Flavia Guerra

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'Mussum' em Gramado: 'É sobre direito e poder de escolha', diz Ailton Graça

Mussum, Carlinhos do Pandeiro, Carlinhos, Antônio Carlos Bernardes Gomes. Contar a história de um dos maiores humoristas, mas também um dos grandes sambistas brasileiros para além do personagem que marcou época na TV era a grande tarefa de Ailton Graça ao aceitar protagonizar "Mussum, o Filmis".

"Mussum, o Filmis" foi o grande vencedor do Festival de Cinema de Gramado, conquistando sete prêmios, incluindo os Kikitos de Melhor Filme, Melhor Ator (para Ailton Graça), Prêmio do Público e Melhor Atriz Coadjuvante para Neusa Borges, entre outros. Tanto na noite de sábado, durante a entrega dos prêmios, quanto na noite de quinta-feira, que marcou a estreia do longa, a emoção deu o tom aos discursos acalorados da equipe do projeto sobre a importância de um filme com equipe majoritariamente negra concorrer ao prêmio máximo de um dos festivais mais importantes do cinema brasileiro.

"Fiquei muito emocionado. Alguns companheiros de cinema de anos, que me acompanham, já me viram em outros festivais. Mas é uma emoção muito grande de conseguir entrar neste tapete vermelho majoritariamente com um elenco e uma equipe preta protagonizando este filme", declarou o diretor Silvio Guindane, que estreou em Gramado há 27 anos, como ator ainda criança, em "Como Nascem os Anjos", além de ter estrelado "De Passagem", dirigido por Ricardo Elias, que levou o Kikito de Melhor Filme em 2003.

 Elenco do longa-metragem brasileiro "Mussum,o Filmis" na estreia no Festival de Gramado
Elenco do longa-metragem brasileiro "Mussum,o Filmis" na estreia no Festival de Gramado Imagem: Cleiton Thiele/Agência Pressphoto / Divulgação

"Ele não é apenas a figura maravilhosa que representou para a gente como músico, como comediante, levando humor e mansidão para a casa das pessoas. É um filme humano, que conta a história de uma família brasileira, que reflete a maioria das famílias pretas brasileiras e que a mãe cuida dos filhos a ferro e fogo, principalmente naquela época", declarou o diretor Silvio Guindane.

Projeto que há mais de dez anos é acalentado pelo diretor e produtor Paulo Santucci, "Mussum, o Filmis" tem roteiro de Paulo Cursino. "Quando a gente estava fazendo um trabalho com ele e com o Leandro Hassum, ele me disse que precisava arranjar um personagem para eu fazer. Dizia 'você tem de protagonizar um filme'".

No dia seguinte, me ligou e disse: "Mussum! Vamos fazer Mussum!". No meio do processo, ele (Santucci) me diz: 'Esse não é um filme para eu dirigir. Preciso de uma pessoa que tenha este diálogo da negritude, que saiba falar sobre essas pautas tão importantes'. E aí ele convidou o Silvinho Guindane para estar dentro deste processo todo como direto", contou Ailton em entrevista a Splash.

Diretor Silvio Guidane e o produtor André Carreira do longa-metragem brasileiro "Mussum, o filmis"
Diretor Silvio Guidane e o produtor André Carreira do longa-metragem brasileiro "Mussum, o filmis" Imagem: Ticiane da Silva/Agência Pressphoto

"Santucci passa a ser produtor do filme e, assim, o Guindane começou a montar o elenco sonhado, que desse veracidade a esse filme. Foi assim que vieram a Cacau Protásio e a Neusa Borges (que vivem Malvina, a mãe de Mussum), que já tinha sido minha mãe na novela "América", veio o Yuri Marçal também. Os dois, Cacau e Yuri, trouxeram a questão do drama, do tom mais trágico, para desenvolver este lugar. Tudo isso é importante. É um filme criado com muito afeto, muita imersão e muita alegria. No intervalo, a gente cantava os Originais!", acrescentou o ator.

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"Mussum, o Filmis" tem claramente a intenção de se comunicar com o grande público, com uma narrativa leve, mas que não deixa de trazer pontos sensíveis da vida de Mussum, como a dúvida entre seguir a carreira no samba ou se assumir humorista em tempo integral, além das crises nos casamentos, sua ausência muitas vezes por conta do trabalho, entre outros.

Sinal que o objetivo foi cumprido é que a história emocionou o público do evento e a equipe foi muito aplaudida ao final da sessão. Ailton Graça ganhou o Kikito de Melhor Ator.

Ailton Graça em cena de "Mussum, o Filmis", que estreia nos cinemas em 2 de novembro de 2023
Ailton Graça em cena de "Mussum, o Filmis", que estreia nos cinemas em 2 de novembro de 2023 Imagem: Divulgação

Na trama, Mussum é interpretado pelo garoto Thawan Lucas Bandeira, pelo ator Yuri Marçal e, por fim, na fase adulta, por Ailton Graça. Ao contar a história não só do humorista, mas também de Antônio Carlos Bernardes Gomes, o longa aproxima do grande público um personagem inspirador.

"Mussum" traz uma narrativa que começa na infância pobre do menino Carlinhos, passa pela carreira militar, tão sonhada por sua mãe, Dona Malvina, a relação com a Mangueira, a paixão pelo samba e o sucesso com os Originais do Samba, além de bastidores de "Os Trapalhões", que o tornou famoso em todo o Brasil e referência para gerações.

Não à toa, Ailton observa que "Mussum" foi "construído com a missão ancestral de contar essa história desse cara que merecia esse filme". "Existem grandes personagens que não tem visibilidade para ter sua história contada. É importante que a gente saiba quem é Luiz Gama, dona Ruth de Souza, Léa Garcia, que nos deixou neste festival, que era a ternura em pessoa, o afeto em pessoa. Mas é importante contar histórias também de personagens que, de alguma maneira, ficam invisibilizados dentro da construção do cinema nacional", declarou o ator.

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"Quem é esse cara? Quem é o Antônio Carlos? Um brasileiro que ganhou, a partir da construção, do sacrifício de uma mãe, o direito e o poder de escolha, que muita gente ainda não tem", completou ele.

Yuri Marçal vive Mussum na fase jovem em "Mussum, o filmis"
Yuri Marçal vive Mussum na fase jovem em "Mussum, o filmis" Imagem: Desiree do Valle/ Divulgação

Sobre a importância de uma equipe e um elenco majoritariamente negro, Ailton observou: "Tem um significado e um significante nisso. Aqui em Gramado, antes do nosso trabalho, teve um documentário dos Ianomâmis (o filme"Mãri Hi: A Árvore do Sonho", de Morzaniel Iramari, que levou o Kikito de Melhor Fotografia e Prêmio Especial do Júri), feito e dirigido pela comunidade. É o lugar de fala, como cita a Djamila Ribeiro, o lugar de contar essa história" , analisou.

"Ele também atravessa uma questão cultural. Isso é da nossa cultura. O Silvinho sabe exatamente qual é esse ambiente, que não é contado por um diretor não negro pelo simples motivo de que talvez ele fosse folclorizar a história. Talvez ele (um diretor não negro) fosse dar veracidade porque existem maneirismos, verbo, coisas que só acontecem dentro de quem conhece este diapasão deste universo paralelo que continua. A história é contada do ponto de vista de quem venceu a guerra e não de quem está lutando por ela, pelas mudanças. Esse simbólico é muito importante para a gente porque é um filme carregado de conteúdo. Conteúdo afetivo. "Mussum", assim como "Filhas do Vento" e tantos outros filmes com este componente de ter majoritariamente elenco negro, direção negra, é importante porque ele passa a ser um manifesto. Ele precisa ser um manifesto para que a gente possa criar um mundo melhor e com mais equidade racial em todos os sentidos", pontuou Ailton.

Cacau Protásio, que vive dona Malvina jovem, a mãe de Carlinhos / Mussum em "Mussum, o filmis", com o diretor Silvio Guindane no set
Cacau Protásio, que vive dona Malvina jovem, a mãe de Carlinhos / Mussum em "Mussum, o filmis", com o diretor Silvio Guindane no set Imagem: Reprodução / Instragram

Ao contrário do que alguns críticos avaliaram como um final didático, em que Ailton / Mussum faz um grande monólogo para crianças de um projeto social da Mangueira (comandado por Alcione), não há intenção de didatismo, mas sim de criar um universo até mesmo de imaginário e filosófico.

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"Para a gente esse discurso todo do filme não opera no lado didático. Opera do lado da filosofia, como dizia Candeia. O samba é uma filosofia, é a filosofia do morro. A nossa ferramenta para falar sobre filosofia, para falar de Lima Barreto, para falar de Machado de Assis, dona Léa Garcia, Ruth de Souza, Pedro Nascimento, vai passar por esse lugar em que a gente precisa que, na direção, na condução desse trabalho, e até mesmo na mesa de negociação, que tem que ser a nossa maior conquista, para falar dos valores de como esse filme vai acontecer. Um dos filmes mais vistos no mundo foi "Pantera Negra". É da Disney. Está tudo certo em ser da Disney. Mas nos deem condições e ferramentas e condições de poder fazer um filme grandioso como "Pantera Negra". Então, tem aí nosso "Mussum", mas outros filmes e outros personagens esperando ter sua história contada no cinema", concluiu.

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