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Flavia Guerra

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cannes 2023 sai em defesa das salas de cinema e não se rende ao streaming

Cena de "Retratos Fantasmas", novo longa de Kléber Mendonça Filho em Sessão Especial no Festival de Cannes 2023 - Divulgação
Cena de "Retratos Fantasmas", novo longa de Kléber Mendonça Filho em Sessão Especial no Festival de Cannes 2023 Imagem: Divulgação

Flavia Guerra

Colunista do UOL

14/04/2023 04h00

O Festival de Cannes 2023 divulgou nesta quinta-feira os selecionados de suas mostras oficiais da 76ª edição do evento. A julgar pelas listas, e pelo que dizem seus organizadores, o festival mantém a sua tradição de de primar por um filmes autorais e ter as telas de cinema como a primeira e mais importante janela.

Cannes, como é regra na França, continua só aceitando para sua mostra competitiva (em que os filmes concorrem à cobiçada Palma de Ouro) longas que estreiam nos cinemas do país e com intervalo grande entre a chegada nas salas de cinema e o streaming.

Thierry Frémaux, diretor artístico do festival, afirma sempre que os streamings são bem-vindos em Cannes, mas que as regras não vão mudar. É dever e objetivo primordial do evento defender o cinema como experiência coletiva, que pode até ser produzido ou distribuído por um streaming, mas que prime pela estreia nas salas.

Não por acaso, a Netflix não integra mais uma vez a competição. O super aguardado filme de Martin Scorsese, "Killers of the Flower Moon", que vai ser lançado nos cinemas por meio de uma parceria entre a Apple TV+ e a Paramount, integra a seleção oficial, mas não compete.

Nova foto do filme Killers Of The Flower Moon - Divulgação - Divulgação
Nova foto do filme Killers Of The Flower Moon
Imagem: Divulgação

Dito isso, a França continua sendo um dos poucos baluartes onde o circuito de salas de cinema merece carinho especial se comparado com o restante do mundo, onde a frequência das salas ainda não recuperou o ritmo de antes da pandemia e do crescimento vertiginoso das plataformas de streaming.

Os brasileiros em Cannes

Com o objetivo declarado de Cannes em defender as salas de cinema, faz todo o sentido a escolha do documentário brasileiro "Retratos Fantasmas" para ser exibido na sessão especial.

O filme de Kléber Mendonça Filho ("Bacurau", "Aquarius") é "o que ele diz sobre sua cidade por meio dos dos cinemas da cidade", como afirmou Frémaux na coletiva de imprensa.

Nestes tempos de crise, lembrar e reconstruir a relação visceral entre os cinemas e a vida das cidades é necessário não só para cinéfilos mais apaixonados, mas para a vida em comunidade de grandes cidades, médias e pequenas cidades.

O documentário é um dos três filmes brasileiros que estão na concorridíssima seleção. O diretor Karim Aïnouz integra a mostra competitiva, a mais prestigiada, com "Firebrand", produção internacional estrelada por Alicia Vikander e Jude Law, E a dupla João Salaziva e Renée Nader Messora ocupa seu espaço com "A Flor do Buriti" na mostra paralela Un Certain Regard (Um Certo Olhar).

Cena de "A Flor do Buriti", que compete na mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes 2023 - Divulgação - Divulgação
Cena de "A Flor do Buriti", que compete na mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes 2023
Imagem: Divulgação

Por ora, são estes brasileiros que também representam também o cinema latino-americano (sempre em menor número no festival francês se comparado com o cinema europeu, norte-americano, asiático). Já se tornou, infelizmente, tradição que a imprensa latino-americana questione o porquê de tão poucos representantes latinos nas mostras oficiais do festival.

Para além de Karim, Kléber e Renée, certamente o cinema brasileiro, por si só, tem e merece emplacar outros filmes na programação oficial do evento mais importante do cinema mundial. O que ainda falta, além de um olhar mais interessado dos selecionadores, um tanto de conversa, lobby e influência, para que a América Latina, e principalmente o Brasil, ganhem o merecido espaço em Cannes e em outros festivais como Veneza ( que em 2022 não selecionou nenhum brasileiro para suas mostras oficiais)?

Além de uma nova retomada do cinema nacional, que se reergue novamente (sem nunca ter deixado de produzir belas obras, resistir e representar o cinema e a cultura brasileira no mundo e nos principais festivais) depois dos últimos anos de crise, ainda há muito trabalho a ser feito para conquistar mais representatividade nos grandes eventos de cinema internacionais.

O diretor brasileiro Karim Ainouz no Festival de Cannes - Oleg Nikishin\TASS via Getty Images - Oleg Nikishin\TASS via Getty Images
O diretor brasileiro Karim Ainouz no Festival de Cannes
Imagem: Oleg Nikishin\TASS via Getty Images

O que nos dizem as listas de Cannes

A julgar pelas listas da Mostra Competitiva, Un Certain Regard, Sessão Especial, Sessão da Meia-Noite, entre outras, o festival mantém sua tradição de primar pelo cinema com assinatura forte de seus diretores e diretoras.

Não é tarefa fácil escolher a programação ideal, entre mais de dois mil filmes inscritos. Afinal, lutar pela instituição do cinema hoje passa também por encontrar o equilíbrio não só entre cinema comercial (blockbusters e afins) e o chamado cinema de arte.

É também encontrar o equilíbrio delicado entre manter a tradição sem perder o bonde da história (ou da mudança de costume e consumo) e não ignorar os "filmes de streaming" (seja lá o que isso signifique para além de filmes que não estreiam no cinema e vão direto para plataformas).

Pela primeira vez, há seis diretoras na Mostra Competitiva.

Sempre criticado por ter um número pequeno de diretoras que concorrem à Palma, desta vez Cannes terá nomes como a italiana Alice Rohrwacher, com "La Chimera", Catherine Breillat, com "L'été Dernier" ("Last Summer"), Jessica Hausner, com "Club Zero", Justine Triet, com "Anatomie d'une chute", Renata-Toulaye Sy, com "Banel et Adama", e Kaouther Ben Hania, com o documentário "Olfa's Daughter".

Novamente, as mulheres em todo o mundo têm conquistado mais espaço, prêmios e público, mas o que ainda falta para que Cannes alcance a tão sonhada paridade de gênero na Mostra Competitiva? Para quem acha impossível, festivais como Sundance, que tem política de inclusão forte, já conquistaram a marca e pretendem mantê-la a cada ano.

No mais, entre os nomes amados e consagrados, festejam-se os filmes de mestres como Nanni Moretti, Ken Loach, Hirokazu Kore-eda, Wes Anderson, Wim Wenders (sessão especial), Steve McQueen (sessão especial), Marco Bellocchio, entre outros.

O Festival de Cannes ocorre de 16 a 27 de maio e, como já anunciado, ainda trará "Indiana Jones e as Relíquia do Destino", que deve ser o grande evento "fecha Croisette" (a avenida que margeia a praia da cidade). Mais pop e cinemão que isso, e para coroar de vez, só falta "Barbie", de Greta Gerwig, também ser anunciado e tingir a Croisette de pink para alegria da comunidade cinéfila que também ama um bom blockbuster, numa comunhão rosa entre o cinemão e o autoral

Confira a seleção de Cannes 2023

Competição Oficial:

  • Firebrand, de Karim Aïnouz

  • La Chimera, de Alice Rohrwacher

  • The Old Oak, de Ken Loach

  • Perfect Days, de Wim Wenders

  • Club Zero, de Jessica Hausner

  • Les Filles d'Olfa, de Kaouther Ben Hania

  • Fallen Leaves, de Aki Kaurismaki

  • Asteroid City, de Wes Anderson

  • The Zone of Interest, de Jonathan Glazer

  • Anatomie d'une Chute, de Justine Triet

  • Il Sol dell'Avvenire, de Nanni Moretti

  • Monster, de Kore-eda Hirokazu

  • L'été Dernier, de Catherine Breillat

  • Rapito, de Marco Bellocchio

  • Kuru Otlar Ustune, de Nuri Bilge Ceylan

  • La Passion de Dodin Bouffant, de Tran Anh Hun

  • May December, de Todd Haynes

  • Banel e Adama, de Ramata-Toulaye Sy

  • Jeunesse, de Wang Bing

Sessões Especiais

RETRATOS FANTASMAS, de Kleber MENDONÇA FILHO
(PICTURES OF GHOSTS)

MAN IN BLACK, de WANG Bing

OCCUPIED CITY, de Steve MCQUEEN

ANSELM (DAS RAUSCHEN DER ZEIT), de Wim WENDERS

Cannes Première

KUBI, de Takeshi KITANO

BONNARD, PIERRE ET MARTHE, de Martin PROVOST

CERRAR LOS OJOS, de Victor ERICE

LE TEMPS D'AIMER, de Katell QUILLÉVÉRÉ

Fora de Competição

INDIANA JONES E AS RELÍQUIAS DO DESTINO,, de James MANGOLD

COBWEB, de KIM Jee-woon

THE IDOL, de Sam LEVINSON

KILLERS OF THE FLOWER MOON, de Martin SCORSESE

Sessões da Meia Noite

KENNEDY, de Anurag KASHYAP

OMAR LA FRAISE, de Elias BELKEDDAR

ACIDE, de Just PHILIPPOT

Mostra Un Certain Regard

LE RÈGNE ANIMAL, de Thomas CAILLEY - Filme de abertura

LOS DELINCUENTES, de Rodrigo MORENO
(THE DELINQUENTS)

HOW TO HAVE SEX, de Molly MANNING WALKER | primeiro filme

GOODBYE JULIA, de Mohamed KORDOFANI | primeiro filme

KADIB ABYAD, de Asmae EL MOUDIR
(THE MOTHER OF ALL LIES)

SIMPLE COMME SYLVAIN, de Monia CHOKRI

CROWRÃ, de João SALAVIZA, Renée NADER MESSORA
(THE BURITI FLOWER)

LOS COLONOS, de Felipe GÁLVEZ | primeiro filme
(THE SETTLERS)

OMEN, de Baloji TSHIANI | primeiro filme

THE BREAKING ICE, de Anthony CHEN

ROSALIE, de Stéphanie DI GIUSTO

THE NEW BOY, de Warwick THORNTON

IF ONLY I COULD HIBERNATE, de Zoljargal PUREVDASH | primeiro filme

HOPELESS, de KIM Chang-hoon | primeiro filme

TERRESTRIAL VERSES, de Ali ASGARI, Alireza KHATAMI

RIEN À PERDRE, de Delphine DELOGET | primeiro filme

LES MEUTES by Kamal LAZRAQ | primeiro filme