Flavia Guerra

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'Quero chegar no set dadivosa', disse Léa Garcia à diretora de último filme

A cineasta Viviane Ferreira, que dirigiu "Um Dia com Jerusa" (2021), último longa que Léa Garcia protagonizou, ao lado de Debora Marçal, falou sobre a partida da atriz, que morreu na última terça (15), aos 90 anos, na cidade de Gramado, onde receberia uma homenagem e o Troféu Oscarito na noite do mesmo dia.

Viviane também enviou a esta coluna uma declaração e um vídeo exclusivo, em que a atriz e ela conversam sobre a preparação para o filme, detalhes, referências e como ela gostaria de chegar para viver a personagem título do filme: "Quero chegar dadivosa", disse a atriz para a diretora.

"Um Dia Com Jerusa" foi o primeiro de ficção que uma diretora negra assinou individualmente a direção em décadas. Antes, Adélia Sampaio, dirigiu o primeiro filme assinado por uma diretora negra, em 1984, "Amor Maldito".

TRailer de um Dia com Jerusa, com Lea Garcia

Mais de 30 anos se passaram até que outras cineastas negras começassem a conquistar o espaço mais que merecido nas telas e no imaginário do público brasileiro. Em 2017, Glenda Nicácio assinou o longa "Café com Canela" em parceria com Ary Rosa. Camila de Moraes lançou também em 2017 o documentário "O Caso do Homem Errado".

A propósito, Camila representou como produtora no Festival de Gramado 2023 o curta "Deixa", dirigido por Mariana Jaspe e estrelado por Zezé Motta, outra diva do cinema brasileiro. No curta, em competição em Gramado, Zezé vive uma mulher madura que tem uma história de amor com um rapaz muito mais jovem (Dan Ferreira), em uma história cheia de amor, desejo e liberdade das amarras que cerceiam mulheres que ousam viver e realizar seus desejos, seja na juventude, mas principalmente na idade madura.

Importante também mencionar Juliana Vicente, em 2022, lançou "Diálogos com Ruth de Souza", documentário dedicado a outra atriz que inspirou gerações, pelo qual recebeu o prêmio de melhor direção de documentário no Festival do Rio. No mesmo ano, lançou o longa 'Racionais: Das Ruas de São Paulo pro Mundo', produção original Netflix.

A lista de diretoras, produtoras, atrizes e profissionais negras que estão mudando a história do cinema brasileiro, felizmente, é longa e tende a crescer cada vez mais. E o legado passa necessariamente por Léa Garcia, que rompeu paradigmas e ainda nos anos 1950 concorria à Palma de Ouro em Cannes por "Orfeu Negro", do francês Marcel Camus, que levou o Oscar de melhor filme estrangeiro.

O Dia de Jerusa

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O projeto de "Um Dia Com Jerusa" nasceu como uma extensão, ou aprofundamento, do curta "O Dia de Jerusa", que foi premiado e exibido em dezenas de festivais no Brasil e no mundo, incluindo o Festival de Cannes.

Já "Um Dia Com Jerusa" conta a história de dona Jerusa, uma senhora que vive em uma casa antiga no bairro do Bixiga, em São Paulo, cercada de memórias não só de sua vida, mas de gerações de seus antepassados. É um dia como outro qualquer, mas também um dia especial, em que Jerusa espera sua família para comemorar seu aniversário.

Quando a pesquisadora de marcas de sabão em pó Silvia (Débora Marçal) bate à sua porta, Jerusa abre não só a casa, mas seu baú de memórias real e metafórico, trazendo à tona histórias, ancestralidade, lutas e também muito afeto.

Debora Marçal e Léa Garcia em cena de "Um dia com Jerusa"
Debora Marçal e Léa Garcia em cena de "Um dia com Jerusa" Imagem: Divulgação

Exibido no Festival de Rotterdam, na Mostra de São Paulo e tantos outros festivais, "Um Dia Com Jerusa" é aparentemente um filme singelo, uma bela crônica da vida e da importância da memória, das histórias que se passam de geração para geração, mas é muito mais. É um potente filme em que duas mulheres negras ganham o protagonismo, que dividem o espaço de amor, troca, sororidade, carinho.

Sobre a experiência de filmar com Léa Garcia e sobre sua partida, Viviane Ferreira, que é também advogada e atual diretora-presidente da SPCine (empresa de cinema e audiovisual da Cidade de São Paulo), comentou a esta coluna:

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"Quero chegar no nosso set dadivosa!" Foi o desejo revelado enquanto preparávamos a personagem Jerusa para mergulharmos, mais uma vez, na nossa paixão compartilhada de filmarmos juntas. Sou uma mulher, uma ativista, uma diretora, uma artista melhor depois de ter compartilhado a vida e realizado sonhos ao seu lado.

"Nos confidenciamos nossa dificuldade com o tema morte, choramos ao entendermos que para o bem da história Jerusa precisava morrer, porque precisávamos refletir sobre mortes dignas", disse Viviane Ferreira.

Dói a despedida, desorganiza um pouco as emoções e pensamentos, derruba a máscara de fortaleza. É a certeza de que você desfrutou de uma vida digna e está podendo receber uma passagem digna ao outro plano, que acalenta o coração enquanto dos olhos escorrem rios mirando a opacidade da travessia. Chegue dadivosa no Orun, aqui do Aiyê seguimos te honrando e amando.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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