'Ela falaria aqui: Não desistam', diz filho de Léa Garcia em Gramado
Um clima de emoção, carinho, melancolia e respeito tomou conta da noite de terça-feira (15) no Palácio dos Festivais, que abriga as sessões do Festival de Gramado até o próximo sábado. Entre as apresentações dos competidores do dia, o público que lotava a sala aplaudiu de pé duas vezes a grande Léa Garcia.
A atriz, que tinha uma longa história com o festival e, ao longo de sua carreira, conquistou vários prêmios ( Kikitos de Melhor Atriz pelos filmes "As Filhas do Vento", de Joel Zito Araújo), "Hoje tem Ragu" e foi premiada por "Acalanto") recebeu a homenagem já prevista para ocorrer na noite de terça-feira, mas que, diante da notícia de seu falecimento, havia sido adiada.
Conforme a programação oficial, ao lado da atriz Laura Cardoso, com quem Léa passou vários momentos desde sábado, quando o festival teve início, Léa receberia o Troféu Oscarito, dado a grandes nomes do cinema brasileiro.
Após a notícia de seu falecimento, a organização do festival avaliou que seria mais adequado uma pequena homenagem na terça e, nos próximos dias, entregar o troféu Oscarito. Mas o filho de Léa, Marcelo Garcia, que a acompanhava no festival, pediu que a cerimônia fosse mantida e, assim, o troféu foi entregue a ele.
O que falar neste momento? Para muitos, poderia ser muito difícil, mas de uma coisa eu tenho certeza. A minha mãe morreu no amor. Eu fiz questão de vir aqui hoje porque o nosso objetivo e o dela era receber este prêmio declarou Marcelo ao receber o prêmio
"Dona Léa deixa um legado muito grande, deixa lembranças e dentro deste merecimento, dessa homenagem que foi feita por vocês foi em vida porque a Léa vive. Ela está aqui. Ela vai continuar, ela morreu sob os holofotes e ela queria que eu fizesse isso. Eu tenho certeza. Eu nunca mais iria dormir tranquilo se eu não viesse aqui em cima pegar este prêmio", continuou Marcelo.
"E dentro desta história toda, queria agradecer vocês pelo carinho e por tudo que foi feito pela Dona Léa. Eu trabalho com a Dona Léa há três anos. Eu trabalho na TV. Minha mãe me deu esta história da cultura, da arte. E dentro desta história toda, o show não pode parar. As pessoas queriam parar o festival e eu disse não. O desejo era este. Ela nasceu no palco, ela ama o palco, ama o teatro, ama a TV, ama o cinema", pontuou ele emocionado.
Ela deixa um legado para muitos que estão começando, que guerrearam, que guerreiam, para nós da cultura. Eu só tenho uma coisa a falar que ela falaria aqui: "Não desistam!" Muito obrigado!
A noite seguiu com a apresentação da equipe do longa "Barulho da Noite", de Eva Pereira, do Tocantins, o primeiro longa do estado a concorrer no festival e o único dirigido por uma mulher a disputar o Kikito de Melhor Filme nesta edição. Protagonizado por Emanuelle Araújo (Sônia), Marcos Palmeira (Agenor), Alícia Santana (que vive a menina Maria Luiza e por Anna Alice Dias (a pequena Ritinha, de cinco anos)e Athayde (Patrick Sampaio), o filme retrata como a violência doméstica destrói as vidas de tantas meninas e mulheres em todo o Brasil.
"Eu peço permissão à Dona Léa, a todas as mulheres que, durante a pesquisa, eu invadi as suas dores, que elas queriam esquecer, mas que nos ajudaram a contar esta história. Se nós mulheres somos julgadas quando choramos, quando falamos, quando nos calamos e quando somos obrigadas a engolir o nosso choro, imagina para elas", comentou Eva.
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Quero receberDurante a terça, outras personalidades presentes em Gramado se manifestaram sobre a partida e o legado de Léa Garcia. O ator Fabrício Boliveira, que integra o júri oficial desta edição do festival, declarou a Splash.
A diretora Laís Bodanzky, de filmes como "Chega de Saudade" e "A Viagem de Pedro", de São Paulo, falou sobre a partida de Léa:
Foi um susto para todos. O que era para ser uma homenagem, torna-se um momento de luto. Eu senti muito a passagem dela. Ao mesmo tempo, ela é uma referência para a gente, para o audiovisual brasileira. O que ela fez no teatro, na vida dela, na televisão, no cinema, de ponta a ponta, passando por momentos dificílimos do nosso audiovisual, e ela sempre presente.
Não à toa essa homenagem do Festival de Gramado. Mas o que mais me chama atenção na Léa, além dela ser uma atriz engajada, consciente do que é ser uma mulher negra no Brasil, levando a imagem da mulher negra do Brasil, quando ela é indicada, no início de carreira, no Festival de Cannes como melhor atriz (por "Orfeu", em 1957). É um marco importantíssimo e deve ser sempre respeitado e celebrado este reconhecimento internacional.
Mas o que acho mais que mais me chama a atenção, além de ser uma mulher conquistando esse espaço de respeito, é ela com a idade dela atuante. Quando a gente observa a carreira dela, não tem um hiato. Ela se dedicou totalmente com muita convicção à nossa dramaturgia e ao nosso audiovisual. Mesmo com a idade avançada, ela não parou de trabalhar. Acho isso um grande exemplo que a gente não deve esquecer. Muito pelo contrário. A gente deve se inspirar.
Quando a temática do etarismo está em voga, tantos preconceitos dos quais nos damos conta que existem na sociedade, ela enfrentou todos, como mulher negra e também como uma mulher de idade avançada que não abaixou a cabeça, de forma alguma, muito pelo contrário. Sempre enfrentou com muita elegância. É claro que é com tristeza que vejo a passagem dela, mas, ao mesmo tempo, com muito carinho e agradecimento por ela ser uma grande inspiração para nós, mulheres, e para o nosso audiovisual brasileiro.
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