Flavia Guerra

Flavia Guerra

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Sem pudor e com nudez, Emma Stone explora sexualidade em 'Pobres Criaturas'

"Uma mulher tramando seu caminho para a liberdade." A frase é dita pela dona de um bordel em Paris em que Bella Bexter, a protagonista de "Pobres Criaturas", do grego Yorgos Lanthimos, vai parar e trabalhar em determinado momento da história.

Mas resume perfeitamente a trajetória da personagem vivida por Emma Stone, que desponta como uma das fortes candidatas à Copa Volpi de melhor atriz do Festival de Veneza 2023.

Emma já levou o mesmo prêmio em 2016 por "La La Land", dirigido por Damien Chazelle, que neste ano preside o júri do festival. Mas, até o momento, não seria injusto se a atriz fosse bicampeã de Veneza. Ela é o coração de "Pobres Criaturas" e encarou uma jornada e tanto para viver Bella, uma espécie de invenção do Doutor God Bexter, um médico e cientista tão maluco quanto genial.

Vivido por Willem Dafoe, Dr. God faz de Bella um experimento. Ela é uma jovem anônima praticamente sem vida que ressuscita, em um experimento complexo, para investigar sua evolução. Cirurgião exímio, filho de um médico também genial e sádico, que fazia do filho sua cobaia, ele contrata um aluno, Max McCandles (Ramy Youssef) para anotar todos os avanços de Bella.

Siga o Splash no

Ela é uma criança em um corpo de uma jovem mulher. Seus movimentos, maneiras, andar, pensar e falar são puros e cheios de encantamento pelo mundo. Têm a magia e a violência das descobertas e dos caprichos infantis. Ela vive protegida na casa de Baxter até que evoluiu tanto que sonha com sua independência e em conhecer o mundo.

Com estilo rebuscado e de encher os olhos, típico do cineasta de filmes como "Dente Canino", "A Lagosta" e "A Favorita", "Pobres Criaturas" é um conto genial sobre a busca da liberdade, do desejo de uma mulher que não tem referências morais e sociais de ser dona de sua própria história, de seu corpo e, o mais revolucionário, de sua sexualidade.

A sexualidade, aliás, é um ponto crucial da trama do filme, inspirado no livro homônimo do escocês Alasdair Gray. A jornada de autoafirmação, descoberta e amadurecimento de Bella passa pela descoberta de sua sexualidade.

De brincadeiras com seu corpo quando na fase ainda "infantil", a paixão pueril por McCandles, passando pela fuga de casa para viajar pela Europa com o advogado Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo também em ótima atuação) e pelas experiências no bordel parisiense.

Continua após a publicidade
O cineasta grego Yorgos Lanthimos na première mundial de "Pobres Criaturas", estrelado por Emma Stone, em Veneza 2023
O cineasta grego Yorgos Lanthimos na première mundial de "Pobres Criaturas", estrelado por Emma Stone, em Veneza 2023 Imagem: Divulgação

"A gente tinha que ter certeza de que Emma não podia ter vergonha de seu corpo, nudez, engajando naquelas cenas (as de sexo). E ela entendeu isso de imediato", afirma o diretor quando questionado na entrevista de imprensa do filme na tarde desta sexta (1°) sobre as tantas cenas de sexo que a atriz protagoniza no filme.

Como o cineasta também afirma, a descoberta da sexualidade e do prazer, sem amarras e convenções sociais, quase também como um experimento científico, é intrínseca à própria história e ao caráter em formação de Bella.

Cortar o sexo e a sexualidade do filme para torná-lo mais "aceitável" para o grande público seria, como o diretor também diz, trair não só o livro, mas a essência de Bella. "Antes de mais nada, sexo é intrínseco ao livro, parte intrínseca também da liberdade em relação a tudo, incluindo sua sexualidade", continua Lanthimos, que lamenta a ausência de Emma para comentar o tema.

Kathryn Hunter e Emma Stone em cena de "Pobres Criaturas", que concorre ao Leão de Ouro em Veneza 2023
Kathryn Hunter e Emma Stone em cena de "Pobres Criaturas", que concorre ao Leão de Ouro em Veneza 2023 Imagem: Divulgação

"É uma pena que Emma não pôde estar aqui para falar mais sobre isso porque tudo que é dito vem de mim", diz o cineasta sobre a atriz, que não está em Veneza por causa da greve dos atores de Hollywood, que, pelas regras, impede que os atores participem de festivais, eventos e deem entrevistas.

Continua após a publicidade

Yorgos também conta que Emma, com quem já trabalhou em quatro outros projetos (incluindo "A Favorita", que levou o Grande Prêmio do Júri em Veneza 2018 e deu a Olivia Colman a Copa Volpi de melhor atriz), confiou nele e não questionou as cenas em que sua nudez é exposta e em que o sexo é filmado com realismo. "Quando eu falava algo sobre sexo, ela dizia que 'Sim, claro!, é a Bella, A gente tem que fazer o que é preciso'."

Emma Stone e Mark Ruffalo em cena de "Pobres Criaturas", de Yorgos Lanthimos, que concorre no Festival de Veneza 2023
Emma Stone e Mark Ruffalo em cena de "Pobres Criaturas", de Yorgos Lanthimos, que concorre no Festival de Veneza 2023 Imagem: Divulgação

"No começo, esta função [do coordenador de intimidade] pareceu meio ameaçadora para a maioria dos diretores, mas eu acho que é como tudo: se você está com um bom profissional, uma boa pessoa, pode ser ótimo. E a gente entende que, na verdade, precisa deles. Elle tornou tudo mais fácil para todos", conta Yorgos.

Surpreendentemente, por mais contraditório que possa parecer, as cenas de sexo em "Pobres Criaturas" são muitas e bastante realistas. Mas jamais desconfortáveis, sórdidas ou com tom que sugira que Emma esteja sendo explorada em cena.

Ao contrário, o tom cômico que permeia a trama, a ausência de julgamentos morais da personagem e do próprio diretor, além da naturalidade como a própria Bella experimenta o sexo e coloca seu corpo a serviço de suas experimentações, num caminho para entender a natureza do outro e a sua própria, fazem do sexo em "Pobres Criaturas" um elemento natural e de rara beleza, ainda que muitas vezes peculiar e até esdrúxulo.

É esta liberdade que faz da frase "e se" algo intrínseco também ao filme. "E se" as mulheres pudessem, como Bella faz, usar sempre o prazer que se dão e que também conquistam como momentos de se proporcionar felicidade? "E se" as mulheres que são sexualmente livres não fossem vistas como 'mulheres fáceis', 'vagabundas' ou 'não confiáveis'? "E se" o sexo fosse mais abertamente falado, praticado e compartilhado entre todos como forma de autoconhecimento?"

Continua após a publicidade

Estas não são necessariamente as únicas questões de "Pobres Criaturas", mas certamente são as que mais reverberam em uma sociedade supostamente liberada, mas que ainda arrasta as correntes do machismo e do moralismo estrutural.

"Pobres Criaturas" é leve, entretenimento que chega a todos os públicos, mas nunca banal. Para além de suas qualidades técnicas (fotografia, direção de arte, figurino certamente estarão na lista do Oscar 2024), é sua liberdade que reverbera em cada cena.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

Só para assinantes