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'Beanie Bubble' desvenda bolha de consumo e machismo num mundo de pelúcia
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Depois do fenômeno "Barbie", que uniu cinema, comportamento, marketing, consumo e muito mais, estreia nesta sexta (28) um filme que também traz o universo dos brinquedos para as telas. Ainda que de forma completamente diferente, tanto na História, a oficial mesmo, quanto na história, ou a trama, "Beanie Bubble - O Fenômeno das Pelúcias" chega à Apple TV com a proposta de não explicar didaticamente o que foi o frenesi em torno dos Beanie Babies, pequenos bichos de pelúcia que causaram uma verdadeira corrida do ouro nos anos 1990 nos Estados Unidos, mas sim revelar quem foi o homem por trás deste fenômeno e sua relação tóxica com as mulheres que o ajudaram a erguer seu império.
Ty Warner é o nome dele. Um vendedor de brinquedos que foi de profissional mediano a bilionário em um movimento que envolveu não só sua criatividade e genialidade nos negócios, mas também a ajuda estratégica de mulheres com quem ele se relacionou e de fãs colecionadores dos Beanie Babies.
Estes últimos, homens e mulheres que, ao passarem a colecionar e a vender os bichinhos de pelúcia na internet, transformaram os brinquedos em peças caras, disputadas e ajudaram a elevar o patamar da Ty a níveis improváveis (na época, a empresa se tornou a maior fabricante de brinquedos no mundo). Muitos destes que colecionam milhares de Beanie Babies viam em cada um deles a possibilidade de lucrar com a venda deles e, assim, bancar a aposentadoria, a faculdade dos filhos, uma casa nova.
O detalhe é que os Beanies se tornaram valiosos porque a Ty descontinuava vários modelos pra produzir novos que eram criados por Ty Warner e sua equipe. Assim, os bichinhos se tornavam raros e caros. Só que o empresário quis aumentar a produção, colocando mais Beanies no mercado e acabando com a magia dos itens de colecionador. Quando a bolha estourou, muita gente que se apagou aos bichinhos, perdeu dinheiro que estava justamente guardado para seus planos de vida.
Há ainda um ingrediente crucial desta corrida maluca que não pode ser esquecido: a internet (que nasceu no final dos anos 1960) chegava ao grande público na década de 1990, mudando para sempre a forma como as empresas se relacionam com os consumidores.
Além da Ty ser pioneira ao se conectar, por meio de seu site, com o público, sites de comércio (neste caso, o E-Bay) se tornaram um mundo novo a se desbravar, que funcionaram com um mercado paralelo em que os Beanies não eram disputados à tapa, como eram nas lojas físicas, mas a cada lance online, chegando a valer alguns milhares de dólares.
Baseado no livro "The Great Beanie Baby Bubble: Mass Delusion and the Dark Side of Cute", do norte-americano Zac Bissonnette, "The Beanie Bubble" tem direção da dupla Kristin Gore e Damian Kulash Jr. e adota um estilo ágil, com idas e vindas entre o final dos anos 80 e início dos 90, quando tudo começou, e meados dos anos 90, quando a Ty se tornou um fenômeno mas também entrou em uma grande crise.
Permeando cada fase e cada ano, estão as mulheres. No final dos 80, é Robbie (Elizabeth Banks), funcionária de uma oficina mecânica que, cansada de sempre cuidar de todos na vida, decide deixar um casamento infeliz para fundar a Ty Inc. com seu vizinho Ty Warner, tão estranho quanto charmoso e convincente.
"Ele era um cara complicado. Ele era charmoso, simpático, incrivelmente ganancioso, incrivelmente implacável. Então, é complicado interpretar alguém que é tudo isso.Espero que tenhamos conseguido mostrar como ele conseguia atrair as pessoas com seu charme estranho", comentou Zach em entrevista ao Splash UOL.É de Ty o dinheiro (conseguido com a venda das antiguidades de seu pai) para começar o negócio, mas é de Robbie a estruturação, comando dos negócios e organização e expansão da empresa.
Eles se tornam parceiros na empresa e na vida. No entanto, quando Robbie começa a querer alçar vôos mais altos e internacionalizar a empresa, Ty, que era firme na ideia de só vender no mercado norte-americano e não fornecer para grandes lojas (mas somente pequenos negócios de brinquedo), viu em Robbie uma ameaça.
"Ela tem toda a sua identidade arrancada dela por este homem que a manipulou durante anos, em quem ela confiava. E ela sai disso ainda com um sentimento bom no coração pelas pessoas, o que eu acho realmente inspirador quando alguém te sacaneia, e você realmente reconstrói sua vida. Achei muito inspirador", declarou Elizabeth.
"Eu também acho que ela realmente representa muita gente que vai se conectar, relacionar com ela, pelo menos da mesma forma que eu. Nós temos essas grandes figuras mitológicas do mundo. Damos a eles todo o crédito e todo o dinheiro, todos os iates. Eles pisam em todas as pessoas que eles deixam para trás. E eu acho que a Robbie realmente representa essas pessoas, sabe, aquelas que não são possuidoras, as que precisam meio que superar e quebrar o sistema que, de outra forma, não lhes deve nada, que vai passá-las para trás. E eu simplesmente a amo", completou a atriz.
De volta à trama, enquanto a crise com a parceira avança, a realista Sheila (Sarah Snook), uma competente designer e mãe solo dedicada, envolve-se com Ty. Ela tem duas filhas e as meninas são cruciais para a criação dos Beanie Babies, trazendo ideias e até desenhando alguns modelos. Eles formam uma família perfeita até que tudo começa a mudar.
Em paralelo, a jovem estudante de medicina Maya (Geraldine Viswanathan), entra como estagiária na Ty e, aos poucos, com seu olhar atento a um mundo que passava por uma revolução com a chegada da internet ao grande público, começa uma pequena revolução também na empresa. Maya cria o site da Ty, acompanha a corrida pelos Beanie Babies nos sites de venda e se torna a grande responsável pela entrada da empresa na era da internet e do e-commerce.
De forma engenhosa, com vais e vens que não confundem e dão dinamismo à trama, o filme nos revela em pequenos atos, mas muito simbólicos, a real personalidade de Ty. Um cara genial que, com bichos simples, fofos e coloridos, que eram mais molinhos, menos "recheados" e que, por isso, podiam ser melhor manipulados pelas crianças, um pouco do sonho e da cor que o mundo precisava depois de uma década tão conturbada, com Guerra do Golfo, crise econômica.
Ty era também um adulto infantil, vaidoso e ganancioso, que se apoiava nas ideias e na dedicação destas mulheres, mas que jamais era capaz de dividir tanto os créditos quanto os lucros. "Não é que ele tivesse um charme normal. É que ele é bizarro. E eu sabia que, lendo o livro, havia uma bizarrice nele que era muito interessante para mim. Mas você tenta retratar alguém que tem essas diferentes camadas. Acho que todos temos camadas. Eu acho que você pode ser incrivelmente charmoso e também incrivelmente dúbio e mal", analisa Zach.
Robbie, Sheila e Maya concentram histórias de tantas mulheres que passaram, passam e ainda vão passar pelo mundo do trabalho, que foram cruciais para o sucesso da Ty Inc. e dos Beanie Babies, mas nunca reconhecidas, que se cansam de estar à sombra e fazem sua pequena-grande revolução particular.
Nas entrelinhas deste drama bizarro, mas real, as tantas bolhas que o mundo do consumo e da sanha pelo sucesso a qualquer custo cria. Somos capazes de atribuir valor, simbólico e real, a tudo, de pagar alguns milhares de dólares e até de brigar por fofos bichinhos de pelúcia. Somos capazes de explorar, diminuir e apagar talentos para sustentar um sistema que privilegia a poucos. A grande questão é que uma hora a bolha estoura, seja ela de bichinhos de pelúcia, especulação imobiliária ou qualquer outro produto. Despretensiosamente, "O Fenômeno das Pelúcias" nos faz rir de nós mesmos na mesma medida que também faz nos sentirmos ridículos, porém humanos, diante das nossas pequenas-grandes obsessões cotidianas.
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