo o mundo e que retrata baleias de diversas espécies e os desafios que enfrentam em um mundo que cada vez mais destrói os oceanos. A narração, não por acaso, é de Sigourney Weaver. Isso sem contar que é explorador reconhecido pela National Geographic.
Sua relação com o mar é tamanha que ele trabalhou exaustivamente para que a autenticidade fosse a maior possível ao criar o universo marinho de "Avatar 2". O cineasta canadense (formado, aliás, em física) fez questão que todo elenco principal tivesse aulas de mergulho e aprendesse a segurar a respiração por mais de cinco, seis minutos embaixo d'água. Kate Winslet e Sigourney Weaver bateram a marca do próprio Cameron e a estrela de "Titanic" alcançou a marca de 7min14 segundos sem respirar (conforme contou em entrevista ao site IMDB).
Tudo isso é para termos ideia do quanto é genuíno e profundo o envolvimento emocional e científico com o tema maior deste novo filme. Seu trabalho com pesquisa marinha já o levou para um dos pontos mais extremos da Terra. Em 2012, quando esta colunista cobria em Londres, no Royal Albert Hall, a première (ultra barroca com direito a trilha executada ao vivo) de "Titanic 3D", descobriu, em entrevista com o cineasta, que ele acabara de voltar de missão às Fossas Marianas (o ponto mais profundo da Terra), organizada pela National Geographic. Na época, ele comentou que a viagem fazia não só parte de sua atuação em prol do meio ambiente e dos oceanos, mas que também o aproximava do universo que queria retratar em futuros projetos.
Pode-se não amar o tom da trama do pai herói de Jake Sullivan (Sam Worthington), que repete várias vezes a obviedade que "um pai protege" (daí o grande nó górdio deste novo filme), mas é impossível não respeitar Cameron, seu projeto, suas realizações e de toda a equipe. "Avatar 2" é um deslumbre visual, uma viagem lisérgica pelo universo dos oceanos fluorescentes, um diálogo simples e honesto com o público sobre o quanto estamos dilapidando nossa "Mãe Terra" em prol da ganância, de um meio de vida que causa poluição, morte, destruição, ansiedade e que nos adoece.
A experiência, ou que podemos chamar de cinema sensorial, de viver a atmosfera de Pandora continua sendo o ponto alto de 'Avatar'. Personagens são arquetípicos no primeiro e esta lógica continua nesta sequência, com a introdução das crianças e adolescentes, que ganham o protagonismo. Se no primeiro filme, Jake é um militar que, em missão a Pandora (na verdade, uma das luas do grande planeta Polifemo), apaixona-se não só pela nativa Neytiri (Zoe Saldaña) mas por todo seu povo Na'vi, mais especificamente a nação Toruk Makto e sua profunda conexão com a natureza. De típico colonizador a serviço dos que vêem nos povos originários apenas um empecilho para a exploração dos recursos naturais de Pandora, ele passa a defensor e líder dos Na'vi e expulsa os humanos.
Na nova trama, alguns anos se passaram, Jake (já um Na'vi 100% do tempo) se tornou o grande líder Toruk Makto e Neytiri têm três quatro filhos: os adolescentes Neteyam (Jamie Flatters) e Lo'ak (Britain Dalton), além da pequena Tuk (Trinity Jo-Li Bliss) e a filha adotiva Kiri (que nasceu misteriosamente da cientista Grace Augustine, Sigourney Weaver, que também interpreta a garota). Os humanos, claro, voltam a invadir o planeta e estão em missão não só para extrair recursos mas também para transformar Pandora no novo lar da humanidade, já que a Terra está morrendo.
Novas lutas, velhos inimigos e a clássica questão do filho que se espelha no pai, mas que não é, ainda, validado por ele. Para se proteger e proteger todo o povo, a família tem de fugir para os arrecifes, onde está o povo Metkayina. Eles vivem do mar e têm barbatanas e outras adaptações que os tornam seres quase aquáticos. Kate Winslet e Cliff Curtis vivem Ronal e Tonowari, os líderes do povo do mar e seus filhos são incumbidos de ensinar tudo, inclusive a prender a respiração aos filhos de Jake e Neytiri.
Em uma trama de mais de três horas, pode parecer exagero, mas são as sequências em que os jovens, ao lado de novos amigos, descobrem o oceano as que mais encantam e fluem em "Avatar 2". A guerra iminente, o acerto de contas com os inimigos humanos, os conflitos de família fazem, claro, a trama avançar. No entanto, é nas sequências em que o "outcast" (ou desajustado) Lo'ak conhece uma criatura marinha e se conecta a ela (lembre-se de "O Segredo das Baleias") que o coração de "Avatar 2" é mais autêntico, puro e cativante.
Tudo isso empacotado não em um documentário informativo e alarmante (o que seria muito contundente, em se tratando das pautas atuais), mas sim em uma aventura "para toda a família" que é um verdadeiro passeio, uma experiência que só carece de odor e tato (quem sabe até o paladar) para completar a vivência quase real.
Se assim, com entretenimento, aventura e uma clássica história de família e das novas gerações que são o futuro, Cameron conseguir sensibilizar o público mundial, ponto para "Avatar"! Cinema é a conjunção de várias artes e, Avatar é cinema que enche os olhos, as telas e, tomara, encha os cinemas. Obviamente que ocupar mais de 70% das telas do Brasil não é uma tática muito sustentável para todo o ecossistema diverso do cinema. Assim como ocorreu com outros blockbusters como "Doutor Estranho no Universo da Loucura" e "Animais Fantásticos", os demais filmes que estreiam nesta semana são ofuscados pelo "filme evento" da vez. Debater a cota de telas, a formação de plateia não só para o cinema brasileiro, mas também o próprio norte-americano independente, o europeu e afins, é preciso e saudável.
No entanto, se o novo longa de Cameron também servir ao cinema que vai além dos filmes de herói e universo Harry Potter, e estimular a ida ao cinema em si, mais um ponto para ele. Em um ano em que Tom Cruise e "Top Gun Maverick " (outro que, de roteiro surpreendente, também deixava a desejar) foram a salvação para este cinema fora destes dois gêneros, "Avatar" encerra a temporada coroando o bom e velho cinema de aventura.
Vale lembrar que, das maiores bilheterias de todos os tempos, "Avatar" e "Titanic" são as duas únicas originais, não adaptadas de livros ou quadrinhos. "Avatar" faturou quase 3 bilhões de dólares, aliás, e até hoje, também por conta de relançamentos, é a maior bilheteria da História. A capacidade de criar universo narrativo tem de ser reconhecida e que a saga e a paixão de Cameron siga, ao menos, inspirando jovens cinéfilos a descobrir outros universos cinematográficos para além do blockbuster (que têm seu lugar merecido e garantido). Agora, é aguardar a bilheteria de "O Caminho da Água" e a sequência, que amplia ainda mais o universo e tem previsão de lançamento em final de 2024.
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