Em novo filme, Scorsese denuncia o 'câncer do genocídio tranquilo'
"Quis captar vírus que cria a sensação de um genocídio tranquilo." Assim, o cineasta Martin Scorsese chegou na essência de "Assassinos da Lua das Flores", que estreou nesta semana nos cinemas após longa espera.
Em conversa via Zoom com a imprensa internacional na segunda passada (16), na qual Splash acompanhou, o diretor provou que, aos 80 anos, não só não se acomoda em seu merecido lugar de mestre do cinema como está disposto a aprender e a corrigir a rota de seu cinema ao perceber que a real história, mesmo quando aparentemente está em segundo plano, é mais urgente e mais interessante que a que pretendia contar.
Em tempo, "Assassinos da Lua das Flores" é baseado numa história real. Na década de 1920, em Oklahoma, povo indígena Osage se torna da noite para o dia detentor das maiores fortunas do mundo, depois que petróleo é encontrado em sua terra.
A riqueza atrai a atenção e a cobiça dos brancos da região que, apoiados na amizade que têm com os Osage, oscila entre se aproximar para pedir trabalho, favores e se aproveitar da confiança dos indígenas para tirar vantagem em gerenciamento de suas fortunas, casando-se com eles e, em último caso, assassinando sua população.
No filme, tudo começa quando o simplório Ernest Burkhart (Leonardo Di Caprio), volta do front da Primeira Guerra Mundial e vai viver com seu tio Wiiliam King Hale (De Niro), um poderoso fazendeiro da região de Osage. O jovem se apaixona pela indígena Mollie (Lily Gladstone), dona de uma grande fortuna ao lado de sua mãe e três irmãs, despertando o lado ganancioso de King, uma vez que o casamento é uma das formas de enriquecer.
Scorsese mostra todas as "opções" acima no novo filme, mas é obviamente a última, a do genocídio silencioso, contínuo e sistemático dos Osage que move a trama desta verdadeira epopeia cinematográfica. Daí o "genocídio tranquilo" ao qual o diretor se refere.
Confira os principais pontos da conversa, que tratou de questões cruciais não só de "Assassinos da Lua das Flores", mas sobre como os indígenas estadunidenses são retratados no cinema e na história, além de pontos sobre a realização do longa.
Cuidados da produção para garantir que os Osages se sentissem representados com precisão e legitimidade
Assim que li o livro, quando me apresentaram esta história, eu disse: 'Você quer que eu me envolva com ou qualquer coisa relacionada com povos indígenas e nativos americanos?' Tive uma experiência nos anos 1970 em que comecei a tomar consciência da natureza de qual era a sua situação. Até então eu era ignorante, era jovem, na casa dos 20 anos. Foram anos de processo e aprendizado. Sou fascinado pela forma como é possível lidar realmente com essa cultura de uma forma que seja respeitosa e, também, não seja hagiográfica. Não se enquadra, acho, em algo como a ideia de Jean-Jacque Rousseau tipo, a do 'nativo nobre', esse tipo de coisa.
Mas sim de quão verdadeiros podemos ser e ainda assim ter autenticidade e respeito, dignidade e lidar com a verdade, honestamente, da melhor maneira que pudermos. Dito isto, a história, quando a li, me indicou que esta forma seria a que poderíamos lidar. E principalmente nos envolvendo com a cultura do Osage. E realmente colocar em pauta e no filme os elementos culturais, rituais, momentos espirituais.
Sobre conhecer a cultura Osage e trazer elementos contemporâneos para "Assassinos da Lua das Flores"
Quando fui conhecer os Osage e me encontrar com o Chief Standing Bear e seu grupo (Julie, Addie Roanhorse e Chad Renfro) foi muito diferente do que eu esperava. Eles eram naturalmente cautelosos. Tive que explicar que ia tentar lidar com eles da maneira mais honesta e com a maior sinceridade possível. Nós não iríamos cair na armadilha de trazer o clichê das vítimas, ou do indígena bêbado, ou todo esse tipo de coisa, mas ainda assim iríamos contar a história o mais direta possível. O que eu realmente não havia entendido nas primeiras reuniões é que esta é uma situação que não terminou, uma história que ainda continua em Oklahoma.
Trauma e traições que atravessa gerações
Em outras palavras, essas são coisas que realmente não foram comentadas na geração com quem eu estava conversando. Na geração anterior à deles, antes deles, foi nesta geração anterior que tudo aconteceu. Então, eles não conversaram muito sobre isso. E as pessoas envolvidos continuam vivas. Isso significa que as famílias continuam lá, seus descendentes ainda estão lá. E então, o que aprendi a conhecê-los, a encontrá-los, a jantar com eles. Margie Burkhart, que era parente de Ernest Burkhart.
Traição e amor
Margie também falou do fato de que é preciso lembrar que Ernest, seu ancestral, adorava Mollie, e Mollie amava Ernest. É uma história de amor. E então, em última análise, o que aconteceu, é que o roteiro mudou e este ponto entrou na história. E foi aí que Leo decidiu, em vez de interpretar Tom White (policial que investiga e desvenda todo o esquema de crimes, vivido por Jesse Plemons), viver Ernest. E nesse ponto, começamos a retrabalhar o roteiro, que ficou mais corajoso. Em vez de fora para dentro, entrando no universo e descobrindo quem fez isso, a real questão crucial é sobre quem não fez. É uma história de cumplicidade, do pecado da omissão, sabe? Cumplicidade silenciosa em alguns casos. Isso nos deu a oportunidade de ampliar o olhar e contar a história de dentro para fora.
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