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Análise: Brasil tem curta na corrida ao Oscar 2023, mas longa fica de fora
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A Academia de Artes Cinematográficas de Hollywood divulgou nesta hoje as listas de pré-finalistas ao Oscar 2023 nas categorias de Melhor Filme Internacional, Melhor Documentário, Melhor Curta em Live-Action, Melhor Curta-Metragem Documental, Melhor Cabelo e Maquiagem, Melhor Trilha Musical, Melhor Canção, Melhor Curta de Animação, Melhor Som e Melhores Efeitos Visuais.
Há um sabor agridoce quando se trata da presença brasileira nestas listas. Se por um lado o ótimo "Marte Um", de Gabriel Martins, ficou fora da disputa de Filme Internacional, por outro lado, a presença de "Sideral" na lista de curtas é digna de nota e a oportunidade de se discutir de uma vez por todas a questão de que "Oscar para curta também é Oscar" e é tão importante quanto para um longa.
Se na disputa a Filme Internacional, a lista continha 92 inscritos, na de curtas o número era o dobro. Ao todo, 200 filmes haviam conquistado a chancela para poder se inscrever na categoria de Melhor Curta Live Action. Destes, 15 são finalistas. Como afirmou a Academia, nesta etapa, quem vota são os membros das comissões de Curtas e de Animação.
A partir de agora, todos os mais de 6 mil membros da Academia (vários brasileiros) devem ver os pré-finalistas e votar nos finalistas, cuja lista será divulgada em 24 de janeiro de 2023.
"Sideral"
Representante do cinema do Rio Grande do Norte na competição do Festival de Cannes 2021, "Sideral" é uma coprodução entre Brasil e França. A trama se passa no futuro, na ocasião do lançamento do primeiro foguete tripulado brasileiro na base aérea de Natal.
O fato histórico afeta diretamente a vida de Marcela (Priscilla Vilela), faxineira da base aérea, de seu marido ausente (Ênio Cavalcante) e seus dois filhos. O cinema de Carlos Segundo transita entre o fantástico e o realismo, com um humor muito particular, além de fazer refletir sobre a condição da mulher no Brasil contemporâneo. Há uma cena em que Marcela joga as panelas, em um acesso de raiva e frustração, que já entrou para os cânones de grandes cenas do cinema brasileiro.
"Estou no lugar de propor e de somar estas discussões. Sempre uso uma frase do (Friederich.) Nietzsche para falar de "Sideral". 'Liberdade é saber encontrar o melhor momento de encaixar o nosso desejo no desejo do acontecimento'. Como agir, não ter medo, avançar, partir, mesmo que seja uma aventura muito grande... Universo feminino e proposição de uma mudança. E como isso pode ecoar no universo masculino", explicou Carlos Segundo.
"Marte Um"
É óbvia a frustração em não ver o mineiro "Marte Um" entre os finalistas de uma seleção que traz filmes competentes, mas não superiores, como "Last Film Show" (grosso modo, um "Cinema Paradiso" indiano, que conta justamente o amor de um menino pelo cinema, pela película e a descoberta do próprio cinema), "The Blue Caftan" (marroquino que ousa ao tratar do desejo homossexual em um triângulo amoroso entre uma mulher, seu marido e o ajudante do casal) ou até "Decisão de Partir", do consagrado sul-coreano Park Chan Wook. O representante da Coreia do Sul é engenhoso, competente e levou a Palma de Melhor direção em Cannes 2022, mas nem de longe traz o frescor de filmes anteriores do cineasta como "Oldboy" e "A Criada".
É importante lembrar que há talento brasileiro sim na lista dos longas de ficção. O pioneiro "Joyland", primeiro filme paquistanês a integrar o Festival de Cannes, tem a paulista Jasmin Tenucci como montadora. E o dinamarquês "Holy Spider" tem o brasileiro Fred Burle como produtor. "Joyland", que era favorito da seção Um Certo Olhar de Cannes 2022, levou o Prêmio do Júri, perdendo o prêmio principal para o apenas bom "Les Pires" (Os Piores), de Lise Akoka e Romane Gueret, um drama francês sobre os excluídos de uma França que também negligencia seus cidadãos.
"Joyland" é, no entanto, muito mais audacioso ao também abordar a temática LGBTQ+ e colocar o centro da ação no coração de Lahore, cidade metropolitana, porém conservadora, em que vive a família Rana, um núcleo de classe média-baixa patriarcal e feliz, que anseia pelo nascimento de um menino para continuar a linhagem familiar. É então que seu filho mais novo passa a trabalhar secretamente com dança erótica e se apaixona por uma ambiciosa estrela trans. Essa história de amor impossível ilumina lentamente o desejo de rebelião sexual de toda a família. O filme é uma das maiores surpresas do cinema deste ano e é apontado como forte concorrente a uma das cinco vagas da categoria.
As outras quatro vagas devem ficar para o ótimo "Nada de Novo no Front", de Edward Berger, "Argentina, 1985", de Santiago Mitre, disponível na Amazon Prime, o tocante "Close", de Lukas Dhont, que tem estreia prevista para o fim de abril na MUBI, o forte e contundente "Holy Spider" (que representa a Dinamarca, mas que retrata um caso real de um serial killer que matava prostitutas iranianas nos início dos anos 2000).
"Nada de Novo no Front" é um retrato cru, duro, contundente, realista da saga de um jovem oficial alemão durante a Primeira Guerra Mundial. O filme tem o brasileiro Daniel Marc Dreifuss como um dos produtores e tem sido apontado como um dos filmes mais incisivos, honestos e bem realizados sobre os horrores, e a banalidade, da guerra. Além da direção ultra competente de Edward Berger, a produção inteligente, que tem alto valor de produção aliado a um detalhismo impecável na direção de arte, figurino, apuro histórico de roteiro, entre outros, garantiram a "Nada de Novo no Front" críticas que o definem como "implacável", "impecável" e outra dezenas de adjetivos que merecem ser comprovados na tela.
Disponível na Netflix, é uma jornada inferno adentro pela tomada de consciência e amadurecimento do jovem Paul Bäumer (Feliz Kammerer), que se alista encantado pela propaganda e o romantismo de guerra e descobre, batalha após batalha, perdas após perdas, horrores após horrores, que a vida de um soldado não vale mais que meras estatísticas de guerra aos olhos dos burocratas, políticos e militares de alta patente, ou "os senhores da guerra".
Adaptação que renova o clássico escrito por Enrich Maria Remarque (1898-1970) na década de 1920, inspirado em suas próprias memórias, quando a Primeira Guerra era uma ferida ainda recém aberta nos corações e mentes dos jovens europeus, o longa de Berger prova que sempre haverá lugar para se recontar, repensar e ressignificar tanto a forma como nos contam a História quanto a própria História e suas lógicas de poder.
Há o clássico de Louis Milestone de 1930, "Sem Novidade no Front", vencedor de dois Oscar (Melhor Filme e Melhor Direção), há uma versão de 1979, "Nada de Novo no Front", realizado pela CBS, mas que não deixou nenhum legado expressivo. E agora há a versão alemã desta grande obra.
Em tempos em que jovens russos e ucranianos morrem também em meio a um inverno rigoroso, em que a violência em outras instâncias também é banalizada, "Nada de Novo no Front" é candidato forte, e merecedor, de uma vaga entre os finalistas do Oscar 2023. Para completar, o filme integra outras listas de pré-finalistas: Melhor Cabelo e Maquiagem, Melhor Trilha Sonora, Melhor Som, Melhores Efeitos Visuais.
Dirigido pelo iraniano naturalizado dinamarquês Ali Abassi (do genial "Border"), "Holy Spider" é um tapa na cara da hipocrisia que ronda a sociedade iraniana, mas, em alguma instância, que ronda toda sociedade machista que desvaloriza a vida das mulheres que ousam não se adequar à ordem vigente. Em tempos de convulsão social no Irã, é um candidato fortíssimo.
"Holy Spider" é conta a história de um tradicional pai de família que, sob a desculpa de estar limpando as ruas da cidade de Mashhad de mulheres impura. Ele se divide entre a vida como um homem comum e os assassinatos. O que mais choca na história, é o fato de Saeed, quando descoberto, ganhar apoio da população e inclusive de sua mulher. Ele praticamente se torna um herói, em uma sociedade que, na verdade, também é uma sociedade serial killer.
A indiferença e a leniência da polícia também chocam, mas servem de combustível para que a jornalista Rahimi (vivida pela ótima Zar Amir Ebrahimi, que levou a Palma de Ouro de Melhor Atriz pelo papel). É ela, e não a polícia ou a sociedade local, quem encara o machismo atávico da sociedade iraniana, ancorada nos códigos morais e religiosos, e quem não descansa até se fazer de isca para o assassino e lutar para que ele vá a julgamento.
"O filme é um retrato da sociedade iraniana que nunca foi visto antes. A gente não pode ignorar a mulher e a presença feminina e o corpo feminino. Não podemos esconder o corpo feminino em uma manta e fingir que isso não existe, que não existe o toque, que não existe dentro das casas, dentro das famílias, uma relação entre homem e mulher. A gente não pode ignorar este fato. A gente, em 'Holy Spider', faz isso, mostra isso. E temos uma personagem feminina muito forte, que vai contra tudo e todos pelos princípios dela", declarou o produtor Fred Burle a esta coluna durante o Festival de Cannes, em maio.
Outra porrada na cara da hipocrisia da sociedade racista é o francês "Saint Omer", de Alice Diop. Duro, pontiagudo, o filme conta a história de uma jovem doutoranda em filosofia que é acusada de ter deixado sua filha de nove meses para morrer afogada na preia da pequena cidade de St. Omer. Como não odiar a protagonista ? Como se embasar em sessões extensas de um julgamento que culpa a ré desde muito antes do crime? Estas questões são engenhosamente levantadas neste duro, mas necessário filme.
Por fim, o México com o lírico "Bardo - Falsa Crônica de Algumas Verdades", do também consagrado Alejandro Iñarritu, pode levar uma outra vaga para a América Latina, fato raríssimo ter dois latino-americanos concorrendo em um mesmo ano.
Melhor Longa Documentário
Na categoria Melhor Longa Documentário, "O Território", longa de estreia do norte-americano Alex Pritz, que estreou mundialmente no Festival de Sundance 2022, em janeiro, já vem colecionando prêmios importantes, como o próprio prêmio especial do júri "Arte em Documentário" no Festival de Sundance, um dos mais importante festival de cinema independente do circuito internacional. Levou ainda o Prêmio do Público.
Realizado na turística e nevada Park City (Utah), Sundance não é exatamente o mais importante porque festivais como Locarno (na Suíça) e mostras paralelas de festivais consagrados como Cannes, Veneza e Berlim, entre outros, trazem filmes que inovam no formato, temática, estilo. Mas é o festival mais prestigiado de cinema independente nos Estados Unidos e ter a chancela do evento é meio caminho andado para uma campanha a uma vaga no Oscar.
Com abordagem criativa e honesta, o Território retrata a luta do povo indígena Uru-eu-wau-wau para defender sua terra da invasão de grileiros e do avanço do agronegócio, no estado de Rondônia. Para isso, traz não só a perspectiva dos indígenas mas também a da ativista Neidinha Bandeira, e a dos invasores, ou os colonos, que acreditam que eles, sim, produzem e têm direito à terra. Em meio a um Brasil que elegeu Jair Bolsonaro, em que as invasões de terras indígenas bateram recordes e sob a ameaça real do Coronavírus, os Uru-eu-wau-wau vão à luta e suas armas são não só as flechas mas também as câmeras, que usam para vigiar, documentar e narrar esta história.
Para além da questão artística, "O Território", além de ser dirigido por um cineasta norte-americano, é produzido pelos premiados Darren Aronofsky ("Cisne Negro") e Sigrid Dyekjaer e trata de um tema caro ao mundo: a Amazônia. É um filme competente, sincero, mas é impossível não se lembrar de outros documentários nacionais recentes que retratam a Amazônia e que não mereceram a mesma atenção dos membros da comissão de documentários da Academia, ainda que tenham traçado boa carreira em festivais internacionais. Dois exemplos são os belíssimos "O Segredo do Putumayo", de Aurélio Michiles, e "A Última Floresta", de Luiz Bolognesi, que venceu o Prêmio do Público no Festival de Berlim 2021. Oscar é território de, tanto quanto qualidade artística, fazer-se notado, falado, visto, comentado.
"O Território" tem DNA brasileiro não somente pela temática, afinal, os Uru-eu-wau-wau filmaram e são co-autores do longa. Alex é ético e generoso. Em conversa com esta colunista na ocasião da estreia do filme em Sundance, o diretor comentou a influência do cinema do pioneiro Vincent Carelli (que criou o programa Vídeo nas Aldeias, que formou indígenas em audiovisual em todo o Brasil e que também é um dos mais importantes documentaristas da questão indígena no País) foi crucial para a ética e a estética de "O Território".
O longa merece e a torcida é que ganhe a vaga no Oscar e o tema é essencial não só no Brasil de hoje, mas para todo o Planeta. Ou seja, as chances são reais. No entanto, é impossível deixar de se perguntar o que falta ao cinema brasileiro, neste caso documental, para que os votantes da Academia vejam, e prestigiem mais, nossa vasta, e ótima, produção? De qualidade, não falta nada. Talvez falte lobby, estratégia de divulgação e marketing, além do interesse de votantes que, em sua maioria (afinal, a questão é numérica) norte-americanos e europeus, estão desatentos aos tantos ótimos filmes sobre a Amazônia que os cineastas brasileiros têm produzido nos últimos anos.
Uma indicação ao Oscar é a conjunção (quase astral) entre um bom filme, boa carreira internacional, divulgação, marketing, repercussão, investimento (uma campanha para o Oscar custa e não é barata) e, claro, atenção genuína dos votantes. Que em 2024, com políticas públicas reforçadas, possamos continuar contando histórias como se o Oscar não existisse (afinal, não é exatamente termômetro incontestável de qualidade) mas que, quando a chance existir, que se possa ter fôlego para encarar a campanha desde a fase de pré-seleção até, pelo menos, a indicação.
Em tempo, desde 2008, quando "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias", de Cao Hamburger, o cinema brasileiro não integra a shortlist de Melhor Longa de Ficção Internacional. Em 1999, foi a última indicação: "Central do Brasil", de Walter Salles. Em 2014, "O Caminhão do Meu Pai", de Maurício Osaki, foi pré-finalista entre os curtas de ficção. "Democracia em Vertigem", de Petra Costa, foi indicado a Melhor Documentário em 2020.
Confira:
MELHOR FILME INTERNACIONAL
Argentina, "Argentina, 1985"
Áustria, "Corsage"
Bélgica, "Close"
Cambodja, "Return to Seoul"
Dinamarca, "Holy Spider"
França, "Saint Omer"
Alemanha, "Nada de Novo no Front"
Índia, "Last Film Show"
Irlanda, "The Quiet Girl"
México, "Bardo, False Chronicle of a Handful of Truths"
Morocos, "The Blue Caftan"
Paquistão, "Joyland"
Polônia, "EO"
Coreia do Sul, "Decision to Leave"
Suécia, "Cairo Conspiracy"
MELHOR CURTA LIVE ACTION
"All in Favor"
"Almost Home"
"An Irish Goodbye"
"Ivalu"
"Le Pupille"
"The Lone Wolf"
"Nakam"
"Night Ride"
"Plastic Killer"
"The Red Suitcase"
"The Right Words"
"Sideral"
"The Treatment"
"Tula"
"Warsha"
MELHOR DOCUMENTÁRIO - LONGA METRAGEM
One hundred and forty-four films were eligible for consideration; there are 15 on the shortlist. Members of the Documentary Branch vote to determine the shortlist and the nominees. The films, listed in alphabetical order by title, are:
"All That Breathes"
"All the Beauty and the Bloodshed"
"Bad Axe"
"Children of the Mist"
"Descendant"
"Fire of Love"
"Hallelujah: Leonard Cohen, a Journey, a Song"
"Hidden Letters"
"A House Made of Splinters"
"The Janes"
"Last Flight Home"
"Moonage Daydream"
"Navalny"
"Retrograde"
"The Territory"
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