Em 'Priscilla', Coppola traz um Elvis instável, ameaçador e apaixonado
"A parte que eu mais gosto e me emociona do filme? O final." Assim, Priscilla Presley respondeu aos jornalistas do Festival de Cinema de Veneza, onde o filme concorre ao Leão de Ouro, nesta segunda-feira (4), quando questionada sobre qual parte do filme "Priscilla", de Sofia Coppola, ela preferia.
Sem entregar o final em si, sem spoilers, o que a eterna mulher de Elvis Presley (no filme, "Jacob Elordi") afirma se refere a como a atriz que a interpreta, a jovem e ótima Cailee Spaeny, completa sua jornada de emancipação, de afirmação e de entendimento do mundo adulto e da dinâmica em que entrou quando tinha apenas 14 anos e que viveu até seus 29 anos.
Baseado no livro "Elvis and Me' ("Elvis e Eu"), que Priscilla publicou oito anos após a morte do cantor, "Priscilla", o filme, é um típico filme de Sofia Coppola. Famosa por seu estilo minimalista, tramas de cocção lenta, quase em banho-maria, protagonistas femininas jovens e um olhar muito particular para a intimidade, a cineasta faz com o novo longa um retrato muito fiel e respeitoso à história contada por Priscilla, mas, ao mesmo tempo, deixa claro seu ponto de vista.
De "Maria Antonieta" a "Bling Ring: A Gangue de Hollywood", entre outros, Sofia tem atenção especial por histórias que contam o chamado "coming of age", ou a passagem da infância para a vida adulta, de suas protagonistas. O lugar de empatia com as personagens não é de todo por acaso. Afinal, ela cresceu em um ambiente desafiador, ainda que protegido. Ser filha de Francis Ford Coppola a jogou ainda muito jovem em um universo fascinante, mas também intimidador.
Assim como suas personagens, ela precisou construir seu próprio caminho e se afirmar muito jovem.
Eu me interessei como as pessoas se colocam em situações de crise, de mudança, cruciais em suas vidas. Se contar que Priscilla é da geração da Minha mãe, que foi criada para estar realizada em estar com um bom marido.
As crises que Priscilla enfrenta não são poucas, ainda que ela, introspectiva como a própria cineasta, revele sempre com sutileza, olhos atentos e num caos calmo, a revolução interna por que passa.
Se um homem de 25 anos namorar uma adolescente de 14 anos, no final dos anos 50, não era necessariamente ilegal, imoral, socialmente levantava, sim, comentários. O roteiro deixa isso bem claro em diversos momentos.
No entanto, o que mais choca e interessa à cineasta é justamente o quanto Priscilla foi tirada do universo protegido em que cresceu, da casa de seus pais e da Alemanha para outro universo restrito, mas longe de sua família e, apesar de em seu país, um território estranho que ela não dominava e tampouco era livre.
Descobertas
Priscilla estava começando a descobrir a vida e encarava o tédio diante do cotidiano que qualquer adolescente encara. Filha de militar, ela vivia na Alemanha com a família, onde o pai servia, e onde Elvis também serviu por dois anos. No mesmo período, ele também perdeu a mãe, trauma que nunca superou, e enfrentava um luto profundo.
Apesar de seu pai viver com ele na Europa, ele se sente solitário e encontra na pueril Priscilla o porto seguro para dividir suas dores, sonhos, frustrações e, acima de tudo, uma escuta atenta e discreta em quem podia confiar. Ao ser questionada sobre o começo do relacionamento, Priscilla fez algumas revelações.
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Quero receberFoi muito difícil para os meus pais entenderem porque Elvis estava interessado em mim. Mas a troca sempre foi parte da nossa relação. Ele nunca superou a perda da mãe. Eu fui a pessoa que realmente sentou ali para ouvir isso nos conectou. Ele contava o que estava acontecendo, ele contava as frustrações. Ele confiava em mim. Eu nunca disse para ninguém que eu estava vendo ele. Eu nunca disse para ninguém na escola que eu estava com ela. A gente construiu uma relação de muita confiança, muito amor.
Deste início para a mudança dela para Graceland se passou mais de ano, mas ela ainda era muito jovem e seus pais permitiram com a condição de que ela terminasse a escola e que ela seria muito protegida por todos que cercava Elvis. Isso de fato aconteceu e tanto o livro quanto o filme retratam com cuidado o quanto o cantor esperou que ela se tornasse minimamente madura para, então, finalmente, ter uma vida sexual com a namorada.
Eu nunca fiz sexo com ele quando era muito jovem. Ele era muito gentil, amoroso, ele respeitou o fato de que tinha 14 anos. Priscilla
A espera fazia parte do respeito que Elvis tinha pela namorada, mas também a colocava em uma posição de saber e tolerar casos e aventuras do namorado mais que famoso. Isolada e solitária enquanto Elvis viajava para fazer cinema em Los Angeles, ela não ia muito além da escola e de Graceland, a gaiola de ouro em que ela passou a viver.
Aos poucos, foi entendendo a dinâmica, como o mundo de Elvis funcionava, compreendendo o temperamento instável dele, que ia do extremamente carinhoso e protetor ao machista e dominador, do emocionalmente abusivo e fisicamente intimidador. A garota deslumbrada foi amadurecendo, casou-se, foi mãe da única filha do casal, Lisa Marie, e se tornou uma mulher consciente de que, apesar de ainda haver amor, não havia um mundo em comum.
"A gente construiu uma relação até que eu o deixei. E não foi porque eu não o amava. Ele era o amor da minha vida Era a vida que ele levava que não era para mim. A gente continuou muito próximo e a gente tinha nossa filha. Eu fazia questão que ele a visse. Eu queria que tudo isso ficasse claro", afirmou Priscilla.
Como em todo filme de Sofia Coppola, não há grandes cenas barulhentas, dramáticas, trágicas, não há grandes derramamentos de emoção em tela, mas jamais a trama deixa de avançar. Muito pelo contrário. A jornada é longa, mas transformadora.
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