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DiCaprio e marco temporal: indígenas ocupam Cannes e denunciam ameaças
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A questão indígena é uma constante do Festival de Cannes. Neste ano, a pauta veio mais forte ainda. Seguindo o slogan "O Brasil Voltou", que estampava o próprio stand do cinema brasileiro no Marché du Film (o mercado de filmes), a luta dos povos indígenas brasileiros voltou também com força total, depois de dois anos de pandemia e um ano (2022) sem nenhuma participação brasileira.
"Crowrã - A Flor do Buriti", filme de Renée Nader Messora e João Salaviza, recebeu o raro prêmio de melhor equipe na mostra Um Certo Olhar, a competição paralela mais importante do evento. Em 2018, "Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos", dos mesmos diretores, também venceu um prêmio na mesma mostra.
O novo filme da dupla João e Renée retrata o cotidiano dos krahôs em paralelo aos efeitos de séculos de agressões, incluindo um massacre ocorrido nos anos 1940, a violência do período da ditadura militar.
Os krahôs fizeram um protesto no tapete vermelho de Cannes, presentes na première mundial do filme nesta semana. Ao final da sessão, foram ovacionados. O glamour deu lugar à luta não só pela floresta em pé, mas pelo equilíbrio do planeta. "O futuro dos territórios indígenas do Brasil está ameaçado - Não ao Marco Temporal", dizia a faixa que a equipe exibia durante a ação.
O marco temporal defende que os povos indígenas somente têm direito às terras que já eram ocupadas por eles até 1988, quando a Constituição atual do País foi promulgada, o que põe em risco todas as conquistas alcançadas desde então.
Tanto os krahôs presentes em Cannes quanto a equipe do filme não deram mais declarações, pois "a ação falou por si mesma". Ocorrido no mesmo dia em que a discussão sobre o Marco Temporal ganhou destaque no Brasil e que a ministra Sônia Guajajara (PSOL) viu o Ministérios dos Povos Indígenas ameaçado de perder atribuições cruciais como a demarcação de terras, a ação de fato ecoou em toda Cannes e na mídia internacional.
Guajajara, a propósito, passou pelo festival neste ano e se encontrou com Leonardo DiCaprio, notório apoiador de causas sócio-ambientais que estrela, não por acaso, "Killers of the Flower Moon", novo filme de Martin Scorsese que traz o ator no papel de um veterano da Primeira Guerra Mundial que, ao voltar para os EUA, casa-se com uma indígena da etnia Osage (de Oklahoma) e passa a ajudar o tio fazendeiro (Robert De Niro) em um plano para assassinar os indígenas e ficar com as suas terras, ricas em petróleo.
Lily Gladstone, atriz de origem indígena que vive a mulher de Di Caprio, esteve presente ao encontro com Guajajara (que, aliás, aparece em "A Flor do Buriti" fazendo um discurso histórico em Brasília na tela de um celular de uma krahô).
Prova de que não só a questão indígena no Brasil, mas dos povos nativos de todo o mundo é pauta importante em Cannes, é "The New Boy", filme novo de Cate Blanchett, em que ela atua e do qual também é produtora, conta a história de um menino aborígene e seu embate com a cultura católica que lhe é imposta.
O diretor Warwick Thornton, de origem aborígene, afirmou a Splash que o histórico de desrespeito aos povos originários é comum a todos os países que sofreram a colonização. "É o momento da gente analisar este processo e pensar em quem somos como país, como queremos ser no futuro", declarou.
Em outro ponto de Cannes, o Cacique Raoni também atuava em prol do cinema e da resistência indígena. Em missão pela Europa para divulgar sua luta, Raoni passou pelo festival e participou de conversas e sessões do filme "Raoni, Uma Amizade Improvável" no Marché du Film.
A propósito, o Marché é o maior mercado de cinema do mundo, onde profissionais de todo o planeta se encontram para fazer reuniões, coproduções, assistir a filmes prontos e ainda em desenvolvimento, entre outros. "É muito importante mostrar para o mundo esses filmes com indígenas brasileiros. Assim todo mundo fica conhecendo nosso povo", declarou ele a Splash.
Produzido por Marco Altberg, "Raoni, Uma Amizade Improvável", é dirigido por Jean Pierre Dutilleux, o mesmo que realizou há 50 anos o filme "Raoni", indicado ao Oscar de Melhor Documentário. Antes e depois de Cannes, Raoni passou por vários países europeus, apresentando projetos, em parceria com associação Foret Vierge.
Sabendo que Raoni passava pela França, a organização do festival o convidou para ir até o evento e prestou uma homenagem a ele. Também com produção da Indiana e coproduzido pela Globo Filmes e Canal Brasil, o documentário não está na programação oficial de Cannes e está sendo exibido para o mercado internacional.
"Foi muito importante e expressiva a presença indígena em Cannes. Pela primeira vez vários filmes com conteúdos indígenas e vários indígenas presentes: com Raoni e pelo filme estavam Tapi, liderança Yawalapiti do Xingú, filho de Aritana, Watatalu, liderança feminina do Xingú e Bemoro e Jabuti, caiapós. A ministra Sonia Guajajara e a deputada federal Celia Xakriabá, além de um representante Hunikuin estavam em diferentes agendas. Fato inédito e importante reconhecimento para os povos indígenas brasileiro", comentou Altberg a Splash.
Sobre a importância da presença indígena brasileira no festival e do protesto realizado, Raoni respondeu: "As árvores dão sombra, sem elas a terra esquenta, os rios secam e o homem morre. Estamos viajando pra mostrar ao mundo o que falamos há muito tempo e está acontecendo agora."
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