'Comandante' se passa na Segunda Guerra, mas combate a intolerância atual
"Afundamos o ferro inimigo, mas o homem? O homem a gente salva." A frase dita pelo célebre comandante siciliano Salvatore Todaro, um herói da Segunda Guerra pouco conhecido até mesmo pelos italianos, dá o tom a "Comandante", filme de Edoardo de Angelis, estrelado por Pierfrancesco Favino, que abriu oficialmente o Festival de Cinema de Veneza 2023 nesta quarta-feira (30).
Em tempos em que o mediterrâneo se torna mais uma vez uma zona de batalha, em que se discute a postura de países como a Itália em relação ao tratamento e ao socorro prestado por milhares de imigrantes que atravessam o mar em busca de uma vida melhor na Europa, "Comandante" cai como um recado muito atual sobre a importância de nunca perder a humanidade.
"A gente teve a ideia de fazer este filme em 2018, quando o Almirante Bertorino, que, na ocasião da celebração dos 123 anos da Guarda Costeira Italiana, foi incumbido de dar uma mensagem a seus homens, sobre se comportar no mar. E escolheu o caminho da parábola, um militar italiano que afundava o ferro inimigo, mas salvava o homem. E que, a quem o questionava, ele respondia: 'Porque somos italianos'. Então, é um conto importante e emblemático, seja por conta da sua força, mas também porque nos faz questionar o que de fato é ser italiano", diz o diretor Edoardo de Angelis.
A italianidade, digamos, é um conceito que nos últimos anos foi interpretado um pouco lateralmente. Esta nação é um caldeirão cultural maravilhoso, como dizemos no livro e no filme, mas qual é sua identidade? Nasce de toda a variedade possível de seres humanos, mas significa também socorrer. E quando conheci Salvatore Todaro, pensei que se isso significa ser italiano, eu quero ser italiano.
Sobre a trama de "Comandante", inspirado no livro homônimo, trata-se de uma história de prestar socorro, sobre nunca perder a humanidade, mesmo em tempos de guerra diante do inimigo. No caso, a guerra é a Segunda Guerra Mundial e o submarino Cappellini, comandado por Todaro, navegava as águas do Atlântico em outubro de 1940.
Entre bombardeios aéreos, desafio de sobreviver em um ambiente exíguo e voltar para casa a salvo, o Cappellini se depara com um navio mercante belga, o Kabalo, que o bombardeia, apesar da Bélgica estar à época em posição neutra no conflito.
O Cappellini responde ao ataque e afunda o Kabalo, mas Todaro resolve salvar os 26 náufragos sobreviventes do navio inimigo. Ele embarca os belgas com objetivo de os desembarcar no porto seguro mais próximo, como anda a "lei do mar". Mas a decisão humanitária põe seus homens em risco, pois o Cappellini emergia de dia e submergia à noite. Com vários homens no deck, o submarino teve de navegar por três dias na superfície e se tornou alvo das forças inimigas.
Outro ingrediente que dá atualidade e relevância a "Comandante" é a frase que abre o filme. Uma frase que um soldado russo disse ao ser salvo do mar por um ucraniano no atual conflito entre Rússia e Ucrânia" "Estamos todos à mesma distância de Deus, a distância de um braço."
É esta pequena, mas decisiva distância que separa muitos homens e que faz com que haja uma verdadeira discussão nacional sobre o dever da Guarda Costeira italiana de salvar os já citados imigrantes africanos, do Oriente Médio, entre outros, das águas do Mediterrâneo.
Há um diálogo universal com a nossa porção de humanidade em "Comandante", mas a história reverbera muito mais no público europeu e, obviamente, italiano, que saiu da Segunda Guerra sob a mácula de ter lutado ao lado do Eixo, ou dos nazistas, mas que, como sugere Todaro e sugere hoje Edoardo de Angelis, não perdem a humanidade e a capacidade de acolher e prestar socorro e são, muito por isso, italianos.
Realizado com apuro técnico, "Comandante", com perdão do trocadilho, é uma experiência imersiva e claustrofóbica. A direção de arte impecável transporta o espectador para o clima de medo e ansiedade, mas também de camaradagem que havia, e há, em um submarino ou qualquer outra embarcação que, em tempos de guerra, precisa funcionar e combater.
Favino, que já tem uma Copa Volpi (o prêmio de Melhor Ator em Veneza) por "Padrenostro", de 2020, está impecável no papel de Todaro, inspirador e duro na medida. Questionado se pretende seguir carreira internacional, uma vez que é um dos poucos famosos num ano em que a greve dos atores de Hollywood afastou várias estrelas do Lido (a ilha onde o festival ocorre), o ator foi categórico:
Eu me sinto inclinado a fazer cinema italiano, é o país a qual pertenço e, dada a nossa situação atual, é onde precisa. Eu considero o cinema italiano internacional.
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Quero receberFavino ainda deu um recado ao mercado internacional: "Se eu puder ajudar meu cinema e a indústria italiana, eu quero fazer isso. Se eu puder fazer um italiano em um filme internacional, eu vou fazer. Queria que os atores italianos estivessem mais presentes em filmes internacionais em que há personagens italianos. Não estou me comparando, mas por que não dar oportunidades para os italianos?".
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