Flavia Guerra

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Reportagem

'Mussum, o Filmis' vence o Festival de Cinema de Gramado 2023

"Mussum, o Filmis" foi o grande vencedor do Festival de Cinema de Gramado 2023. Dirigido por Silvio Guindane, o longa conta a história de Antônio Carlos Bernardes, o Mussum, um dos maiores humoristas, mas também um dos grandes sambistas brasileiros para além do personagem que marcou época na TV.

O segundo filme mais premiado desta edição foi "Tia Virgínia", de Fábio Meira, com seis prêmios no total, seguido por "Mais Pesado é o Céu", de Petrus Cariri, com quatro.

Em um aceno claro para o cinema popular e o necessário diálogo entre o cinema brasileiro e o público, "Mussum" levou seis prêmios do júri oficial: Melhor Filme, Melhor Ator para Ailton Graça (que vive o personagem na maturidade), Melhor Ator Coadjuvante para Yuri Marçal (que vive Mussum quando jovem), Melhor Trilha (assinada por Max de Castro), Menção Honrosa para o maquiador Martin Macias Trujillo por "Mussum, o Filmis", além do Prêmio do Público, totalizando sete prêmios.

"Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco a sociedade muda. Por ser um filme de um homem preto, a gente conseguiu tirar qualquer estereótipo. Foi um grande pai, um grande filho, um grande comediante, que não morreu de cirrose. Ele morreu do coração. Ele tinha um coração grande, literalmente. A gente teve a preocupação de tirar qualquer estereótipo do homem preto", declarou Guindane ao receber o Kikito de Melhor Filme.

O troféu foi o derradeiro de uma longa premiação que, gradativamente, revelou que o júri oficial valorizou a capacidade de "Mussum" mobilizar o espectador brasileiro, que anda distante não só dos cinemas na pós-pandemia como também do cinema de seu país — segundo números oficiais, o cinema nacional representa menos de 1% da bilheteria do Brasil no primeiro semestre de 2023.

Ailton Graça em cena de "Mussum, o Filmis", que estreia nos cinemas em 2 de novembro de 2023
Ailton Graça em cena de "Mussum, o Filmis", que estreia nos cinemas em 2 de novembro de 2023 Imagem: Divulgação

"Mussum, o Filmis" conta com linguagem leve e bem humorada uma história dura, mas com final feliz, ao escolher retratar a infância humilde de Carlinhos, criado com rigor e amor por Dona Malvina, uma empregada doméstica analfabeta que lutou para que o filho e sua filha pudessem estudar, ter uma profissão e o direito e o poder de escolha.

"Queria dedicar este prêmio à minha mãe, que foi uma Malvina, que foi pãe, queria dedicar também a meu filho João, mas seria muito egoísta de minha parte se só dedicasse a eles. Dedico a todos os pretos e pretas deste Brasil", declarou Guindane.

"Queria agradecer à Globo Filmes. Esperamos agora um grande lançamento. Realmente é muita emoção. É muito arriscado um filme com tamanho apelo popular vir ao festival, mas a gente esperava que o público fosse se comunicar com todos que assistiram", comentou o produtor Paulo Santucci.

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Ator Ailton Graça e o diretor Silvio Guindane do longa-metragem brasileiro "Mussum, O Filmis"
Ator Ailton Graça e o diretor Silvio Guindane do longa-metragem brasileiro "Mussum, O Filmis" Imagem: Cleiton Thiele/Agência Pressphoto

"Nossa preocupação não era contar a história do Mussum, que essa todo mundo já sabe. A história do Antônio Carlos ninguém conhecia. E nem da pessoa responsável por nutrir o Mussum de sonhos, que foi a Dona Malvina, vivida lindamente por Cacau Protásio e dona Neusa. Foi uma riqueza muito grande fazer este filme. Viva o cinema brasileiro. Viva a diversidade. O mundo estava cinza com o pandemônio que estava aí. Ele voltou a ser colorido, ele voltou a ser indígena, preto, viva!", declarou Ailton Graça, que também levou o Kikito de Melhor Ator pela performance cativante e impecável na pele de Mussum.

Mussunzinho, filho de Mussum, estava presente na premiação e declarou: "Eu tenho certeza que o velho está aqui com a gente hoje. É muito forte. Eu carrego esta frase de sentir saudade do que poderia ter vivido. Vocês retrataram de forma perfeita. Eu vou ter o maior orgulho de sentar daqui quatro anos com meu filho Tom, de mostrar este filme a ele. Eu posso falar por meus irmãos que está lindo, está de verdade. E a gente vai sacudir uma roseira por aí ainda porque o filme do negão está lindo!", agradeceu.

Vera Holtz recebe o prêmio de Melhor Atriz, por "Tia Virgínia" e Aílton Graça recebe o prêmio de Melhor Ator, "Mussum, O Filmis" |
Vera Holtz recebe o prêmio de Melhor Atriz, por "Tia Virgínia" e Aílton Graça recebe o prêmio de Melhor Ator, "Mussum, O Filmis" | Imagem: Edison Vara/Agência Pressphoto/Divulgacao

MELHOR ATOR E ATRIZ

A entrega dos Kikitos de Melhor Ator e Melhor Atriz foi uma atração à parte na noite. Ao subirem juntos ao palco, Vera Holtz e Ailton Graça protagonizaram um dos momentos mais divertidos da premiação. "Parabéns por você ganhar este prêmio esta noite. Você merece", declarou Vera. "Eu que agradeço por estar a seu lado. Seu axé é muito especial. Tem duas unanimidades na TV. Tony Ramos e Vera Holtz! Vocês não têm ideia!", completou Ailton.

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"Queria agradecer a toda equipe do filme, através do Fábio Meira e da Janaína Diniz. A todas as pessoas que mantêm este festival há 51 anos, através do Leo, que ficou do meu lado o tempo todo. Queria agradecer às minhas irmãs Arlete Salles e Louise Cardoso, Regina, Rosa e Tereza, que já nos deixou", declarou Vera.

A atriz declarou um poema de Mario Quintana e pediu ao público que declamasse com ela: "Os grilos, os grilos. Se a gente, ô meu Deus!. Se a gente pudesse puxar por uma perna um só grilo, se desfiariam todas as estrelas."

Louise Cardoso, Vera Holtz e Arlete Salles são três irmãs em "Tia Virgínia", de Fábio Meira
Louise Cardoso, Vera Holtz e Arlete Salles são três irmãs em "Tia Virgínia", de Fábio Meira Imagem: Divulgação

Ailton, em seguida, cantou uma cantiga ao orixá Exu. "É a primeira vez que estou em Gramado, a primeira vez que estou aqui e a primeira vez que recebo um prêmio na minha vida no cinema", declarou o ator, emocionado. "Eu não sabia o que era TV quando eu escolhi o que é ser ator. Na minha casa, eu ouvia a TV no barraco do lado. Para mim, todo mundo que estava dentro daquela caixinha era preto porque todo mundo da comunidade era preto", contou o ator.

O ator ainda lembrou de sua infância humilde em uma comunidade de São Paulo: "Eu escrevia na escolinha. E a professora me disse que o que eu escrevia era teatro. Eu fui escolhido pela arte. Eu nunca tive dúvida. Uma vez, conversando com minha mãe, quando a especulação imobiliária atingiu a comunidade em que a gente morava, minha mãe disse que ia dar duas armas para mim e para o meu irmão. Ela nos deu uma caneta. Meu irmão disse que queria ser administrador de empresas. Eu disse que queria ser carroceiro. Ela disse que carroceiro não podia. Depois eu queria ser advogado, cientista, engenheiro agrônomo. Mas ela pediu pra eu escolher uma profissão em que caibam todas elas. Eu escolhi ser ator", agradeceu.

"Eu não tinha referência. Quando eu vi pela primeira vez o Sidney Poitier, eu disse, ca*?. que nego bonito! Depois eu vi que éramos poucos. Eu queria entrar naquela caixinha para sermos mais. Minha família ouvia muito samba. Ouvir Originais do Samba era obrigação. Era obrigação ouvir Candeia. Nunca pense que samba é uma arte menor. Como diz Candeia, samba é uma filosofia", completou o ator.

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"Que a gente conte a história de muita gente preta no cinema. Nos deixem viver! É só isso! Dona Bernadete, é para a senhora", finalizou.

 "Tia Vírginia", de Fábio Meira, na foto ao lado de Vera Holtz e Janaína Guerra, recebeu o prêmio da Crítica, Melhor Roteiro, Melhor Atriz, entre outros prêmios
"Tia Vírginia", de Fábio Meira, na foto ao lado de Vera Holtz e Janaína Guerra, recebeu o prêmio da Crítica, Melhor Roteiro, Melhor Atriz, entre outros prêmios Imagem: Edison Vara/Agência Pressphoto

TIA VIRGINIA

"Tia Virgínia", de Fábio Meira, foi o segundo maior vencedor da noite, com seis prêmios no total. O longa que conta a história de três irmãs em uma noite de Natal deu a Vera Holtz o Kikito de Melhor Atriz por sua performance genial na pele de Virgínia, uma mulher que, aos 70 anos, entra em crise ao perceber que abdicou de seus sonhos para cuidar de seus pais e da casa da família.

O drama todo passado em uma casa, que mescla magistralmente humor e drama, levou, merecidamente, o Kikito de Melhor Roteiro, também assinado por Meira, Melhor Desenho de Som para Ruben Valdés, Melhor Direção de Arte para Ana Maria Abreu e Menção honrosa para a atriz Vera Valdez.

"Tia Virgínia é baseado na minha família. Por mais difíceis que sejam, são as situações que me formaram. Agradeço à minha mãe, Ieda, às minhas tias e às minhas atrizes, Vera Holtz, Arlete Salles e Louise Cardoso. As minhas tias e as minhas novas tias, maravilhosas atrizes. Muito obrigada!", agradeceu o diretor e roteirista ao receber o prêmio.

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"Tia Virgínia", também levou Prêmio da Crítica, que destacou "sua ciranda de afetos". "O filme nasceu aqui. Foi muito emocionante. A paixão pelo cinema é dividida por todos nós. A crítica é fundamental para o cinema acontecer. E agradeço também a produção do festival, à curadoria. Tia Leca e Tia Ceição, uma da geração da minha mãe, outra da geração da minha avó. O objetivo é jogar luz sobre estas mulheres, que não casaram, que não tiveram um homem ao lado delas. Espero que ele dê luz a outras Virgínias que encontrem seus caminhos", declarou Meira ao lado de Vera Holtz e da produtora Janaína Guerra.

"Para que cada Virgínia que perdeu seu caminho na vida, que ela coloque seu casaco de pele e encontre seu caminho pelas Serras Gaúchas", agradeceu Vera Holtz. "Um filme é um encontro entre a equipe, depois se estende para um encontro com o público, depois um encontro que é o festival de cinema, onde encontro velhos amigos e onde faço novos amigos. Dentro deste espaço de troca que é o Festival de Gramado. É muito prazeroso estar aqui depois da pandemia, depois do pandemônio, a gente re-existir, agradeço a todos os colegas, trabalhadores do cinema brasileiro. Para que o nosso cinema chegue ao públic, a gente precisa que ele chegue em todas as telas. A gente precisa que todas as histórias sejam contadas", observou a produtora Janaína Guerra.

 "Anhangabaú", de Lufe Bollini recebe o prêmio de Melhor Longa Documental
"Anhangabaú", de Lufe Bollini recebe o prêmio de Melhor Longa Documental Imagem: Edison Vara/Agência Pressphoto

DOCUMENTÁRIOS

O prêmio de Melhor Documentário foi para "Anhangabaú", de Lufe Bollini. "Queria agradecer à nossa equipe e ao Festival de Gramado, que é muito importante. A gente foi premiado em 2017 aqui e acreditou que o filme era possível. E hoje estamos entregando o filme aqui. É muito bom isso", declarou o cineasta.

"Agradeço à comunidade Guarani Mbya, que guarda o último cinturão verde da maior cidade da América Latina, à ocupação e à Oficina Uzyna Uzona. Este filme é dedicado a Zé Celso Martinez Correa. Aproveitando que o SBT está presente no festival, digo: 'Silvio Santos, libera o parque! São Paulo não precisa de mais um prédio! Precisa de verde!", completou o diretor sob aplausos!

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O Kikito de Melhor Direção foi para Petrus Cariri, do rigoroso "Mais Pesado é o Céu". "Parece que estou vivendo um sonho. Obrigado!", declarou o diretor cearense. "Mais Pesado é o Céu" ainda rendeu a Ana Luíza Rios o Prêmio Especial do Júri. O longa, que também é protagonizado por Matheus Nachtergaele, levou ainda os prêmios de Melhor Fotografia e Melhor Montagem.

PRÊMIO DO PUBLICO E A IMPORTÂNCIA DA COTA DE TELAS

Ao levar o Prêmio do Júri Popular, "Mussum, o Filmis" levanta a questão da importância de os filmes nacionais chegarem ao público brasileiro, que muitas vezes não chega nem mesmo a descobrir os filmes de seu próprio país, cujo circuito de multiplex de shoppings é amplamente dominado por blockbusters internacionais.

"É muito emocionante receber este prêmio de júri popular porque a gente sempre falou que queria fazer este filme para o público. Sempre acreditei que o cinema tinha de ter a generosidade de fazer um filme para o público", declarou Guindane.

"A mínima generosidade quando a gente faz uma peça, um filme é conseguir fazer o povo pensar através do nosso trabalho. Politicamente e cinematograficamente, dentro de nossa política, queria levantar uma questão que está muito em pauta na Lei 3696 de 2023, que é a cota das salas. Não adianta fazer um filme para o público se a gente não tem a cota de telas. Se a gente, depois de anos de trabalho, não conseguir levar o filme para o público. Se a gente conseguiu se reerguer depois do Collor, depois das políticas seguintes, até passar pelo completo 'deterioramento' de não ter Ministério da Cultura. Eu peço ao nosso Senado, por favor, não adianta fazer filme com melhor prêmio de público se a gente não consegue levar o filme para o público. O brasileiro merece o cinema brasileiro", declarou o diretor.

Confira a lista dos principais vencedores do Festival de Gramado 2023

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Melhor Filme

"Mussum, o Filmis", de Silvio Guindane

Melhor Documentário

"Anhangabaú", de Lufe Bollini

Melhor Longa-Metragem Gaúcho

"Hamlet", de Zeca Brito

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Melhor Direção

Petrus Cariri por "Mais Pesado é o Céu"

Prêmio do Público

"Mussum, o Filmis"

Melhor Roteiro

Fábio Meira por "Tia Virgínia"

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Prêmio Especial do Júri

Ana Luiza Rios de "Mais Pesado é o Céu".

Menção Honrosa

Vera Valdez, de "Tia Virgínia"

Menção Honrosa

Martin Macias Trujillo por "Mussum, o Filmis"

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Melhor Atriz

Vera Holtz por "Tia Virgínia"

Melhor Atriz Coadjuvante

Neusa Borges por "Mussum, o Filmis"

Melhor Ator

Ailton Graça por "Mussum, o Filmis"

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Melhor Ator Coadjuvante

Yuri Marçal por "Mussum, o Filmis"

Melhor Direção

Petrus Cariri por "Mais Pesado é o Céu"

Melhor Fotografia

Petrus Cariri por "Mais Pesado é o Céu"

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Melhor Desenho de Som

Ruben Valdés por "Tia Virgínia"

Melhor Trilha

Max de Castro por "Mussum"

Melhor Direção de Arte

Ana Maria Abreu por "Tia Virgínia"

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Melhor Montagem

Firmino Holanda e Petrus Cariri por "Mais Pesado é o Céu"

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