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Flavia Guerra

REPORTAGEM

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Kleber Mendonça: 'Anormalidade acabou. Nós artistas representamos o país'

Kleber Mendonça Filho em Cannes - Pascal Le Segretain/Getty Images
Kleber Mendonça Filho em Cannes Imagem: Pascal Le Segretain/Getty Images

Colunista do UOL

19/05/2023 19h28Atualizada em 19/05/2023 19h54

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"Este momento bom do cinema brasileiro é maravilhoso, mas ele é normal. Ele tem que ser visto como normalidade. Anormal é o que acabou de acontecer. A gente está aqui em Cannes exibindo filmes, vários filmes, uma diversidade muito grande. Isso deve ser visto como normal e ser incentivado sempre. E nós como artistas representamos o País, o Brasil. Estou feliz de representar o Brasil", declarou Kleber Mendonça Filho a Splash.

Ele participou, na noite desta sexta (19), em Cannes, da première mundial de seu novo filme, o documentário "Retratos Fantasmas", exibido na Seção Especial, fora de competição no festival francês.

A declaração de Kleber complementou seu discurso de apresentação do filme, quando fez questão de ressaltar para o público internacional e brasileiro que lotou a sala Agnè Varda de Cannes que Joelma Gonzaga, secretária do Audiovisual, estava presente à sessão.

"Ela é a responsável pela política audiovisual do Ministério da Cultura. Pensamos que deveríamos dar esta informação por que isso é bom e é normal ter alguém do governo nos apoiando e basicamente dizendo "o que vocês estão fazendo é bom". A gente não teve isso por sete anos. Então, muito obrigado!", pontuou Kléber, que foi muito aplaudido.

A sessão que se seguiu foi repleta de emoção. A plateia reagiu bem e interagiu com o filme que, em sua 1h32 de duração faz um percurso muito pessoal do diretor, que parte das memórias de sua casa, para onde se mudou ainda na adolescência com sua mãe e irmão, no bairro de Setúbal, no Recife, e sofreu as transformações do tempo, da vida da família e da própria cidade.

"Foi muito forte. Estou muito feliz com o filme. Foi uma sessão muito especial porque é a primeira vez que o filme é exibido. É um filme muito pessoal. Passei sete anos vendo estas imagens pequenas e hoje vi na tela grande", comentou Kleber a Splash.

Três atos

Dividido em três atos, "Retratos Fantasmas" traz em sua segunda parte a observação do diretor sobre o quanto os cinemas já integraram organicamente a vida e a cultura das cidades, com seus letreiros trazendo títulos dos filmes que, muitas vezes, também falavam muito do tempo em que eram exibidos.

A morte dos antigos letreiros segue também a morte dos próprios cinemas de rua, que ou estão abandonados ou se tornaram igrejas, lojas de departamento, shoppings, entre outros, e foram invadidos não só pela deterioração do tempo, mas também por funções que nada têm a ver com o caráter cultural inicial.

Como observou Kléber em uma narração muito pessoal, em tom de crônica, que perpassa todo o filme, a relação do espectador com cinemas que, mais que meros aparatos de exibição e distribuição, tornam-se parte da história da vida das pessoas, a relação com estes templos profanados se torna confusa. Impossível não sentir uma certa melancolia e até tristeza ao ver cinemas belíssimos entregues aos morcegos ou ao uma nova função nada interessante como um shopping.

É o olhar do cineasta, além da montagem inteligente, que une centenas de registros feitos em diversos formatos por Kleber ao longo de décadas, que torna "Retratos Fantasmas" um filme único, singular em sua composição, mas que pode ser compreendido por espectadores de qualquer cidade do mundo. Afinal, a morte de muitas salas de rua ou para os multiplex de shopping ou para a deterioração que a mudança dos tempos traz é universal.

Thierry Frémaux, diretor geral do Festival de Cannes, fez um paralelo interessante ao apresentar "Retratos Fantasmas": "O filme visita a história do Brasil e da cidade de Recife. Como Martin Scorsese filmou Nova York, como Bertrand Tavernier filmou Lyon, em sua forma de introspecção pessoal de juventude, que ultrapassa o pessoal para se tornar universal. É um filme magnífico que eu penso que vai inspirar muitos cineastas."

De fato, em uma noite em que o cinema brasileiro ganhou as telas de Cannes com a exibição também do documentário "Nelson Pereira dos Santos - Uma Vida de Cinema", na seção Cannes Classics, foi o dia de ver e pensar o País que enfrenta historicamente crises cíclicas em sua produção e política pública para o setor. Dirigido por Aída Marques e Ivelise Ferreira (viúva do cineasta), o documentário concorre ao prêmio L'OEil D'or, dado ao Melhor Documentário do festival.