Flavia Guerra

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Reportagem

'Priscilla': a jornada de emancipação e libertação do grande amor de Elvis

O Festival do Rio 2023 inova ao, em vez de realizar uma sessão de gala de encerramento após a premiação oficial, adiantar um dia e exibir não apenas um, mas dois filmes: "Priscilla", de Sofia Coppola, e o brasileiro "O Sequestro do Voo 375", de Marcus Baldini, em sessões às 19h30 e 21h45, respectivamente, no Cine Odeon.

Se a aguardada cerimônia de entrega dos troféus Redentor ficaram para a noite de domingo, a noite de sábado será, portanto, badalada. "Priscilla" chega aos cinemas em dezembro e, em seguida, na plataforma MUBI, mas já movimenta o circuito cinéfilo desde setembro, quando fez sua estreia mundial no Festival de Veneza 2023, onde foi visto pela reportagem de Splash.

Presente na entrevista de imprensa do filme em Veneza, Priscilla Presley, cujo livro "Elvis and Me' ("Elvis e Eu") é base do longa-metragem, fez questão de não estar no palco do evento, mas, sim, de ficar na plateia, como quem observa sua vida, além de ser contada, discutida no cinema.

"Sofia fez um trabalho incrível. Ela fez a lição de casa, a gente conversou algumas vezes. E eu realmente revelei tudo que podia para ela", disse Priscilla Presley ao ser questionada como se sentiu ao ver sua vida representada. "É muito difícil assistir a um filme sobre você, sobre sua vida, sobre seu amor", afirmou Sofia Coppola, que se deu uma pausa para segurar as lágrimas.

Cailee Spaeny recebe a Coppa Volpi de melhor atriz por seu papel em 'Priscilla', de Sofia Coppola
Cailee Spaeny recebe a Coppa Volpi de melhor atriz por seu papel em 'Priscilla', de Sofia Coppola Imagem: Andrea Avezzu / Divulgaçao

Priscilla, a propósito, já havia revelado muito em "Elvis and Me' ("Elvis e Eu"), publicado oito anos após a morte de Elvis Presley e conta a história de um dos casais mais célebres da história da música e cultura pop pelo olhar da mulher que conheceu o cantor ainda menina e amadureceu em meio a este caso de amor tão único e a um mundo totalmente novo para ela.

Relação de confiança

Priscilla tinha 13 anos quando conheceu Elvis. Filha de militar, ela vivia na Alemanha com a família, onde o pai servia e onde Elvis serviu por dois anos. Convidada por outro oficial para ir a uma festa do cantor, ela teve de convencer os pais de que era seguro frequentar a casa não só de um homem, mais velho, mas a do maior astro do rock mundial.

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"Foi muito difícil para os meus pais entenderem porque Elvis estava interessado em mim. Mas a troca sempre foi parte da nossa relação. Ele nunca superou a perda da mãe. Eu fui a pessoa que realmente sentou ali para ouvir isso nos conectou", observou ela na conversa em Veneza.

De fato, Elvis perdeu a mãe no período em que serviu na Alemanha e nunca superou o trauma. Seu luto durou até o fim da vida. Ainda que o pai morasse com ele na Europa, a perda da figura materna, sua grande aliada e incentivadora, combinada com o isolamento que a fama carrega.

Trouxe uma solidão crônica que só foi aplacada com a entrada da jovem Priscila. Foi nela que ele não só encontrou um porto seguro para dividir suas dores e frustrações, mas uma escuta genuína. "Ele contava o que estava acontecendo, contava as frustrações. Ele confiava em mim. Eu nunca disse para ninguém que estava vendo ele. Nunca disse para ninguém na escola que estava com ele. Construímos uma relação de muita confiança, muito amor", comentou Priscilla.

Cailee Spaeny interpreta Priscilla Presley em novo filme de Sofia Coppola, que compete no Festival de Veneza
Cailee Spaeny interpreta Priscilla Presley em novo filme de Sofia Coppola, que compete no Festival de Veneza Imagem: Divulgação

No entanto, Sofia deixa isso bem claro, ainda que com seu estilo sempre minimalista e inconfundível, Elvis viu em Priscilla uma figura pura, quase intocável, aparentemente fácil de manejar, talvez até de controlar e manter em uma redoma de proteção e, com o perdão do clichê, uma gaiola dourada.

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Nesta simbiose tão particular do casal, é Priscilla quem se vê também solitária. É esta a chave para que a cineasta construa um filme que narra a jornada de descoberta do mundo real para além de Graceland (a propriedade lendária construída por Elvis e da qual a jovem mal saía no início da relação dos dois).

Sofia sempre constrói narrativas com protagonistas jovens e traz seu olhar particular para a intimidade e o mundo interior delas. No filme, a diretora é fiel e respeita a história contada por Priscilla, mas, ao mesmo tempo, deixa claro seu ponto de vista.

Não por acaso, quando questionada sobre qual parte do longa mais a emocionou, Priscilla disse que era o final. Sem spoilers, é justamente este final que situa a jovem como personagem que age, que decide e que vai muito além da figura de "esposa troféu" que muitos acreditavam que ela fosse.

Em tempo, quem vive a protagonista é Cailee Spaeny, que por sua atuação precisa e contida levou a Copa Volpi, o prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza. É ela, inicialmente tímida, introvertida e inexperiente, que se revela a mulher que foi muito mais que o "grande amor da vida de Elvis.

O casal ficou junto dos 14 anos de Priscilla até seus 29, quando já era mãe de Lisa Marie e tinha entendido que, ainda que amasse Elvis, o estilo de vida dos dois era incompatível. "Talvez em outra vida, em outro tempo", diz ele (vivido por um ótimo Jacob Elordi, de "Euphoria") para ela em certo ponto.

"A gente construiu uma relação até que eu o deixei. E não foi porque eu não o amava. Ele era o amor da minha vida. Era a vida que ele levava que não era para mim. A gente continuou muito próximo e a gente tinha nossa filha. Eu fazia questão que ele a visse. Eu queria que tudo isso ficasse claro", afirmou Priscilla.

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A cineasta Sofia Coppola, que concorre com "Priscilla" ao Leão de Ouro em Veneza 2023
A cineasta Sofia Coppola, que concorre com "Priscilla" ao Leão de Ouro em Veneza 2023 Imagem: Divulgação

Sobre o amor que perdura, Elordi comentou: "Minha principal fonte de pesquisa foi o livro. O mais impressionante sobre esta história é a dimensão deste amor e o poder deste amor. Mesmo Elvis não estando aqui, quando a gente fala com Priscilla, a gente ainda sente este amor. É verdadeiro, imortal."

Quando ele diz 'talvez em outro tempo, em outro lugar', é algo em que se pode acreditar. O amor não precisa ser algo físico que está na nossa frente. É este elo que conecta as pessoas ao longo do tempo. Isso é eterno.

Namoro aos 14 anos

Para além do caráter romântico e da emancipação de Priscilla, Sofia mira, ainda que sempre discreta, a questão de se tratar de uma menina que se apaixona por um homem. Elvis tinha 25 anos quando começou a namorá-la, no final dos anos 1950.

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O namoro não era necessariamente ilegal, imoral, mas socialmente levantava, sim, comentários. O roteiro deixa isso bem claro. E mostra o respeito de Elvis, que Priscila faz questão de ressaltar. "Eu nunca fiz sexo com ele quando era muito jovem. Ele era muito gentil, amoroso, ele respeitou que eu tinha 14 anos."

Priscilla ganhou autorização dos pais para viver em Graceland e terminar os estudos nos Estados Unidos pouco tempo depois que Elvis deixou a Alemanha, o que era algo ousado para a época.

A espera de Elvis para que ela amadurecesse e, então, eles de fato tivessem uma vida conjugal, revela o cuidado e o respeito, mas também que Elvis, em suas tantas viagens a trabalho, principalmente na fase em que filmou vários longas em Hollywood, ficou próxima de outras mulheres. Enquanto isso, Priscilla, só saía de Graceland para basicamente ir à escola.

É justamente este deslocamento de seu mundo entediante e protegido da casa dos pais para outro mundo quase tão entediante, mas desafiador e estranho, que interessa a Sofia. Sempre atenta às jornadas de emancipação de suas jovens personagens (de "Maria Antonieta" a "Bling Ring: A Gangue de Hollywood", entre outros), a cineasta, filha de Francis Ford Coppola, sabe muito bem o quão intimidador o mundo protegido da gaiola dourada pode ser.

Sofia construiu seu próprio caminho no cinema e seu próprio estilo e, na história de Priscilla, encontrou ecos de sua própria história e de sua mãe, que faz parte da mesma geração que foi criada para ser a coadjuvante de ouro, mãe exemplar, linda e discreta.

Eu me interesso como as pessoas se colocam em situações de crise, de mudança, cruciais em suas vidas. Se contar que Priscilla é da geração da minha mãe, que foi criada para estar realizada em estar com um bom marido.

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